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quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Imprensa acuada: "casos de censura à imprensa no Brasil expõem clima de “degradação da liberdade”

O senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), responsável por ação na Justiça que censurou a TV Globo.JOÉDSON ALVES / EFE

 

Por Gil  Alessi 


Decisões costumam ser revistas pelo STF, mas são indicativo de “judicialização da política”, dizem especialistas. Globo, Portal GGN, revista ‘Crusoé’ e TV RBS foram alvo de censura este ano.”

Nas últimas semanas, uma série de decisões judiciais amordaçou veículos de imprensa após ações movidas por integrantes da classe política ou do mercado financeiro. O caso mais recente envolveu o parecer da juíza Cristina Serra Feijó, do Tribunal de Justiça do Rio. Na sexta-feira ela proibiu a TV Globo de exibir documentos  ou trechos de peças relativas à investigação do caso das rachadinhas no gabinete do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), que à época era deputado estadual. Trata-se de um caso de censura prévia, vedada pela Constituição Federal. Alguns dias antes, o Judiciário fluminense também determinou que o portal GGN retirasse do ar uma série de reportagens sobre o banco BTG Pactual. Em um contexto no qual o próprio presidente Jair Bolsonaro ataca veículos de imprensa e ameaça jornalistas que criticam sua gestão ou que abordam assuntos incômodos, especialistas alertam para um clima de “degradação” do ambiente de liberdade de expressão e de imprensa no país.  

Quando uma reportagem é barrada pela Justiça antes mesmo de ter sido publicada, “quem perde é a sociedade. A censura prévia é sempre uma violação da liberdade de expressão e imprensa”, afirma Marcelo Träsel, presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Ele destaca que, nos casos mencionados, ocorre ainda um “prejuízo de informações de interesse público, que ao serem ocultadas deixam a sociedade sem acesso a fatos fundamentais para monitorar atividades de um governante, empresa ou representante público”. No caso da investigação envolvendo Flávio, por exemplo, se a imprensa tivesse sido proibida de divulgar documentos do caso desde o início não se saberia que a primeira-dama Michelle Bolsonaro recebeu 89.000 reais em depósitos feitos pelo ex-assessor Fabrício Queiroz, ligado a milicianos. Os Bolsonaro negam ter cometido qualquer crime, mas o Planalto ainda não explicou porque Michelle recebeu mais valores do que a devolução de um empréstimo, sem comprovante ou declaração no imposto, que o presidente diz ter feito ao ex-assessor.

Se no curto prazo a população fica sem informações relevantes, Träsel destaca também prejuízos no horizonte distante. “Esse tipo de decisão degrada o ambiente público e a liberdade de expressão de uma maneira geral. Se não é revertida em instâncias superiores, mesmo a longo a prazo, isso tem um efeito ruim”, afirma. Ele diz que geralmente nestes casos o Supremo Tribunal Federal tende a derrubar as decisões de primeira instância de censura prévia.

Estes movimentos do Judiciário contra a imprensa precisam ser entendidos em um contexto maior, de “judicialização da política no Brasil”, afirma André Augusto Salvador Bezerra, juiz e pesquisador da Universidade de São Paulo. “É um fenômeno mundial, e tem atingido temas sensíveis para os valores democráticos”, diz. Para o magistrado, “a judicialização da política nunca deve ser comemorada, pois ela é sintoma de anomalia no sistema político: ou ele não está funcionando direito ou está com problemas de legitimidade”. Ele cita como um dos primeiros casos deste movimento as decisões jurídicas que obrigavam o poder público a fornecer medicamentos para tratamento do HIV. “Começou como garantia de direitos —o que já aponta anomalia do sistema, uma vez que os Governos deveriam garantir estes remédios para a população fora dos tribunais—, e se espalhou para praticamente todas as esferas”, diz. “Por isso nosso sistema democrático tem um tribunal constitucional: para que ele dê um basta quando entender que a Constituição foi desrespeitada”, conclui.

Mas nem sempre o STF age com a velocidade esperada. Um caso emblemático de censura e morosidade do Judiciário envolveu o clã Sarney e o jornal O Estado de São Paulo, que teve uma reportagem censurada a pedido de Fernando Sarney, filho do ex-presidente, por 3.327 dias. O ministro Ricardo Lewandowski derrubou em 2018, após nove anos de silêncio, a decisão de primeira instância da Justiça do Distrito Federal e Territórios. O caso em questão dizia respeito à publicação de gravações obtidas no âmbito da Operação Boi Barrica que apontavam para ligações entre Sarney e a contratação de parentes e afilhados políticos por meio de atos secretos.

Nem Bezerra nem Träsel, da Abraji, acreditam que a censura a veículos de imprensa piorou sob o Governo Bolsonaro. Ambos apontam para a existência de uma “pluralidade do Judiciário”, o que ajudaria a deixar os casos de censura prévia restritos a uma parcela menor de juízes.

Censura à Globo, GGN, RBS e Crusoé

A ação que censurou a Globo na semana passada foi movida pela defesa de Flávio Bolsonaro. No entendimento da magistrada que deferiu o pedido, como o processo corre em segredo de Justiça a divulgação dos dados comprometeria “sua imagem [de Flávio] no cenário político” e seria “potencialmente lesiva à sua honra”. O senador comemorou a censura nas redes sociais: “Não tenho nada a esconder e expliquei tudo nos autos, mas as narrativas que parte da imprensa inventa para desgastar minha imagem e a do presidente Jair Messias Bolsonaro são criminosas”.

Já no caso do GGN, a Justiça afirmou que as matérias publicadas não poderiam “causar danos à imagem de quem quer que seja”. O juiz Leonardo Grandmasson Ferreira Chavez afirma que “pelo conjunto da obra [do GGN]” parece haver uma “campanha orquestrada para difamar o banco, cuja imagem é “patrimônio sensível para seus acionistas”. Contrariando a jurisprudência da Corte, o ministro do STF Marco Aurélio Mello manteve a decisão do juiz do Rio que censurou o GGN. Os advogados do portal informaram que vão recorrer, mas ainda não existe data para que o plenário do Tribunal discuta a questão.

O próprio STF, no entanto, também pode agir de forma corporativa. No ano passado houve um caso de censura que partiu da própria Corte: o ministro Alexandre de Moraes ordenou que se retirasse do ar uma reportagem da revista Crusoé que envolvia o presidente do Tribunal, Antonio Dias Toffoli, e o delator Marcelo Odebrecht. Em seu despacho, Moraes ainda chamou a matéria de “fake news”, acusação refutada pela publicação.

Em junho deste ano, outro caso de censura prévia, desta vez envolvendo a TV RBS. O juiz Daniel da Silva Luz, do Rio Grande do Sul, concedeu decisão liminar proibindo a veiculação de uma reportagem sobre concessão irregular do abono emergencial.

A Associação Nacional de Jornais (ANJ) se manifestou por nota sobre o caso da Globo, e afirmou que a decisão é inconstitucional: “A ANJ espera que a decisão inconstitucional da juíza seja logo revogada pelo próprio Poder Judiciário”. A reportagem tentou sem sucesso entrar em contato com os juízes mencionados.”

Fonte: El País – Brasil   

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