Mario Sérgio Cortella |
São
Paulo — “Encontrar alegria na carreira é um sonho antigo da
humanidade. O filósofo chinês Confúcio (551 a.C.- 479 a.C) já
arriscava um plano: “Busque um trabalho que você ame, e nunca mais
terá que trabalhar um dia em sua vida”.
No
Brasil de 2016, o velho ideal parece especialmente distante. Combine
crise
econômica,
instabilidade política, conflitos sociais e desemprego
galopante, e está pronta a receita de veneno para a motivação
de qualquer profissional.
Para
o filósofo, educador e palestrante Mário Sérgio Cortella, os
problemas conjunturais do país têm impacto inegável sobre a
disposição do brasileiro para o trabalho. Mas o desânimo para
levantar na segunda-feira de manhã também admite outras
explicações, inclusive de natureza existencial.
Em
entrevista exclusiva a
EXAME.com,
o estudioso discute os mecanismos por trás da motivação para o
trabalho, o segredo para encontrar alegria na obrigação, entre
outras questões centrais de seu novo livro, “Por que fazemos o que
fazemos?” (Editora Planeta, 2016).
Na
conversa, Cortella desconstrói o mito de que rotina e felicidade
não se misturam, mas dá um puxão de orelha nos jovens que só
esperam fazer o que gostam em suas carreiras. “É preciso ter o
prazer como uma das referências para o trabalho, mas não como
referência exclusiva”, afirma. “Sempre é necessário um
desgaste para que você atinja um resultado”.
Confira
a seguir os principais trechos da conversa com o filósofo, em que
ele diz o que pensa sobre temas como propósito, obsessão pela
carreira e equilíbrio entre lazer e trabalho:
Em
seu novo livro, você discute uma das maiores fontes de mal-estar do
mundo contemporâneo: a dificuldade de encontrar motivação para o
trabalho. Essa é uma questão sentida especialmente pelos jovens?
Mário
Sérgio Cortella - Antes
de tudo, é preciso distinguir motivação e incentivo. Motivação é
aquilo que move, que movimenta, como um motor. É, portanto, algo
interno, precisa estar dentro de nós. É possível incentivar outra
pessoa, dar estímulos. Mas não dá para motivá-la.
Hoje,
o jovem tem esse “motor interno" pouco acelerado em relação
ao trabalho. As gerações anteriores, ao contrário, viam no
trabalho uma obrigatoriedade, porque não dava para viver sem
trabalhar e era preciso começar cedo.
Acontece
que, nas últimas décadas, o Brasil construiu condições econômicas
mais sólidas e uma parcela das famílias decidiu que iria subsidiar
a ausência de ganho dos seus filhos. Isso faz com que o jovem tenha
uma motivação muito menor. Se eu tenho 18, 19 anos, por que
investir na carreira, se posso dedicar o meu tempo ao lazer? Uma
parte dos pais e mães enfraqueceu a formação dos filhos nessa
direção. Sob o pretexto de poupá-los, produziu e produz um efeito
que é danoso.
E
agora? O que faz um jovem ter disposição para acordar na
segunda-feira de manhã e ir trabalhar feliz?
Mário
Sérgio Cortella - Em
primeiro lugar, o propósito. Ele só ficará motivado se enxergar
que aquilo para que vai se esforçar tem uma finalidade clara para
ele.
Reconhecimento
também é essencial, é a coisa de que o jovem mais necessita. Ele
precisa ser entendido como alguém importante, porque a questão
autoral se tornou central. O profissional não quer mais ser tratado
apenas como uma peça de uma grande máquina, ele quer ser autor de
algo. É a mesma lógica da matéria assinada por um jornalista:
aparece lá o nome dele, mesmo que seja pequenininho. No mundo do
trabalho, o reconhecimento se tornou mais importante do que a própria
sobrevivência.
Quando falam sobre seus ideais de carreira, muitos jovens dizem que querem “fazer o que gostam”. Eles estão confundindo prazer e obrigação?
Mário
Sérgio Cortella - Uma
das melhores coisas da vida é fazer o que se gosta. Só um tonto vai
querer fazer algo desagradável. O que não posso esquecer é que,
para chegar ao resultado de que eu gosto, há várias etapas pelas
quais eu passarei que serão desagradáveis. Sempre é necessário um
desgaste para que você atinja um resultado.
Os
nossos medalhistas de ouro na Olimpíada precisaram fazer várias
coisas de que não gostavam para chegar ao lugar de que gostaram, que
é o primeiro lugar do pódio. É preciso ter o prazer como uma das
referências para o trabalho, mas não como referência exclusiva. Se
não for assim, haverá muita tristeza e frustração.
Por mais prazeroso que seja, qualquer trabalho implicará repetição e rotina. É possível ter uma rotina prazerosa, ou isso é um paradoxo?
Mário
Sérgio Cortella -
É possível sim. Rotina é simplesmente uma forma de organização
do trabalho. Não devemos confundir rotina com monotonia. Todos os
dias eu levanto cedo, vou para meu escritório, sento para escrever,
dou palestras. É uma rotina, isto é, uma atividade organizada,
estruturada. Ela não produzirá distração nem chateação, a não
ser que vire monotonia.
Quando
eu entro num avião, quero que o piloto siga a sua rotina, mas não
quero que ele entre num estado de monotonia. A rotina será prazerosa
se eu enxergar o resultado dela como prazeroso. Quando deixa de ser
assim, vira monotonia. É quando eu não vejo a hora de ir embora, de
deixar tudo para trás.
O
excesso de trabalho está roubando cada vez mais tempo do lazer e da
convivência familiar. Num mercado tão competitivo, ainda é
possível ter uma carreira de sucesso sem sacrificar a felicidade em
outros âmbitos da vida?
Mário
Sérgio Cortella - É
evidente que você precisa se dedicar à carreira, mas não pode
deixar que apenas um aspecto da vida obscureça todos os demais. É
preciso buscar um equilíbrio entre as diversas faces da existência.
E esse equilíbrio é igual ao necessário para andar de bicicleta:
você precisa estar sempre em movimento para não cair.
Equilíbrio
significa ser capaz de ir aos extremos sem se perder neles. Você
pode ter uma alimentação equilibrada mas, de vez em quando,
mergulhar com alegria numa garrafa de vinho, num churrasco. Mas não
vai fazer isso todo dia, toda hora. Da mesma forma, quando as pessoas
fazem cursinho pré-vestibular, elas não têm fim de semana, não
têm balada, não têm nada. Mas ninguém vai passar o resto da vida
fazendo cursinho, se não enlouquece.
Uma
pessoa que passa o tempo todo obcecada pela carreira está adoentada.
É preciso cautela, porque isso vai torná-la infeliz. Há momentos
na vida em que você vai se dedicar mais aos filhos do que à sua
carreira. Em outros, você precisará trabalhar por 12,13 horas por
dia e ficará menos tempo com a família. O importante é não se
perder nos extremos, mas saber transitar entre eles.
Sucesso é sinônimo de estresse?
Mário
Sérgio Cortella - Sem
dúvida. Existe a ideia de que sucesso significa trabalho
contínuo, que você deve esquecer os outros aspectos da vida. Nossa
cultura incentiva isso, suga as pessoas, vai exaurindo suas forças,
transformando cansaço em estresse. O cansaço resulta de um esforço
intenso. O estresse é quando você já não tem compreensão do que
está fazendo.
No
entanto, o que é imposto pela cultura não é obrigatório. É
preciso andar na contramão dessa ideia e tentar buscar o equilíbrio
entre as diversas faces da vida. Não é fácil, mas também não é
impossível.”
Fonte: Exame
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