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segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

Como os vetos de Bolsonaro alteram o "Auxílio Brasil'

 Bolsonaro vetou pontos do programa

Por Leandro Prazeres, Da BBC News Brasil em Brasília

"O presidente Bolsonaro (PL) sancionou nesta quinta-feira (30/12) a lei que cria o Auxílio Brasil, programa social de transferência de renda que substitui o Bolsa Família após 18 anos. Um programa reconhecido em todo o mundo de combate à fome.

O programa foi proposto pelo governo por meio de uma Medida Provisória, em agosto deste ano, e aprovada no Congresso Nacional no início deste mês. A meta do governo é atender pelo menos 17 milhões de famílias. 

Bolsonaro, no entanto, vetou dois trechos da lei aprovada pelo Congresso Nacional. Em um deles, o presidente vetou o dispositivo que determinava que o governo deveria providenciar recursos suficientes para atender a todas as famílias elegíveis ao programa. 

Na prática, isso significa que o número de pessoas atendidas pelo programa vai depender da quantidade de recursos que o governo disponibilizar. 

O outro trecho vetado é o que determinava o cumprimento de metas para a redução da pobreza e da pobreza extrema nos três anos seguintes à entrada em vigor da lei. 

A BBC News Brasil ouviu especialistas em redução da pobreza para explicar os impactos dos vetos de Bolsonaro à lei do Auxílio Brasil. 

O que é o Auxílio Brasil

O Auxílio Brasil é um programa social desenhado pela equipe de Bolsonaro e apresentado como o substituto do Bolsa Família, criado há 18 anos durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e que vinha atendendo pouco mais de 14 milhões de famílias. 

O foco do Auxílio Brasil é reduzir as taxas de pobreza e pobreza extrema no país. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, em 2020, o Brasil tinha 24% da sua população vivendo na pobreza, com rendimentos abaixo de R$ 450 por mês per capita. O órgão aponta ainda que 5,7% da população vivia na pobreza extrema, com rendimentos próximos a R$ 155 por mês per capita. 

O Auxílio Brasil vai pagar R$ 130 por criança de até três anos a famílias que sejam consideradas pobres ou extremamente pobres. 

O programa também prevê o pagamento de R$ 65 por integrante entre três e 21 anos de idade em famílias nessas condições. 

Fila de pessoas aguardando atendimento em frente a unidade de cadastro no Recife

Além disso, há a previsão de pagamentos complementares vinculados a rendimento esportivo, entre outros. O governo estipulou uma metade atender até 17 milhões de famílias.

Além disso, o presidente assinou um decreto estabelecendo que ao longo de 2022, nenhuma família beneficiária do programa receberia menos que R$ 400. Assim, quem receberia valores inferiores a R$ 400 segundo o programa seria contemplado com uma complementação até este valor.

A criação do programa às vésperas de um ano eleitoral, no entanto, foi alvo de controvérsia.

Oposicionistas afirmam que o Auxílio Brasil seria um programa eleitoreiro com objetivo de viabilizar a reeleição de Bolsonaro no ano que vem.

O governo, em contrapartida, alega que o novo programa é mais robusto e teria o objetivo de oferecer maior segurança social aos seus beneficiários.

Presidente Jair Bolsonaro rodeado por parlamentares durante entrega da MP do Auxílio Brasil, em agosto  - Foto: CLEIA VIANA/CÂMARA DOS DEPUTADOS 

Continuação da Filas

Os vetos de Bolsonaro ao texto aprovado no Congresso Nacional, no entanto, são criticados por especialistas em renda básica e redução da pobreza ouvidos pela BBC News Brasil.

A ex-secretária nacional adjunta de Renda e Cidadania Letícia Bartholo afirma que o veto de Bolsonaro ao trecho que determinava que o governo deveria alocar verbas para o atendimento da todas as famílias elegíveis ao programa oficializa a manutenção da "fila" de pessoas que precisam do benefício, mas que por restrições orçamentárias, não poderão recebê-lo.

Inicialmente, a Câmara dos Deputados havia aprovado mecanismos que tinham o potencial de diminuir ou zerar a fila de pessoas elegíveis para o benefício. O mecanismo, no entanto, foi derrubado no Senado. O veto de Bolsonaro, portanto, oficializou a posição do governo contra o dispositivo.

Se o veto for mantido pelo Congresso Nacional, a quantidade de pessoas que poderão receber o benefício vai estar condicionada ao orçamento que o governo destinar ao programa, como acontecia com o Bolsa Família.

Na mensagem enviada ao Congresso para justificar a medida, o governo alega que a manutenção desse trecho da lei não atendia ao "interesse público" porque levaria ao aumento das despesas do programa e poderia fazer o governo violar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

"Em outras palavras, o veto diz que o governo não precisa disponibilizar verbas o suficiente para atender todo mundo que precisa do benefício. Esse já era um problema que havia no Bolsa Família, mas o atual governo teve a chance de resolvê-lo e não o fez", afirmou a ex-secretária.

"Vamos ver centenas de milhares de pessoas amargando por meses a espera para entrar no programa. A indisponibilidade de orçamento faz com que se formem filas ao longo do programa independente de haver pessoas classificadas para recebê-lo", afirmou.

Para o presidente da Rede Brasileira de Renda Básica, Leandro Ferreira, esse veto mostra que os problemas identificados no Bolsa Família não foram resolvidos pelo Auxílio Brasil.

"As carências que a gente via no Bolsa Família não foram sanadas. Foi uma oportunidade perdida", explicou.

Metas contra a pobreza vetadas

      A fome cresceu  durante o governo Bolsonaro - Foto Getty Imagens

O outro trecho vetado é o que estabelecia um conjunto de metas para a redução da pobreza e da pobreza extrema no país nos três anos seguintes ao início da vigência da lei.

Para a pobreza, a meta era manter as taxas de pobreza menores a 12% em 2022, 11% em 2023 e 10% em 2024. Para a pobreza extrema, a era meta era manter a taxa menor que 6% em 2022, 4% em 2023 e 3% em 2024.

O trecho também previa que se o governo não cumprisse as metas, ele deveria divulgar publicamente as razões que o teriam levado a isso.

Na mensagem sobre o veto, o governo disse que a proposta foi excluída do texto porque a tentativa de atingir as metas poderia levar a aumento de despesas e tiraria autonomia do governo para alocar verbas de forma discricionária e de acordo com o que o governo classificou como "gestão fiscal responsável".

Para Letícia Bartholo, o veto indicaria uma falta de compromisso do governo atual com a redução da pobreza.

"Minha avaliação é de que esse veto mostra que não há compromisso efetivo do Poder Executivo em atuar de forma firme no combate à redução da pobreza e da pobreza extrema no Brasil. Quando as metas são eliminadas, não há compromisso pelo qual o governo deveria ser cobrado", diz a especialista.

Leandro Ferreira, por sua vez, lamenta o fato de que o veto presidencial tenha afetado as metas porque elas faziam parte de um debate desenvolvido no Congresso Nacional havia algum tempo.

"Isso é ruim tanto porque o governo passa a não ter metas para alcançar quanto pelo fato de o governo ter rejeitado uma ideia boa que veio do Parlamento. Isso, do ponto de vista político, é muito ruim", afirmou.

Procurada, a Presidência da República não respondeu às questões enviadas pela reportagem.

O Ministério da Cidadania, por sua vez, enviou uma nota informando a pasta trabalha para "ampliar o alcance das políticas socioassistenciais e atingir, com maior eficácia, a missão de superar a pobreza e minimizar os efeitos da desigualdade socioeconômica".

Ainda de acordo com a nota, o ministério pretende alcançar 18 milhões de famílias com o Auxílio Brasil e que em dezembro, pelo menos 14,5 milhões de pessoas receberam repasses do programa."

Fonte: BBC News - Brasil  

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