Rito de tramitação
Pelo regimento da Câmara, uma PEC deve passar, primeiro, pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que analisa se a proposta está de acordo com os princípios jurídicos e constitucionais.
Depois, o mérito (conteúdo) deve ser debatido em uma comissão especial, que pode alterar a proposta original. A comissão tem o prazo de 40 sessões do plenário para realizar audiências públicas com especialistas e votar uma proposta. Só depois de aprovado um parecer pela comissão é que a PEC segue para o plenário.
No caso da PEC da Imunidade, Lira se aproveitou do fato de que a CCJ — assim como as comissões permanentes — ainda não está instalada e argumentou que, por isso, a tramitação deveria ir diretamente para o plenário.
No entanto, diversos partidos criticaram a alegação, uma vez que há previsão de instalação das comissões já na semana que vem.
Diante da decisão de Lira, o parecer em nome da CCJ foi então apresentado pela relatora no plenário e aprovado na sessão na quarta-feira (24).
Houve uma tentativa de se votar o mérito no dia seguinte, mas a votação acabou adiada diante da ausência do número necessário de votos para a sua aprovação.
Por se tratar de uma emenda à Constituição, são necessários dois turnos de votação no plenário com o apoio de pelo menos 308 dos 513 deputados. Em seguida, vai ao Senado.
Discussão
O líder do PDT, Wolney Queiroz (PE), foi um dos que pediram que a proposta fosse discutida com calma em uma comissão especial.
"Existe um rito a ser cumprido. Quando nos negamos esse rito, nós, então, esbarramos nessas dificuldades que estão colocadas hoje. A sociedade não compreende o assunto, os líderes não se entendem, os parlamentares não conseguem absorver as mudanças no texto”, afirmou.
A mesma posição foi defendida pelo líder do PSDB, Rodrigo de Castro (MG), que pediu aos parlamentares para darem “um passo atrás” a fim de depois seguirem com a discussão da matéria.
"Nós podermos debater esse tema com muito mais profundidade, trazê-lo de novo ao plenário, inclusive mostrarmos à sociedade os erros e equívocos que estão sendo colocados, as versões, muitas vezes inclusive, que vão contra a realidade, uma verdadeira enchente de 'fake news' em relação ao tema. E nós não temos medo nenhum de debatê-lo. Não temos medo nenhum de dizer que nós estávamos caminhando realmente para um texto bom."
Diante da falta de consenso, o vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), que antes defendia a votação completa da proposta (em primeiro e segundo turnos) ainda nesta sexta, também sugeriu a Lira a criação da comissão especial para “tramitação e busca de construção de um texto”.
“Em momento nenhum pode-se passar mensagem para a sociedade que esse é um instrumento de proteção de cometimento de crimes ou de ilegalidades pelos parlamentares”, disse Ramos.
"Ontem [quinta-feira] fizemos todos os esforços na sessão para avançar. Já está admitida a PEC e, portanto, talvez o caminho mais prudente neste momento seja o caminho de encaminhar à comissão especial.”
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Margarete Coelho, relatora do PEC sobre imunidade parlamentar — Foto: Najara Araújo/Câmara dos Deputados |
Texto médio
Após o acordo que adiou mais uma vez a votação, a relatora, deputada Margarete Coelho (PP-PI), disse que os deputados vão tentar construir um texto médio e com mais consenso na Câmara.
Ela defendeu a PEC para suprir o que chamou de “lacunas” na Legislação em relação à imunidade parlamentar.
“Nós também sabemos da responsabilidade que temos por votos e opiniões. Há essa lacuna, essa zona cinza na legislação, a respeito do que sejam as nossas prerrogativas, do que sejam as imunidade materiais, quais os limites e possibilidades”, disse.
“Essa Casa tem procurado votar temas consensuais e, enquanto não chegarmos a um texto consensual, obviamente que nós continuaremos trabalhando em torno desse texto, no debate com a sociedade, no debate interno com essa casa, até que nós cheguemos a um texto médio”, declarou.
A relatora disse que a PEC deixa mais claro o que são crimes inafiançáveis, o que aumenta a garantia dos deputados ao expressar suas opiniões e votos.
“Se pretende deixar claro que crimes inafiançáveis são aqueles que a lei taxativamente diz que o são. Afastar uma amplitude na interpretação do que seja crime inafiançável aumenta a garantia da casa”, disse.
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Presidente da Câmara, Arthur Lira, conversa com parlamentares nesta sexta-feira (26) — Foto: Maryanna Oliveira/Câmara dos Deputados |
Lira nega 'blindagem'
Arthur Lira voltou a negar, durante a sessão desta sexta-feira, que a proposta livre de punição deputados e senadores e sirva de blindagem aos parlamentares.
O presidente da Câmara defendeu a proposta como uma forma de frear o "absolutismo de voto e voz” e “fechar as lacunas legislativas” sobre a imunidade parlamentar.
Segundo ele, a Câmara não aceitará "os mesmos ataques que o Supremo recebeu", em referência aos atos antidemocráticos dos quais o tribunal foi alvo no ano passado.
Lira externou a dificuldade de se obter os votos necessários para a aprovação da PEC.
"Qualquer acordo que se faça no plenário na tarde de hoje, para a Presidência da Casa, para a Mesa Diretora e para funcionários e para consultoria e para todos os deputados, sabem que impõe riscos à matéria num tema extremamente sensível", afirmou Lira.
Ele destacou ainda que sentia "tristeza" com o fato de os parlamentares não terem chegado a um acordo, mas que não encarava isso como um revés pessoal uma vez que considerava a situação como sendo "de todos" os deputados.
Para ele, a proposta deveria ser chamada de PEC da Democracia e não de "PEC da Impunidade", como foi apelidada, porque, segundo ele, coloca regra para o convívio social e, caso estivesse em vigor, teria permitido uma decisão mais "cômoda" para o STF no caso Daniel Silveira.
"Fico triste e preocupado quando se adjetivam PECs. E essa não merece ser chamada PEC da Impunidade. Deveria ser chamada de PEC da Democracia. A democracia que impõe limites, a democracia que impõe respeito, a democracia que impõe ordenamento e que dá regras ao convívio social. Regras que faltam e que faltaram para que o Supremo tivesse uma decisão mais cômoda, inclusive, para ele mesmo", disse.
Pedidos de alteração do texto
Em meio às negociações para a construção da PEC, o deputado Paulo Teixeira (PT-SP) pediu à relatora alterações no texto.
Um dos pedidos foi a exclusão da expressão "por sua natureza", contida no texto na parte em que trata de crimes inafiançáveis pelos quais os parlamentares podem ser presos em flagrante.
Na avaliação de partidos da oposição, a expressão poderia permitir a deputados que eventualmente cometessem crimes contra a Lei de Segurança Nacional, por exemplo, não ser presos em flagrante, já que não há norma que diga que tal crime é inafiançável.
“Essa votação exclui os crimes contra a segurança nacional e exclui a punição do deputado Daniel Silveira e nós não queremos passar esse recado à nossa sociedade”, afirmou.
A relatora, porém, defendeu manter a expressão por ser mais "garantista".
"[Manter a expressão] é dizer que são aqueles crimes que a própria lei que nós dissermos que são inafiançáveis", disse Margarete.
“A Lei de Segurança Nacional tem seus próprios meios e instrumentos legais para se fazer cumprir”, afirmou.
O PT também pediu a exclusão do trecho que prevê que um parlamentar só seria responsabilizado por suas declarações em processos disciplinares no Conselho de Ética da Câmara ou do Senado, ficando blindados de processos na esfera civil e penal. O PSL se posicionou contra a alteração.
As negociações pelas supressões no texto arrastaram a votação da PEC até o final da tarde, quando foi feito o anúncio de um acordo pela criação da comissão especial para discutir o mérito da PEC antes da votação no plenário.
Fonte: G1 /Política