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sábado, 17 de abril de 2021

Manisfesto contra o Rodoanel na região metropolitana de Belo Horizonte


"Nós, lideranças comunitárias, políticas, religiosas, sociais, ativistas militantes de associações, coletivos, movimentos sociais populares e organizações de destacada atuação em diversas frentes de lutas socioambientais, relacionadas ao final deste documento, como legítimos e legítimas representantes da sociedade civil organizada, vimos manifestar a contrariedade das abaixo-assinadas, ante o Projeto do Rodoanel de Belo Horizonte e Região Metropolitana (RMBH) apresentado pelo Estado de Minas Gerais, como decorrência do acordo da Vale S.A com o governo estadual, proposta construída de forma acelerada, sem a realização prévia de estudos de impactos ambientais e sociais e com total exclusão das comunidades duramente atingidas em caso de sua realização. Trata-se de obra faraônica que acarretará inúmeros e gravíssimos impactos socioambientais e hídricos irreversíveis, extremamente negativos a pelo menos 13 (treze) municípios da região metropolitana de Belo Horizonte, podendo acarretar até mesmo um colapso e exaustão no abastecimento público de água de Belo Horizonte e RMBH.

Nunca é demais lembrar que o Projeto do Rodoanel de Belo Horizonte e RMBH deriva de uma decisão ilegítima e imoral tomada pelo Estado de Minas Gerais, à revelia total dos interesses e direitos de milhares de atingidos e atingidas, de firmar acordo com a mineradora Vale S.A, criminosa reincidente em crimes e tragédias socioambientais de enormes proporções, sobre compensações para reparar os danos socioambientais oriundos de sua responsabilização em ecocídio e hidrocídio promovidos em 25 de janeiro de 2019, com o rompimento da barragem B1 da Mina do Córrego do Feijão, na cidade de Brumadinho, MG. Além do acordo ter sido celebrado sem qualquer atenção e escuta de milhares de pessoas atingidas, a proposta de destinação de R$ 4,5 bilhões de reais destas compensações, novamente sem qualquer consulta, a um projeto autoritário que produzirá gravíssimos danos socioambientais e prejuízos irreparáveis e em proporções gigantescas a milhões de pessoas, se concretizada, agravará o sofrimento dos atingidos e das atingidas, e será um ultraje  à memória das 273 vítimas do rompimento da barragem.

A eventual construção do Rodoanel, melhor dizendo, Rodominério, vai gerar enormes impactos, destruindo fauna e flora em centenas de unidades de conservação e outros espaços territoriais especialmente protegidos. Serão destruídos por esta grande faixa linear de devastação, importantes corredores ecológicos que interligam fragmentos florestais e habitats de várias espécies da flora e da fauna da RMBH, além do efeito barreira gerado ao longo de 100 km. É recorrente observar animais vítimas de atropelamentos em rodovias na RMBH, dentre eles, Mamíferos, Répteis e Anfíbios – silvestres ou domésticos -, causando a subdivisão de populações, mortes, mutilação de ecossistemas já vulneráveis,  violando assim os direitos animais. Também causará impactos culturais, incluindo sítios pré-coloniais, históricos e arqueológicos, patrimônios variados, manifestações, saberes e lugares, além de drásticas consequências sociais e econômicas, entre as quais milhares de desapropriações de imóveis, demolindo milhares de moradias, muitas escolas, UPAs, parte de cemitérios etc. Indiferente a esses impactos, o Estado de Minas Gerais, no momento em que o Brasil se torna o epicentro da Pandemia da COVID-19, contando mais de 4.000 mortes diárias, teve a desfaçatez e o cinismo de dar prosseguimento ao cumprimento do cronograma do projeto, realizando a fase da chamada consulta pública com a qual anuncia pretender “…capturar contribuições da sociedade…”, com a realização de apenas 4 (quatro) “audiências públicas” VIRTUAIS, com baixíssima participação, contemplando as chamadas Alça Norte, Alça Oeste, Alça Sudoeste e Alça Sul  e uma apresentação na bolsa de valores B3. Tais “audiências públicas” foram na prática meras apresentações rápidas, que, é importante destacar, ocorreram no momento em que o Brasil enfrenta o maior desafio na adoção de mecanismos de prevenção, controle e contenção da proliferação e contaminação das pessoas pelo coronavírus, desde o início da pandemia da COVID-19. Além da inaceitável e inexplicável precariedade técnica na transmissão, diante de curtíssimo prazo de apenas 15 (quinze) dias entre a disponibilização de documentos relacionados ao projeto e o início da realização das ditas “audiências públicas”, da restrita e limitada divulgação prévia da realização dos arremedos de “audiências públicas” e das dificuldades de acesso à internet por parte da população brasileira, não se demonstrou a fase de consulta capaz de garantir a participação popular de forma ampla e democrática.

É neste contexto dramático, no meio da mais letal pandemia dos últimos cem anos, que o (des)governador de Minas Gerais insiste em construir o 3º rodoanel em Belo Horizonte e Região Metropolitana (RMBH). Belo Horizonte (BH) já tem dois: a Av. do Contorno e o Anel Rodoviário. Com cerca de 6 milhões de pessoas, BH e as 34 cidades que conformam sua região metropolitana constituem a terceira maior aglomeração urbana do país, representando em torno de 40% da economia e 25% da população do estado de Minas Gerais. Se for construído, o rodoanel será na prática rodominério para a Vale S/A e outras mineradoras ampliarem mineração em BH e RMBH e poderá estrangular o abastecimento público de água em Belo Horizonte e RMBH, pois passaremos da crise hídrica ao colapso e exaustão hídrica para 6 milhões de pessoas. A previsão é que o rodoanel tenha 100,6 quilômetros, pista dupla (autoestrada ‘da morte’, de “1º mundo”), com quatro alças: Norte, Sul, Oeste e Sudoeste. O governo de MG investirá 4,5 bilhões de reais, dinheiro oriundo da Vale S/A mediante o Acordão do Governo Zema com a mineradora, ignorando a dor e os direitos das comunidades atingidas na bacia do rio Paraopeba pelo crime/tragédia da Vale a partir de Brumadinho. Preveem-se cinco anos de obras para construí-lo mediante concessão para uma grande empresa, via Parceria Público-Privada (PPP) para construir, implantar, operar e manter durante décadas. Serão desapropriados terrenos e imóveis em uma faixa de 170 a 400 metros de largura, aproximadamente, em uma extensão de mais de 100 quilômetros. Serão milhares de desapropriações, que serão paulatinas, uma alça de cada vez. A 1ª desapropriação será em 2023, ou seja, após as eleições de 2022. Projeto eleitoreiro. Para tentar evitar adensamento populacional ao lado do rodoanel, o projeto prevê acessos reduzidos, só de oito em oito quilômetros. Ou seja, na prática, o rodoanel (rodominério) será uma ‘muralha’ com mais de 100 quilômetros de extensão que irá sitiar, confinar, ilhar ou separar centenas de bairros em 13 municípios da RMBH. Eis um “critério de seleção da empresa construtora: menor valor de contrapartida pelo poder concedente, o Estado”. Critério capitalista que privilegia as maiores empresas, inclusive multinacionais.

Desde 2007, já houve várias licitações para construir este rodoanel, alças Norte e Oeste, mas foram todas anuladas. Por que não esperar o fim da pandemia para discutir com o povo este megaprojeto? Dizem que “o traçado proposto é uma diretriz, podendo a concessionária modificá-lo, na hipótese da evolução dos projetos indicar soluções de melhor viabilidade.” Absurdo! A empresa construtora poderá definir o trajeto, onde passar, o que afetar ou não. Isso é liberdade total para os interesses do grande capital. Está previsto “preço quilométrico de pedágio por câmeras: R$ 0,35 por Km.” Ou seja, para percorrer os 100,6 quilômetros do rodoanel, um automóvel pagará R$35,21 de pedágio. Futuramente este valor aumentará, provavelmente. Dizem que terá “menos 10% de emissão de CO2”. Mentira. Se aumentará o trânsito, como diminuirá a emissão de CO2? E, pior, com o desmatamento na grande faixa do rodoanel, ao longo de mais de 100 quilômetros haverá uma redução significativa no número de árvores que são “usinas produtoras de oxigênio” também. O projeto do rodoanel ignora que todas as cidades da Região Metropolitana de BH já foram conectadas por ferrovias com linhas de trens de passageiros transportando o povo até a capital mineira. Para melhorar os problemas de mobilidade o justo e necessário é resgatar as linhas de trens entre as 34 cidades da RMBH e restabelecer o transporte de passageiros via trens entre todas as cidades da RMBH reconectando-as com BH, ampliar o metrô para a RMBH e superar as injustiças reinantes no transporte público por meio de ônibus. Não é ético usar dinheiro da reparação de um crime/tragédia que matou 273 pessoas, o rio Paraopeba e violentou brutalmente milhares de pessoas e comunidades, para construir infraestrutura que vai beneficiar o grande capital. E, acima de tudo, a reparação do crime da Vale S/A precisa ser para fortalecer as condições de vida: fazer saneamento, produção de alimentos saudáveis de forma agroecológica e indenizar os/as atingidos/as de forma integral. Descentralizar a megalópole é o caminho, o que exige preservar o meio ambiente.

O projeto do Rodoanel ignora o caráter imprescindível para o estado, para os municípios e para a biodiversidade, de centenas de unidades de conservação e outros espaços territoriais especialmente protegidos, como  a Área de Proteção Ambiental Vargem das Flores, o Parque Estadual Serra do Rola Moça, o Monumento Natural Serra da Calçada e o Cemitério dos Escravos, tombado, pertencente a reconhecido território cultural quilombola. Ignora e sacrifica mananciais que abastecem BH e RMBH. Sacrificará milhares de famílias que vivem da agricultura familiar. Violentará fauna, flora, nascentes, cachoeiras, Mata Atlântica, cerrado com campos rupestres, cavernas, áreas de proteção ambiental e agredirá patrimônio histórico, arqueológico e cultural, como sítios arqueológicos, cavernas com pinturas rupestres, cemitérios antigos, entre outros. Comunidades quilombolas também serão afetadas. Assim, o projeto do rodoanel (Rodominério) é obra faraônica, autoritária, eleitoreira, ecocida, hidrocida, cavalo de troia etc. Por isso, o projeto do rodominério exige rechaço implacável e não pode nem ser iniciado.

É urgente que o cronograma do projeto Rodoanel (Rodominério) seja interrompido e retomado do início, com a prévia elaboração de todos os estudos necessários, quando cessadas todas as limitações impostas à população e à Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais pela Pandemia da COVID-19. Não pode o Estado dar continuidade ao projeto sem a elaboração dos necessários estudos de impactos ambientais, sociais, históricos, arqueológicos e econômicos, sem as devidas considerações técnicas e periciais, tampouco sem uma consulta efetiva às milhares de pessoas das comunidades potencialmente atingidas, inclusive com CONSULTA LIVRE, PRÉVIA E INFORMADA às Comunidades Tradicionais que serão afetadas por este megaempreendimento (Quilombolas e outras), por meio de um plano de consulta acordado em protocolo, atestando de forma cabal que tal direito garantido em âmbito internacional está sendo severamente violado. Outra grave violação é a ausência de debate a respeito de alternativas como as da modalidade ferroviária, tão bem conhecidas não só pela Assembleia Legislativa de MG no âmbito da Comissão Extraordinária Pró-Ferrovias Mineiras, que se debruçou durante anos sobre o tema, e em seu relatório final concluiu pela viabilidade e prioridade absoluta do transporte de cargas e passageiros por ferrovias, mas também pelo próprio poder Executivo que vem trabalhando no desenvolvimento do Plano Estratégico Ferroviário de Minas Gerais. O Rodoanel não resolverá o problema da mobilidade em BH e RMBH, mas será na prática infraestrutura para a mineradora Vale S/A e outras mineradoras continuarem ampliando mineração na capital mineira e RMBH, o que não é mais suportável ambientalmente. A solução para a superação dos problemas de mobilidade em BH e RMBH, frisamos, passa pela melhoria e ampliação do transporte público, incluindo a ampliação do metrô para a RMBH e o resgate do transporte de passageiros via trens em todas as cidades da RMBH, conectando-as com BH, o que existia muitas décadas atrás.

Pelas razões expostas, as lideranças sociais, políticas e religiosas, Movimentos Sociais Populares e entidades atuantes em diversas frentes de lutas socioambientais, abaixo-assinadas, entendem que o Projeto do Rodoanel de Belo Horizonte e Região Metropolitana não pode ser mais uma materialização da esquálida formulação de aproveitar a pandemia da COVID-19 “para passar a boiada”.

 AUDIÊNCIA PÚBLICA VIRTUAL SOBRE ACORDO ENTRE VALE E MG

Exigimos respeito às vidas de pessoas, plantas e animais! Respeito ao povo, aos Territórios e aos Ecossistemas, exigimos! Exigimos a proteção das águas, bem precioso, fundamental para a reprodução da Vida em nosso planeta já tão sacrificado. Somos pela vida e defendemos as gerações atuais e futuras com unhas e dentes. Somos todos e todas responsáveis pela preservação das condições materiais de vida em todas as suas formas! Somos contra grandes projetos de interesse do grande capital que, como este do Rodoanel/RODOMINÉRIO, contribuem para a poluição das águas e o desrespeito à Vida e, por isso, assinamos este Manifesto."

  1. Movimento Serra Sempre Viva – Ibirité, MG
  2. Comissão Pastoral da Terra – CPT/MG
  3. Conselho de Pastoral dos/as Pescadores/as (CPP)
  4. SOS Vargem das Flores, de Contagem, MG
  5. Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva – CEDEFES
  6. Comissão Estadual de Meio Ambiente da OAB/MG
  7. Movimento de Defesa da Serra do Rola Moça Sempre Viva
  8. ECOAVIS (Ecologia e Observação das Aves)
  9. Centro  Ecumênico de Estudos Bíblicos – CEBI/MG
  10. Coletivo Terra Firme
  11. Associação dos Agricultores Agroecológicos e Biodinâmicos da Serra do Rola Moça – AABD-ROLA MOÇA
  12. Boi Rosado Ambiental
  13. Frente Brasil Popular de Contagem
  14. Coletivo ComElas
  15. Movimento Saúde e Solidariedade
  16. Associação de Proteção e Defesa das Águas de Vargem das Flores – APROVARGEM
  17. Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares – RENAP/MG
  18. Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas – MLB
  19. Unidade Popular pelo Socialismo – UP
  20. Brigadas Populares
  21.  Partido Socialismo e Liberdade – PSOL
  22. ASPRUS – Associação dos Produtores Rurais de Sarzedo
  23. Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB
  24. Mandato Deputada Federal Áurea Carolina
  25. Associação Comunitária do Bairro Londrina – ACBL
  26. Deputada Ana Paula Siqueira
  27. Mandato da Deputada Professora Beatriz Cerqueira
  28. Centro de Defesa dos Direitos Humanos – CDDH
  29. Instituto dos Arquitetos do Brasil, Departamento de Minas Gerais – IAB-MG
  30. Articulação dos Movimentos sociais de Betim
  31. Deputado Federal Rogério Correia
  32. Partido dos Trabalhadores de Brumadinho
  33. Frente Brasil Popular de Brumadinho
  34. Água de Tejuco
  35. SindUTE Subsede Betim
  36. Fórum de Atingidos e Atingidas pelo Crime da Vale em Brumadinho
  37. Comissão da Água dos Moradores do Tejuco (Brumadinho)
  38. Região Episcopal Nossa Senhora do Rosário – RENSER
  39. Centro de Estudos, Pesquisas e Intervenções Ribeirão das Neves – CEPI
  40. Diretório Municipal do Partido dos Trabalhadores de Ribeirão das Neves
  41. Projeto Pomar BH
  42. Obs.: Outros Movimentos Sociais e organizações de luta por justiça social que quiserem assinar este Manifesto, 
  43. favor enviar Nome completo da “Organização” para Frei Gilvander, via e-mail: gilvanderlm@gmail.com

Brasília, DF, Câmara dos Deputados, MG, 15 de abril de 2021.

Fonte: frei Gilvander Moreira

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