Infectologista, Dr. Marcos Boulos
por Cezar
Xavier
“O Brasil superou
nesta sexta-feira (19), a marca oficial de um milhão de pessoas que
já se infectaram com o novo coronavírus. Desde 26 de
fevereiro, o País já somou 1.038.568 contaminações e 49.090
mortes, conforme o levantamento do consórcio de veículos de
imprensa junto às secretarias estaduais de Saúde. O levantamento
feito pelo Ministério da Saúde também confirma a marca de
1.032.913 de confirmações, com 54.771 novos casos em 24 horas.
"O
Dr. Marcos Boulos atendeu o portal
Vermelho para
uma avaliação deste momento simbólico e surpreendeu ao dizer que
não estranha o número de doentes, porque todos os agentes de saúde
já esperavam esse volume e esperam que continue aumentando. “Chegar
a um milhão não é o problema, o problema é a sequência, o que
vem por aí”, alerta o infectologista."
“Provavelmente,
tenhamos chegado ao pico, mas isso ainda vai dobrar”. Ou seja, ele
acredita que vamos repetir a experiência dos EUA na pandemia, com
seus atuais 2 milhões de infectados e mais de 100 mil mortos. “Como
o Brasil, eles tiveram o problema de falta de liderança única na
área de saúde. Todos os países que deram certo, é porque você
teve uma política sanitária seguida pelo país todo. Mesmo aqueles
que seguiam pro lado errado, voltaram para o caminho certo”,
ponderou.
Trabalho
federal lastimável
Boulos
avaliou que, em termos nacionais, o trabalho brasileiro não foi bem
feito no controle da pandemia. “Somos o país, em termos
comparativos internacionais, mais prejudicado por essa doença”,
disse. Mas ele ressaltou que o Brasil é um país muito diferente dos
europeus e do sudeste asiático, que não têm os bolsões de
pobreza, com pessoas que não têm nem onde morar. “Isso agrava
muito a situação”.
“Mas
nós tivemos essa mistura de política com saúde pública e nosso
governo federal é uma lástima em termos de controle sanitário.
Simplesmente se afastou do problema, inclusive jogando contra, com as
pessoas saindo de casa apesar das restrições. Isso dificulta muito
qualquer tipo de conjuntura”, acusou.
Boulos
revela que havia a intenção de fazer um lockdown rigoroso em São
Paulo, prejudicado pelo desencontro federal. “Se tivéssemos feito
o lockdown aqui em São Paulo, como desejávamos, já teríamos saído
da epidemia. Mas, porque não poderíamos recorrer ao lockdown?
Porque precisaríamos do Exército, e dentro dessa conjuntura que
estamos passando, o presidente não mandaria o Exército para São
Paulo. Isso foi um impeditivo para pensarmos em lockdown. A política
interferindo na questão sanitária”, completou.
Ministro
não segura a curva
Embora
muitos acreditem que a dança das cadeiras entre ministros da Saúde
tenha sido determinante, Boulos não concorda. Até o fim de abril,
quando Luiz Henrique Mandetta saiu, os números eram de 30 mil
infectados. Menos de um mês depois, quando Nelson Teich saiu, já
eram 220 mil. Agora, que o Ministério mantem um militar como
interino, sem qualquer expressão administrativa, chegamos ao milhão
de infectados.
“Naquele
momento, o isolamento social era mais restrito do que hoje. Mas não
acho que esteja relacionado ao ministro, mesmo com Mandetta
conduzindo a questão de forma mais lógica, mais adequada, seguindo
parâmetros internacionais”, ponderou. Para ele, os números estão
relacionados ao tempo em que ele saiu, com a epidemia em franco
crescimento. O infectologista lembrou que o próprio Mandetta falou
que íamos alcançar o pico em julho. “Seja o ministro que
entrasse, nós estaríamos com o crescimento epidêmico que estamos
até agora”, acredita.
Ministro
não é para segurar a curva, afirma ele, pois epidemia é assim,
independente de quem esteja lá. O problema, na opinião dele, é não
ter uma diretriz que seja seguida por todos, não ter os insumos para
todos, que normalmente vêm do governo federal. Acima de tudo isso
estava o discurso negacionista que o governo federal fez, o que
dificultou muito.
“Eu
vi muitos seguidores desse governo morrerem, porque seguiram suas
orientações e não se protegeram, indo se expor na rua. Se eu fosse
da família deles processaria esse presidente por isso”, sugeriu.
O
mau exemplo
Ainda
dá tempo do Brasil dar uma lição ao mundo de como se comportar
numa pandemia, a partir das potencialidades do SUS? Boulos foi
enfático ao dizer que não vamos dar lição nenhuma ao mundo. “O
mundo já nos considera como chacota, pela postura do presidente da
República, que todos os jornais do mundo falam que está nos levando
para o buraco”, enfatizou.
Isso
passa por cima do Sistema Único de Saúde e suas qualidades e
potencialidades, lamenta ele. “A nossa competência de trabalho
fica prejudicada pela parte política e pela falta de investimento.
Não tivemos a quantidade de testes necessária, na hora certa, para
a maior parte da população. O SUS estava preparado para fazer
isso”.
Conforme
avalia ele, o mundo não vai perceber o trabalho que fomos capazes de
fazer para conter um cenário pior. “Quem mora aqui, da imprensa
estrangeira, fala, sim, destacava a importância do SUS e o trabalho
que tem sido feito. Mas o desencontro político é tão grande que
até isso fica prejudicado”, afirma.
Jogando
lenha na fogueira do interior
Hoje,
praticamente toda a população brasileira está exposta ao vírus.
A covid-19 já chegou a 85% dos municípios do País (4.742), que
respondem por 98% de toda a população, de acordo com levantamento
do projeto de transparência de dados Brasil.io.
Epidemia
é isso, resume o médico. “Espalha por via respiratória e as
pessoas vão passando uma para outra, sem fronteira entre munícipios.
Só não pega quem está isolado num lugar remoto ou quem está
confinado”, reafirmou.
A
epidemia vem há algumas semanas se interiorizando e já se
propaga mais rápido nessas regiões que nas capitais. O interior já
registra mais novos casos por dia que as cidades de São Paulo,
Recife e Manaus, capitais que explodiram de casos logo no começo da
pandemia.
Boulos
explicou que, mesmo com a epidemia madura, as cidades do interior
estão atrasadas três semanas em relação às capitais, e ainda não
chegaram no pico. “No meu entender, a liberação foi muito
prematura com a pandemia em franco crescimento. Mesmo com liberação
parcial, estimula as pessoas a irem para a rua e incendeia os
hospitais”, criticou. “Campinas e Ribeirão Preto estão
fechando, outra vez, voltando atrás, porque o bicho está pegando”.
Para
ele, que monitorou cuidadosamente os dados para subsidiar decisões
do governo do estado de São Paulo, isto era esperado. “Eu até
entendo as pessoas desesperadas por estar falindo, passando
necessidade econômica, mas no âmbito sanitário, esta reabertura é
muito ruim, porque, quanto mais rápido sair da epidemia, mais rápido
se recupera a economia”, defende ele.
Para
o infectologista, neste meio termo de flexibilizar com epidemia em
expansão, não se recupera completamente nem a economia, nem a
saúde. “Então, vamos manter esse chove não molha por um tempo a
mais, porque quem não pegou a doença, vai ter condições de
pegar”, lamentou. Assim, diz ele, vamos ter a doença, mesmo que
não de forma epidêmica, até o ano que vem, com as pessoas tendo
que se habituar a andar com máscara, entre outros cuidados
protetivos individuais. “Agora, estamos no olho do furacão e não
tem mais o que fazer”, declarou.
Boulos
não acredita que, sequer, vamos perceber uma segunda onda, como
efeito da interiorização da doença, voltando depois para a
capital. “A segunda onda ocorre quando se diminui de maneira
importante a epidemia. Aqui, não veremos uma segunda onda, porque
não vamos conseguir identificar essa variação. Vamos continuar em
situação muito difícil e prolongada”, observa.
Devido
à dimensão demográfica brasileira, compara ele, a maior parte da
população não vai ter se contaminado ainda, diferente do que
aconteceu com países europeus. “Óbvio que, com o vírus
circulando, sempre vai ter a possibilidade da doença continuar
infectando”.
Alguns
acusam o Brasil de ter recursos que não utilizou para testar
suspeitos, rastrear seus contatos e colocá-los em quarentena. Boulos
discorda abertamente deste senso comum. Segundo ele, todos os
recursos foram aproveitados, mesmo com todos os problemas que o
Sistema Único de Saúde sofre.’
“Se
não fosse o SUS, estaríamos muito piores”. Mesmo ele estando
“depauperado”, “arrebentado”, com sucessivas políticas de
desprestígio, cortes de recursos, e agora com congelamento de
recursos por vinte anos, acrescenta o médico, mantendo o sistema
absolutamente desatualizado, mesmo assim, a situação seria muito
pior. “Foi isso que fez com que a atenção básica funcionasse.
Veja que não faltou leito nos hospitais de São Paulo, ao contrário
da Itália, que tiveram que escolher quem vai morrer quem vai viver,
aquele terror. Não chegamos a ter isso”, observou.
Isso,
de acordo com ele, porque o SUS tem uma qualificação maior, um
preparo mais adequado do pessoal e as pessoas dedicadas a área da
saúde. “O SUS foi o nosso baluarte. Espera-se que, agora, como
houve um esforço até maior para atualizar o SUS, sabendo o que é o
sistema, que ele continue sendo este exemplo para o mundo todo”,
aposta.
Sobre
as acusações, Boulos conta que foram feitos os rastreamentos das
possíveis contaminações pela vigilância epidemiológica. Ele
relata que, nos primeiros casos que apareceram, não só foram
rastreados os parentes, como nos primeiros voos, todas as cidades por
onde passaram foram rastreados e contatados, e ficaram em isolamento.
Quando
começa a haver muitos casos, não é mais possível rastrear.
“Trata-se tudo como doença e não consegue-se mais rastrear pela
progressão geométrica. Torna-se impossível. Nossa vigilância é
muito boa, porque ela fez o trabalho muito bem”, elogiou.
“Eu
critiquei o fechamento muito cedo das cidades, porque a vigilância
sanitária estava dando conta”, admite. Segundo ele, houve um
desespero de setores privados, escolas com casos da doença, que
começaram a fechar e levaram o poder público a fazer o mesmo. “Mas
o fechamento foi prematuro, num momento em que o contágio ainda era
passível de controle pela vigilância epidemiológica, e, agora, que
está no pico, reabre tudo, confundindo as pessoas.”
Fonte: Vermelho – a esquerda bem
informada
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