Inabilidade em compreender textos básicos afeta a obtenção de outras capacidades básicas |
Por Ángel Bermúdez
“A conclusão do ensino fundamental é uma etapa essencial da vida estudantil, mas para grande parte dos alunos latinos-americanos ela é concluída sem que sejam aprendidas habilidades mínimas.
Segundo
um informe recente do Instituto de Estatísticas da Unesco, braço da
ONU para a educação, grande parte dos jovens da América Latina e
do Caribe não alcançam os níveis exigidos de proficiência em
capacidade leitora ao concluírem o que no Brasil equivale à segunda
etapa do ensino fundamental, em geral, aos 14 anos.
O
estudo diz que, em média, 36% das crianças latino-americanas no
ensino fundamental não estão atingindo as habilidades mínimas de
leitura. Em matemática, esse índice sobe para 52%.
Em
números absolutos, 19 milhões de adolescentes do continente
concluem o fundamental "sem conseguir níveis mínimos" de
compreensão nessas áreas.
Especificamente
no Brasil, dados compilados pela plataforma QEdu com base no Prova
Brasil 2015 dão a dimensão do problema nessa etapa do ensino:
apenas 30% dos alunos da rede pública saem do 9º ano com
aprendizado adequado em leitura e interpretação.
Em
matemática, apenas 14% dos alunos do 9º ano aprenderam o adequado
em resolução de problemas.
'Novo
analfabetismo'
Silvia
Montoya, diretora do Instituto de Estatísticas da Unesco, considera
"dramática" a ausência de compreensão de leitura em
tantos estudantes do continente.
"O
fato de haver crianças sem competências básicas, no que se refere
a ler parágrafos simples e extrair informações deles, é o que eu
consideraria uma nova definição de analfabetismo", diz ela à
BBC Mundo, serviço em espanhol da BBC.
"No
mundo de hoje, ter um nível mínimo de alfabetização já não é
(apenas) saber ler o próprio nome e escrever algum fato da vida
cotidiana. Carecer de compreensão leitora é uma espécie de
incapacidade de se inserir na sociedade, poder votar e entender as
propostas dos candidatos, entender seus próprios direitos e deveres
como cidadão. Afeta todas as dimensões."
Por que os alunos latino-americanos tem tanta dificuldades |
Ausência
de infraestrutura adequada é um dos problemas observados pela
especialista da Unesco
E,
prossegue Montoya, a leitura é uma habilidade básica, sobre a qual
se constroem as demais capacidades estudantis.
"Sem
essa competência, estamos gerando crianças e adolescentes que vão
(vivenciar) diretamente muitas frustrações pessoais e de integração
social e profissional. Sem entender textos, é muito difícil avançar
em qualquer área."
A
situação se agrava quando se leva em consideração o grau de
exigências do mundo atual, em que a informação disponível é
complexa e tem diferentes graus de qualidade e confiabilidade - o que
exige leitores com senso crítico e habilidade de interpretação.
Uma escola que não funciona
E
se antes o desafio da América Latina era o da inclusão dos alunos
ao sistema de ensino, hoje a questão é mais qualitativa do que
quantitativa.
O desperdício de potencial humano evidenciado pelos dados confirma que levar as crianças à sala de aula é apenas metade da batalharelatório da Unesco
O
relatório da Unesco afirma que "o desperdício de potencial
humano evidenciado pelos dados confirma que levar as crianças à
sala de aula é apenas metade da batalha. Agora, temos de garantir
que todas as crianças naquela sala de aula estejam aprendendo as
habilidades básicas de que precisam em leitura e matemática, no
mínimo".
"Agora,
a realidade é que as crianças estão dentro do sistema educativo,
mas há uma inabilidade da escola em dotá-los do nível de
aprendizado razoável e mínimo para as circunstâncias que demanda o
mundo hoje e no futuro", afirma Montoya.
E
isso é resultado de uma série de problemas, como formação
deficiente que não prepara os docentes para lidar com os desafios de
sala de aula, problemas de infraestrutura, numerosas perdas de dias
letivos por conta de greves e outras questões - além, também, da
própria situação socioeconômica dos estudantes, que "podem
vir de lares de baixa renda e contar com menor apoio familiar".
"Há
uma combinação de fatores que podem variar em cada lugar, mas
evidentemente há uma ausência de políticas específicas para
enfrentar o problema", afirma Montoya.
Ela
agrega que é preciso analisar os currículos, a formação de
docentes - para garantir que sejam capazes de ensinar crianças
vindas de contextos sociais difíceis -, contar com um ambiente e uma
infraestrutura adequados e ter uma rede de políticas sociais de
apoio.
No
Brasil, uma nova base nacional curricular, documento do Ministério
da Educação que vai definir diretrizes de ensino, está atualmente
em fase de consulta pública.
América Latina avançou na inclusão de alunos, mas agora precisa de avanços qualitativos no ensino
"Não
há como resolver (o problema da educação) sem uma visão integral
do sistema educacional", opina Montoya.
O
problema não se restringe à América Latina - é um drama global.
O
relatório da Unesco calcula que, no mundo, haja 617 milhões de
crianças e adolescentes - o equivalente a três vezes a população
total do Brasil - incapazes de entender minimamente um texto ou
resolver problemas matemáticos básicos, o que seria esperado em sua
idade escolar.
Na
África Subsaariana, 88% dos alunos concluem os estudos equivalentes
ao fundamental com problemas de compreensão em leitura. Para efeitos
comparativos, esse índice cai para 14% na América do Norte e na
Europa."
Fonte:
BBC
Mundo
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