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quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

Educação: "Protocolo seguro de retorno às aulas"

 

Por Tiago Mafra

"Nas últimas semanas ganhou destaque o debate sobre o retorno das aulas presenciais. Para aqueles que defendem a retomada, é uma questão de liberdade de escolha. A essa defesa, é preciso responder, primeiro, que liberdade é um atributo político coletivo, não individual. Rogar pela liberdade de mandar os filhos para escola num cenário de pandemia sem observar as condições regionais, as taxas de contágio e a ocupação de leitos de UTI da cidade, é adotar uma postura focada nas demandas legítimas das famílias, mas desconsiderando todo o restante da sociedade e os impactos que a circulação diária de milhares de alunos pode acarretar para a disseminação do vírus em poucas semanas.


Muitos dizem que os professores da rede pública “não querem trabalhar”, que “preferem ficar em casa sem nada fazer enquanto recebem”. A essas pessoas, só cabe responder que os professores não paralisaram suas atividades em nenhum momento, mas tiveram que adaptar sua rotina e espaços de moradia para que pudessem atender e orientar remotamente os estudantes. Nas redes públicas, a situação se tornou angustiante, uma vez que muitos alunos sequer tem acesso às redes sociais, reduzindo a interação da comunidade-escola ao envio de apostilas, áudios entre docentes e alunos e poucos momentos de aulas simultâneas, devido às dificuldades de acesso de muitos estudantes.

Mesmo assim, todos se desdobraram para fazer o melhor com as ferramentas e condições disponíveis, permanecendo mobilizados e trabalhando desde o início da pandemia, na maioria dos casos, em carga horária superior ao que cumpria em tempos pré-pandemia.

Mas se bares, igrejas e uma série de estabelecimentos abrem, por que não escolas? Esses locais também são focos de aglomeração e não deveriam estar aptos a funcionar de forma indiscriminada e com parca fiscalização. Nesse aspecto, não são as escolas as que estão erradas, mas os setores da economia que negam ou negligenciam a pandemia, e com essa postura, atrapalham o controle sanitário para garantir o bom funcionamento do SUS e sua capacidade de absorção de casos graves, bem como atrapalham a retomada econômica, que fica cada vez mais distantes quanto mais as condições de segurança demoram a se instalar e permitir uma retomada segura.

É sabido que a pandemia deixará uma série de “heranças” a serem recebidas e divididas por toda a sociedade, das escolas aos serviços de proteção à criança e adolescente. A ansiedade, o excesso de uso de equipamentos eletrônicos, as dificuldades do isolamento e distanciamento social, tudo isso juntamente com a defasagem de conteúdos e restrição de vivência em conjunto deverão ser observados quando o retorno se der, para que haja um acolhimento social capaz de contribuir para minimizar esses impactos. Ninguém nega que eles existam, mas são condição da atualidade enfrentada coletivamente pelo mundo todo, mas de forma mais cruel pela parte pobre da população, onde está a maioria dos estudantes.

A manutenção das escolas fechadas agrava a desigualdade. Mas uma abertura pautada na “liberdade individual de escolha” sem que haja condições uma ponderação mais ampla da situação da pandemia atingirá em cheio quem menos tem, quem vive em condições menos seguras e com alto grau de contato com pessoas em casas com muitos moradores. Não serão os filhos da classe média os afetados quando os hospitais lotarem e não houver vaga nem estrutura para atender a todos. Serão as crianças pobres, em sua maioria, que assistirão com mais frequência a morte porque não pudemos esperar mais um pouco. Ansiedade, depressão e vulnerabilidade social precisam ser observadas. E precisa ser dito que esses elementos que afligem os alunos não surgiram com a pandemia, estavam presente no cotidiano da escola pública. Portanto, a retomada deve observar o cenário e servir de gatilho para maior eficiência dos serviços públicos de atenção às crianças e famílias.

A adequação das unidades escolares resolveria o caso? O atendimento aos protocolos sanitários poderia dar condições de retomada? O município de Poços de Caldas desenvolveu um protocolo sanitário entre setembro e dezembro de 2020, com vistas a orientar a retomada das aulas presenciais quando fosse julgado seguro. O Governo Federal liberou recursos do PDDE Emergencial para compra de insumos por parte das escolas e creches. São medidas necessárias, que mitigam, mas não resolvem problemas antigos de baixo financiamento e problemas estruturais das escolas públicas.
 
Até o momento, diversas tentativas mundo afora de retomar as atividades presenciais não obtiveram sucesso e forçaram novos recuos por parte dos gestores. No Brasil, é preciso aumentar o financiamento (impossível com a PEC do Congelamento de Investimentos por 20 anos), garantir retorno escalonado sem sobrecarga para as equipes, ampliando atendimento e numero de trabalhadores, com testagem permanente, treinamento e equipamentos. Isso, obviamente, atrelado a análise dos cenários locais e do sistema de saúde, para que a decisão seja em consonância com a realidade.

Em resumo, a responsabilidade nesse momento é individual e coletiva. É da sociedade e do poder público. Por mais que se busquem alternativas de minimização de riscos, o protocolo mais seguro é a imunização em massa. Devemos lutar para uma aceleração da cobertura vacinal e nos colocar em mobilização contra aqueles que negam a ciência e tornam o processo de vacinação lento e caro, social e economicamente."


Tiago Mafra


Tiago Mafra é professor de Geografia da rede pública municipal de ensino de Poços de Caldas desde 2009, coordenador do Pré-Vestibular Comunitário Educafro e Mestre em Educação pela UNESP.

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