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segunda-feira, 18 de outubro de 2021

"Maquiagem de caipira e fantasia de bom gestor"

Papo na roça

 Por Ana Paula Ferreira e Tiago Mafra 

"Duas palavras vão estar presentes nesse texto: caipira e empreendedor. Aliás cabe reforçar que palavras não são apenas amontoadas de grafemas e fonemas. Possuem sentido que não se limita ao que é registrado pelo dicionário, mas compreendido de acordo com uma dada cultura, a qual imprimirá na linguagem suas marcas. Exemplo disso é com a palavra “mãe” que vai além da concepção de “mulher que gerou filhos ou que cria criança ou adolescente com quem estabelece laços maternais”. No imaginário de boa parte da população brasileira, quando se diz “mãe”, se vincula a ideia de “cuidado”, de “proteção”, “bondade”, “aconchego”, embora nem todas mães sejam assim.


Em se tratando da palavra “caipira” podemos ter duas visões distintas. Uma que foi trazida por Monteiro Lobato sob a sua lógica civilizatória e de preconceito cultural, como se fosse um ignorante, preso a crendices, avesso a ciência, sem perspectiva de vida, de linguagem satirizada. A outra concepção, muito comum no universo da música sertaneja raiz, “caipira” é associado a pessoa trabalhadora, que traz riqueza nacional com o ouro verde ou na pecuária. É o homem que é julgado por não ter instrução, mas que consegue dar respostas sábias perante os problemas morais, sociais ou ecológicos.


Independente de uma perspectiva mais negativa ou romantizada, o que fica em comum é caipira como um sujeito do bem, boa praça, honesto, aquele que você vai na casa e com certeza (no campo imaginário) irá te servir um cafezinho e um queijo. É acolhedor, tranquilo, preferindo o canto das aves do que o barulho dos automóveis. Está lá na rocinha com sua plantação generosa e seu sorriso amável de Chico Bento. Essa é a ilustração da palavra “caipira” que está na mente de boa parte dos brasileiros diante das impregnações culturais.


Chico Bento, personagem de Maurício de Souza


Qual o problema disso? Ao criarmos estereótipos, não refletimos sobre o que eles significam e como são capturados para se vender uma determinada imagem. É o caso do governador mineiro Romeu Zema (NOVO). Não se quer dizer com isso que foram inautênticos dizeres similares ao “fala que te ovo”. Para além do tom jocoso e brincalhão, contudo, em se tratando de outras características tão caras ao “caipira”, Zema não faz jus ao título. Pelo contrário, é o antônimo da preservação ambiental. Exemplo disso é sua despreocupação com a Serra do Curral (BH) que foi tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e o atual governador quer liberar para atividade mineradora.


Aliás, cabe salientar que na sua gestão multas ambientais foram reduzidas e em plena pandemia, trabalhadores sem terra foram expulsos de suas moradias e de terras que cultivavam, em Campo do Meio, sul do estado.


Junto a esse perfil “caipira” que não deixa de contribuir para um imaginário de dignidade, decência, probidade, sensatez, Zema alia-se a figura de empreendedor, aquele que acorda cedo, faz atividade física, otimiza o tempo, sabe exatamente o que priorizar e onde cortar gastos infrutíferos, que possui visão de futuro e, portanto, conseguiria trazer o desenvolvimento e resultados positivos, haja vista que bastam os esforços e um planejamento adequado.


Entretanto, também aqui essa figura não combina com o governador e exemplos não faltam. Recentemente o Governo de Minas submeteu à Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) a proposta orçamentária para 2022 que prevê um déficit de R$11,7 bilhões. Os defensores da política adotada pelo governador usam e abusam do discurso da pandemia e seus efeitos para justificar tais números e resultados. Mas Zema tem passado por um momento de queda de custos devido aos congelamentos de salários e investimentos e aumento de receitas provenientes de uma série de fatos que podem ser listados: 1) acordo bilionário com a Vale como compensação de seus crimes; 2) interrupção de contratação de professores em escolas fechadas; 3) ingresso de recursos do Governo Federal no enfrentamento à pandemia; 4) recebimento dos precatórios BEMGE após 20 anos; 5) aumento do ICMS vinculado ao preço dos combustíveis; 6) royalties dos minérios atrelados à alta do dólar; 7) usufruto da liminar do governo anterior para suspensão do pagamento da dívida com o governo federal.


À esquerda do garoto vestido como um soldado está o governador de Minas
Romeu Zema. Cena está que foi repreendida pela Unesco e ONU. 

Mesmo nesse cenário a situação do estado é preocupante. A dívida pública estadual passou, até o momento, de R$113 bilhões para R$143 bilhões, embora, em plena pandemia, Zema tenha aplicado valores menores que o determinado constitucionalmente em saúde (1,6 bilhão a menos) e educação (2,7 bilhões a menos), conforme Tribunal de Contas do Estado. Concomitante a isso, há uma forte defesa da privatização dos serviços públicos, desmonte do estado e transferência de responsabilidades para as prefeituras. Isso se expressa nos planos de municipalização do ensino fundamental; terceirização do Ensino Médio; proposta de privatização da Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemge) e da Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig), que detêm o controle da maior jazida de nióbio do mundo; enfraquecimento da defensoria pública que trabalha com metade do que deveria (Estado deveria ter 1.200 profissionais, mas conta com 533); tentativas de privatização da CEMIG; enfraquecimento das estruturas de regulamentação e fiscalização das atividades mineradoras (aproveitando a alta dos preços internacionais); desmonte das políticas da COHAB, através de leilão de imóveis do estado que poderiam ser utilizados na redução do déficit habitacional.


Impera a lógica de austeridade e de mercado, que até o momento não apresentou resultados efetivos além da propaganda. O desprezo pelos serviços públicos e de proteção social se expressa na subutilização do Fundo de Erradicação da Miséria (de R$ 743 milhões foram executados apenas R$ 128 milhões em 2020) e na fala de Romeu Zema o auxílio emergencial seria um “auxílio boteco”, numa perspectiva preconceituosa de que o dinheiro seria gasto pela população em bebidas.


Mas o ataque mais destruidor se materializa na proposta de adesão ao Regime de Recuperação Fiscal, proposta enviada em regime de urgência para a assembleia. Esse projeto de lei empurra dívida para governos futuros, inviabiliza o investimento social no estado, orienta privatizações das estruturas estatais, destrói as carreiras e salários do funcionalismo estadual através de congelamentos de salários e não resolve, apenas adia a questão da dívida estadual.


Em resumo, o “bom caipira" e “empreendedor responsável”, não passa de imagem publicitária e construção de sentidos falsos para enganar a população mineira. Retirar essa maquiagem e roupagem é um primeiro passo para se perceber as verdadeiras intenções. Afinal, a que grupos serve a eficiência propalada nas peças publicitárias do estado?"


Ana Paula Ferreira


Ana Paula Ferreira - Supervisora Pedagógica da rede pública estadual de ensino.











Tiago Mafra         



Tiago Mafra - Professor da rede pública de Poços de Caldas; voluntário do curso Educafro desde 2009.



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