'Se
vai ter cortes na escolas e nos hospitais, por que não nos
benefícios dos funcionários públicos?'
“Essa é a pergunta que
vem se multiplicando nas redes sociais desde que o governo Michel
Temer apresentou a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241, que
pretende amenizar o rombo nas contas públicas.
Na terça-feira, o texto
foi aprovado em segundo turno pelo plenário da Câmara e agora segue
para o Senado. Ele estabelece um teto para o crescimento das despesas
públicas federais e tem recebido muitas críticas por alterar o
financiamento em duas áreas essenciais para o bem-estar da
população: saúde e educação.
Mas como a PEC afeta os
servidores federais?
Segundo especialistas
consultados pela BBC Brasil, há três tipos de impacto.
O primeiro deles está
descrito na proposta: caso o limite de gastos seja descumprido por um
Poder (Executivo, Legislativo e Judiciário) ou órgão, o mesmo não
poderá conceder aumentos para seus funcionários nem realizar
concursos públicos. Outras sanções são impedir a criação de
bônus e mudanças nas carreiras que levem a aumento de despesas.
As medidas funcionam como
uma forma de punição se a conta não fechar.
Há também consequências
que não são citadas na PEC, mas podem vir após sua implementação,
como o congelamento de salários e uma discussão maior sobre
distorções do funcionalismo público do país.
Salários congelados
De acordo com os
especialistas, existe a possibilidade de que, com a aprovação da
proposta, os funcionários públicos deixem de ganhar reajuste e não
tenham suas remunerações corrigidas pela inflação - mesmo com o
cumprimento do teto.
Isso acontece porque o
teto é global e vale para todos os custos de um Poder ou de um
órgão. Dessa forma, se o Executivo tiver que dar mais verba para as
escolas, por exemplo, poderá segurar as remunerações de seus
empregados.
Na prática, isso
equivaleria a reduzir os salários, porque a inflação - medida pelo
IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo - é quanto
poder de compra o dinheiro perde determinado período. Sem a
correção, é como se o pagamento diminuísse, porque o mesmo valor
compra menos que antes.
Em 2015, 20% das despesas
do governo federal foram com pessoal. O percentual deve crescer mais
com os aumentos concedidos neste ano.
Em julho, o presidente
Michel Temer sancionou uma lei que concedeu reajuste de até 41,47%
nos salários dos servidores do Judiciário e aumento de 12% para
analistas e técnicos do Ministério Público da União.
No entanto, o que mais
prejudica as contas públicas é a Previdência desse grupo de mais
de 2 milhões de pessoas, das quais 44% são aposentados ou
pensionistas.
Mudanças na
Previdência
Segundo cálculos do
professor de economia da FGV e PUC-SP Nelson Marconi, no ano passado
os benefícios pagos a servidores federais somaram R$ 105 bilhões.
Como as contribuições
de quem está trabalhando não cobrem esse montante, há um déficit
de R$ 92,9 bilhões, próximo ao rombo de R$ 90,3 bilhões do INSS. A
diferença é que o primeiro atende 980 mil pessoas e o segundo, 32,7
milhões - é onde estão os profissionais da iniciativa privada.
Com uma participação
tão expressiva na crise fiscal do país, o fundador e
secretário-geral da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco, não vê
outra escapatória a não ser mexer no funcionalismo.
"Pela magnitude do
problema, não adianta imaginar que o governo pode reequilibrar
despesas cortando passagem aérea, vigilância, segurança, como
disse nas outras vezes. Dessa vez vai ter que acertar os grandes
grupos de despesas."
Esse controle, no
entanto, está atrelado a alterações no regime previdenciário, uma
das principais fontes de gastos.
"Como os valores de
aposentadoria têm evoluído ao longo dos anos, para que o teto
funcione e não leve ao corte de outras despesas em saúde, educação
e investimento, é preciso acontecer uma reforma da Previdência. Se
uma continuar a subir, vai ter que contrair a outra", afirma
Marconi.
Para Gil Castello Branco,
diante da importância de saúde e educação, que receberam um
tratamento diferente nas regras da PEC, os funcionários não devem
ser poupados. Ambas as áreas só entram no teto em 2018.
"A despesa com
pessoal não é prioritária. Estávamos discutindo se o orçamento
de 2016, corrigido pela inflação, seria suficiente para saúde e
educação, e vimos que não. Por isso, veio esse tratamento
especial. Se estamos aumentando os gastos ali, não vamos podemos
fazer isso com os servidores."
Missão do
funcionalismo
Para os entrevistados, a
proposta pode levantar uma discussão sobre privilégios e distorções
no funcionalismo.
Um levantamento realizado
pelo professor Nelson Marconi mostrou que empregado da área pública
ganham mais do que os da iniciativa privada em todos os níveis de
escolaridade. Entre os que têm ensino médio, por exemplo, essa
lacuna era em média 44% no ano passado.
Gil Castello Branco, da
Contas Abertas, cita os salários altíssimos de algumas carreiras e
o sonho dos jovens de entrar em órgãos públicos apenas pela
estabilidade como algumas distorções produzidas pelo atual sistema.
"Já houve matérias
mostrando garçom do Senado ganhando R$ 15 mil. Há margem, por esses
valores estratosféricos, para você rediscutir a estrutura de cargos
e salários", diz.
"Em Brasília, por
exemplo, há uma distorção grave a ser corrigida quando se observa
que o sonho de dez em dez jovens é fazer um concurso público. O
jovem quer ingressar numa carreira do Executivo, Judiciário ou
Legislativo, independentemente da vocação."
Branco acrescenta que,
por já entrarem ganhando muito e não terem progressão de salário,
nem avaliação de desempenho, muitos profissionais se sentem
desmotivados. E acabam se acomodando.
A estabilidade no cargo,
diz a economista-chefe da XP Investimentos Zeina Latif, também seria
um ponto a ser discutido. Ela argumenta que, ao ter essa garantia, o
funcionário deveria começar com um salário mais baixo, para
estimulá-lo a se desenvolver.
Segundo Latif, uma saída
seria adotar valores do setor privado como a "meritocracia e a
concorrência". Essas práticas, ela diz, já estão presentes
em países como Dinamarca, Reino Unido, Suíça e México.
"Com o teto, a gente
vai precisar discutir prioridades e o incômodo em relação a quão
caro é o nosso funcionalismo vai ficar mais explícito. Se a
sociedade começa a se incomodar com a estabilidade no setor público
quando há tanta gente desempregada, a discussão pode se tornar uma
pauta política."
Mas os entrevistados se
mostram céticos quanto à capacidade do governo Temer de implementar
mudanças tendo em vista a pressão dos grupos interessados e da
instabilidade política do país.
"Não vão conseguir
comprar tanta briga ao mesmo tempo. Não vão mexer em tantas
reformas. Não tem estabilidade e não dá tempo", diz Nelson
Marconi.
Membros do Legislativo e
do Judiciário têm força para inviabilizar esse debate e ainda
garantir reajustes durante uma crise fiscal, argumenta a coordenadora
de Pesquisas do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e
Estudos Socioeconômicos), Patrícia Pelatieri.
Isso porque têm mais
autonomia e questões relacionadas a aumentos, por exemplo, são
legisladas ou julgadas por eles mesmos.
'Nem todos são
marajás'
Ao mesmo tempo, Pelatieri
pondera que o funcionalismo público federal não é homogêneo e
acha que é injusto dizer que toda a máquina é inchada.
"Nem
todos os funcionários têm tratamento isonômico, alguns podem ter
reajuste mais forte em detrimento de outras categorias. Quem trabalha
nos ministérios, na saúde, na educação, não tem o mesmo poder de
quem trabalha
no Legislativo, no Banco Central, na Receita."
Segundo a pesquisadora,
sem espaço para o crescimento da folha de pagamento e com as sanções
previstas na PEC, o teto deve levar à redução do número de
funcionários públicos, o que poderia poderia afetar ainda mais os
hospitais e escolas do país.”
"É uma parte do
funcionalismo federal a que tem salários muito mais elevados do que
nós, reles mortais. Não dá para colocar tudo num saco de marajás."
Fonte:
BBC - Brasil