“Chamamos de ética o conjunto de coisas que as pessoas fazem quando todos estão olhando. O conjunto de coisas que as pessoas fazem quando ninguém está olhando chamamos de caráter.”.
Oscar Wilde
A gestão do aeroporto Schiphol, em Amsterdam (Holanda), enfrentava um dilema. Apesar das constantes campanhas de conscientização, os usuários dos banheiros masculinos do aeroporto pareciam não conseguir ou não se importar em acertar os mictórios no momento em que satisfaziam a necessidade básica de urinar. Com isto, os banheiros precisavam ser lavados com muito mais constância, além do desagradável aroma que a inabilidade ou imperícia em urinar provocava no ambiente. O que fazer em uma situação como esta?
A solução encontrada foi simples e genial. Os administradores do aeroporto colocaram adesivos em forma de mosca nos mictórios. Sim, a solução foi exatamente essa: adesivos em forma de mosca. Fixados bem no centro dos mictórios, os adesivos com o formato dos insetos tornaram-se “alvos” – e com isto houve uma redução espetacular na quantidade de urina derramada fora do local apropriado.
A administração do aeroporto Schiphol corrigiu um problema utilizando “nudge”, uma técnica originada a partir de descobertas no campo da ciência comportamental. A palavra “nudge”, em inglês, significa “cutucar”. No caso, um “cutucão” interno, diretamente no inconsciente do indivíduo, levando-o a agir de forma previsível ou da maneira que os “cutucadores” desejam.
Os “nudges” são amplamente utilizados em diversas situações, pois quando bem elaborados levam o indivíduo a agir conforme o esperado. A cidade de Chicago, por exemplo, conseguiu que motoristas reduzissem a velocidade de seus automóveis antes de curvas perigosas reduzindo a distância entre faixas sinalizadoras pintadas na margem da rodovia. A percepção causada no motorista é de que a velocidade está muito elevada, fazendo com que tirassem o pé do acelerador.
Os “nudges” fazem parte de um campo da ciência que estuda como os seres humanos tomam as decisões que tomam, campo esse denominado de “Arquitetura de Escolhas”. A abordagem foi desenvolvida pelo economista comportamental Richard Thaler, vencedor do Prêmio Nobel de Economia de 2017 pelo seu trabalho nesta área. Quando tomei conhecimento desta área da Ciência, do seu objeto de estudo, de seus usos e suas implicações, não pude deixar de refletir sobre o quanto é desafiador para o ser humano fazer o que se espera dele ou dela, quando em seu íntimo se deseja fazer algo diverso.
A reflexão levou-me então à seguinte pergunta: o que eu faço quando não tem ninguém olhando? O que eu faço que não quero que ninguém veja?
A utilização de câmeras de vídeo para monitoramento reduz significativamente a incidência de crimes e contravenções. Há cidades brasileiras em que o uso de câmeras de vigilância em determinadas áreas reduziu o índice de criminalidade em até 80%. O fato de saber que há alguém “olhando” e que você pode ser pego fazendo coisas erradas ou não aceitas socialmente reduz a incidência destes atos.
Em 2019, os pesquisadores da USP Eduardo Santana, Higor Amario e Éderson Cássio comprovaram que, em um raio de até 50 metros de um radar rodoviário, o número de acidentes é baixo. Quanto maior a distância do radar, maior a quantidade de acidentes. Em 2015, um estudo sobre a eficácia dos radares na redução de acidentes em Porto Alegre, realizado por Marco Túlio França, Guilherme Irffi, Luís Eduardo Bernicker e Ismael Cittadin , mostrou que os radares fixos são eficazes na redução tanto no número de acidentes quanto na gravidade dos mesmos.
Em 2021, o Estado de São Paulo iniciou a prática de colocar câmeras nas fardas dos policiais militares em serviço. Um ano depois, o número de letalidades provocadas por ações policiais caiu incríveis 80%.
Por que eu não faço certas coisas quando há alguém olhando?
O que me motivaria a ficar parado em um sinal de trânsito vermelho quando não há radar, não há guarda, não há ninguém que possa me deter, me punir, me envergonhar?
O filósofo Leandro Karnal, em uma de suas palestras, colocou que em um colégio onde estudou havia uma placa no banheiro masculino onde estava escrito o seguinte aviso: “Deus está vendo.”. Na impossibilidade de se colocar câmeras ou alguém vigiando o banheiro o tempo todo, os gestores do colégio utilizaram o policial mais antigo de todos: a imagem de um deus onisciente e onipresente, pronto a punir e envergonhar aqueles que não se comportassem adequadamente.
Posso considerar-me maduro se preciso que eu seja vigiado todo o tempo para que eu aja construtivamente? Eu preciso de “nudges” me direcionando a agir conforme os acordos que regem a sociedade?
A resposta é “sim”. Mas a observação e a vigília constante precisam vir naturalmente de dentro de mim mesmo, não de fora. Se o observador que me faz agir diferente do que agiria caso estivesse sozinho é externo – mesmo que seja uma mosca pintada - significa que o que me motiva a agir está baseado no medo, na necessidade de aceitação, nas sanções que receberei por minhas ações, na inconsciência.
Mas se quando estou sozinho e eu me torno capaz de seguir uma regra ou um acordo, exército cada vez mais minha capacidade de fazer escolhas baseadas em satisfação, responsabilidade, altivez, liberdade, autoestima. Faço as escolhas para satisfazer ao meu próprio observador interno, aquele que me acompanha do momento em que acordo pela manhã até a hora em que a cabeça repousa novamente no travesseiro.
O que faço quando ninguém está olhando mostra meu caráter. E mostra também meu verdadeiro e real compromisso com o que nos faz grandiosos perante a nós mesmos: a Ética.
Maurício Luz |
1º Belmiro Siqueira de Administração – em 1996, na categoria monografia, com o tema “O Cliente em Primeiro Lugar”.
E o 2ºBelmiro Siqueira em 2008, com o tema “Desenvolvimento Sustentável: Desafios e Oportunidades Para a Ciência da Administração”..
Ex-integrante da Comissão de Desenvolvimento Sustentável do Conselho de Administração RJ.
Com experiência em empresas como SmithKline Beecham (atual Glaxo SmithKline), Lojas Americanas e Petrobras Distribuidora, ocupando cargos de liderança de equipes voltadas ao atendimento ao cliente.
Maurício Luz é empresário, palestrante e Professor. Graduado em Administração de Empresas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1997).
Mestre em Administração de Empresas pelo Ibmec (2005). Formação em Liderança por Condor Blanco Internacional (2012).
Formação em Coach pela IFICCoach (2018). Certificado como Conscious Business Change Agent pelo Conscious Business Innerprise (2019).
Atualmente em processo de certificação em consultor de Negócios Conscientes por Conscious Business Journey.
Agora neste ano de 2022, Maurício Luz cursa o Doutorado em Administração pela Universidade Caxias do Sul, RS
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