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sábado, 7 de maio de 2022

"No meu tempo..."

 
“A Ciência avança de funeral em funeral.”.

Max Planck

Um dos maiores patrimônios que tenho são as amizades que construí ao longo dos anos. Tenho amigos e amigas de várias idades, crenças, profissões, que residem em diversas áreas do planeta. E como gosto de conversar e de interagir, isto me possibilita conhecer muitas questões de vários pontos de vista diferentes. Além, é claro, do mais importante: os inúmeros momentos inesquecíveis de convivência e compartilhamento que tenho a oportunidade de vivenciar.

Nem sempre estes momentos podem ser considerados agradáveis, mas seria totalmente imaturo achar que as rosas do conviver não trazem consigo alguns espinhos. E às vezes estes pontos que incomodam surgem em momentos totalmente inesperados, e que depois geram reflexões profundas.

Recordo-me de um destes momentos, quando conversava com um amigo sobre as mudanças que acontecem na sociedade, e esbarramos no assunto “preferências musicais”. 

Em algum momento da conversa, o tema abordou o funk. Meu amigo soltou o verbo contra o estilo, fazendo críticas que não reproduzirei aqui não por causa das palavras usadas – nenhuma de “baixo calão” – mas simplesmente para poupar tempo e energia, pois quem lê pode imaginar quais os tipos de argumentos e comentários que foram feitos contra o funk. Até por concordar com alguns dos argumentos colocados por meu amigo, eu ouvia calado, até que ele soltou a frase que furou a minha bolha: “no meu tempo a música era bem diferente, tinha qualidade.”.

A partir daquele momento não ouvi mais a falação de meu amigo. Minha memória, acionada pela frase dita de forma tão natural, lembrou-me imediatamente da capoeira. Mas por que a capoeira? Porque esta incrível mistura de dança e luta, tão característica e única, tornou-se Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade em novembro de 2014, após uma reunião da Unesco em Paris. A capoeira já foi considerada como “coisa de marginal” e proibida por lei – uma prática considerada um crime até 1937. De forma lenta, ganhou espaço nacional e internacionalmente, até ser tratada com o devido respeito e orgulho por aqueles que antes a perseguiam. 

Meu amigo continuava falando, e outra lembrança me veio – no caso, de previsões do futuro ou de julgamentos efetuados por pessoas famosas, algumas renomadas em suas especialidades. Lembrei-me de Thomas Watson, presidente da IBM, que disse em 1943 que, em sua opinião, “haveria um mercado mundial para, talvez, cinco computadores”. Se você acha que ele disse isto por causa do ano em que vivia, em 1977 Ken Olson, fundador e então presidente da Digital Equipment, afirmaria que “não há razão para alguém quisesse ter um computador em sua casa.”.

William Thomson fez importantíssimas contribuições à Física, recebendo por isto o título de Barão Kelvin. Um de seus feitos mais notáveis foi determinar matematicamente qual seria a temperatura mais baixa a ser alcançada no universo, o chamado “zero absoluto”. A escala de temperatura Kelvin assim é denominada em sua homenagem. Pois em 1895, já presidente da Royal Society, Lord Kelvin afirmaria que “máquinas voadoras mais pesadas que o ar são impossíveis”.

E que tal a frase de H.M.Warner, um dos fundadores dos estúdios Warner, que perguntou em 1927 “Quem quer ouvir atores falando”, a respeito do cinema falado, a grande inovação da indústria na época? E se você acha que seu telefone celular se tornou imprescindível em sua vida, saiba que um memorando interno da Western Union, em 1876, declarava que “este ‘telefone’ tem muitas deficiências para ser considerado seriamente como um meio de comunicação. O aparelho não tem nenhum valor para nós.”.

Mas minha predileta é a avaliação da Decca Recording Co. em 1962, sobre um grupo musical formado por quatro jovens: “Nós não gostamos de seu som, e música de guitarra está saindo de moda”. Com isto, os Beatles foram para outra gravadora.

Lendo-as com a visão e o que sabemos hoje, elas se tornam risíveis e tema de chacota. Mas é fácil fazer prognósticos quando o jogo já terminou. Estas declarações demonstram o quanto é desafiante, difícil mesmo, que consigamos fazer avaliações adequadas sobre as mudanças que nos cercam, principalmente quando nossa capacidade de avaliação está nublada pelos nossos costumes, crenças, hábitos e formas de vivenciar o mundo.

Por isto que, ao sair do transe que as lembranças das frases me trouxeram naquele momento de conversa, disse ao meu amigo: “estamos ficando velhos.”. Inicialmente, ele não gostou do que ouviu. Quando compartilhei a onda de recordações que os comentários dele tinham me provocado, ele ficou pensativo. E provoquei: “talvez vivamos o suficiente para ver o funk reconhecido como Patrimônio Cultural.”.

Se isto é bom ou ruim, se significa uma “queda de qualidade” ou cultura, quem pode dizer? Mudanças tornam o ambiente diferente, e apenas a sensação de desconforto provocada pela mudança é suficiente para turvar a capacidade de julgamento. A expressão “No meu tempo...” é apenas a tentativa do cérebro em verbalizar um sentimento de que no passado tudo seria “melhor” que no momento atual, mesmo que tal sentimento não tenha correspondência com fatos. 

E se Lord Kelvin dá nome à escala que indica o zero absoluto, talvez a expressão “No meu tempo...” indique a velhice absoluta. Quanto mais alguém utiliza a expressão, mais próxima se aproxima da incapacidade total de aproveitar as mudanças.

Por isto que Max Planck, considerado o criador da teoria da Física Quântica e Prêmio Nobel de Física em 1918, afirmou que a Ciência avança “de funeral em funeral”. Ele sabia que, mesmo para homens e mulheres que se consideram racionais e escorados em metodologias que “garantem” a objetividade e a precisão, para percebermos o real significado e profundidade de alguma mudança externa, precisamos renunciar a algo que significa muito para nós.

E cada renúncia feita significa uma morte de algo que nos representa. Não são todos que conseguem isto. Muitas vezes, isto se torna impossível para uma pessoa. 

Podemos até alcançar um alto nível de desapego, mas para mergulharmos na mudança é preciso a característica que faz com que as transformações sejam vistas com confiança e como oportunidades: a Flexibilidade.


Maurício Luz

Maurício Luz escreve a Coluna "Frases em Nosso Tempo", aos sábados para O Guardião da Montanha.

Ele é carioca e ganhou prêmios:

1º Belmiro Siqueira de Administração – em 1996, na categoria monografia, com o tema “O Cliente em Primeiro Lugar”. 

E o 2ºBelmiro Siqueira em 2008, com o tema “Desenvolvimento Sustentável: Desafios e Oportunidades Para a Ciência da Administração”..

Ex-integrante da Comissão de Desenvolvimento Sustentável do Conselho de Administração RJ. 

Com experiência em empresas como SmithKline Beecham (atual Glaxo SmithKline), Lojas Americanas e Petrobras Distribuidora, ocupando cargos de liderança de equipes voltadas ao atendimento ao cliente.

Maurício Luz é empresário, palestrante e Professor. Graduado em Administração de Empresas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1997). 

Mestre em Administração de Empresas pelo Ibmec (2005). Formação em Liderança por Condor Blanco Internacional (2012). 

Formação em Coach pela IFICCoach (2018). Certificado como Conscious Business Change Agent pelo Conscious Business Innerprise (2019). 

Atualmente em processo de certificação em consultor de Negócios Conscientes por Conscious Business Journey.

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