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Por Gabriele Maciel, Colaboração para o VivaBem
"Imagine a cena a seguir: uma mulher estaciona seu carro e sai com a mochila do notebook e uma bolsa. Ao perceber que o automóvel não se encaixa à vaga, a mulher resolve manobrá-lo novamente. Quando se dá por satisfeita, ela sai do veículo e procura suas coisas. Depois de algum tempo atordoada, se agacha e experimenta uma sensação de terror: a mochila e a bolsa foram esmagadas!
O relato verídico é um dos tantos episódios que marcaram a vida desta repórter que, somente depois de muitas trapalhadas e com 36 anos, foi diagnosticada com TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade). Aí você pode pensar: "Foi só uma distração" ou "Todo mundo comete enganos". Bem, no caso do portador de TDAH, esses fatos são muito corriqueiros e envolvem sofrimento psíquico e social.
O transtorno, que tem causa neurobiológica, quase sempre é associado à agitação, impulsividade e agressividade, mas em meninas e mulheres esses fatores nem sempre ocorrem. "Nelas, o fator desatenção é mais predominante. São quietas, sonhadoras e que durante a aula na escola ficam com a cabeça no mundo da Lua", afirma a médica psiquiatra Katia Beatriz Correa e Silva, membro da diretoria da ABDA (Associação Brasileira de Déficit de Atenção).
Essas meninas passam despercebidas nas escolas, em suas casas e também nas pesquisas científicas, que embora tenham evoluído bastante ao longo do tempo, não abarcaram o gênero feminino, segundo artigo publicado em 2020 na revista científica BMC Public Health. O consenso, que é assinado por 21 especialistas, reconhece que atitudes estigmatizantes para o TDAH ainda desempenham um papel clínico de resultado importante, deixando anualmente milhões de meninas e mulheres sem o diagnóstico.
Na infância, é mais comum meninos terem TDAH, mas na fase adulta ocorre a paridade entre os gêneros. Imagem: iStockA questão do gênero no diagnósticoEstima-se que 5% das crianças e 3% dos adultos no mundo tenham TDAH. O transtorno, que tem início ainda na infância, pode persistir ou não na idade adulta, comprometendo o funcionamento do indivíduo em vários setores da vida. Enquanto na infância há prevalência de até quatro meninos para cada menina diagnosticada, na fase adulta ocorre a paridade entre os gêneros. Acontece alguma coisa no desenvolvimento, que ainda não está claro nas pesquisas, que a proporção vai se igualando. Uma das hipóteses é a de que ao não serem reconhecidas e tratadas de maneira precoce, os sintomas tendem a perdurar na vida adulta". Luís Augusto Rohde, professor da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e coordenador do Programa de TDAH do Hospital das Clínicas de Porto Alegre. O artigo-consenso dispõe ainda que meninas tendem a desenvolver estratégias compensatórias ao TDAH devido a normas sociais. "Elas se esforçam para inibir o comportamento hiperativo, impulsivo e desorganizado porque entendem que tais atitudes violam a feminilidade esperada", relata o doutor em neuropsiquiatria e ciências do comportamento pela UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), Amaury Cantilino da Silva Junior, que também é vice-coordenador da Comissão de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental da Mulher da Associação Brasileira de Psiquiatria. Quando as demandas sociais e de trabalho aumentam, essas mulheres não diagnosticadas acabam adoecendo e chegam aos consultórios psiquiátricos quase sempre por conta de uma comorbidade, como transtorno depressivo, ansioso, pelo uso de substâncias, entre outros. "Nosso público chega carregado de estigmas como lentos, muito agitados, desinteressados, que têm muita rotatividade nos seus empregos, esquecidos etc. E todas essas dificuldades oriundas do TDAH deixam algumas inscrições que dificultam a busca pelas causas", revela a psicóloga Ana Clara Leite, do ATAI (Ambulatório de Transtornos de Atenção e Impulsividade) do Hospital de Saúde Mental da Secretaria da Saúde do Estado do Ceará. Comprometimentos causados pelo TDAH, segundo a Associação Brasileira de Déficit de Atenção:
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