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sábado, 23 de julho de 2022

"Uma Questão de Estilo"

“O ataque de uma borboleta agrada mais do que todos os beijos de um cavalo.”.

Mario Quintana


Shams de Tabriz talvez não seja um nome tão conhecido no Ocidente quanto Rumi, seu discípulo. Shams al-Din Muhammad nasceu no ano gregoriano de 1185, e foi educado na cidade de Tabriz (atual Irã). Era filho do imam Ala Al-Din, o que lhe rendeu desde cedo uma educação voltada à espiritualidade. Faleceu no ano de 1248 na cidade de Khoy, também localizada no Irã, em condições controversas e misteriosas. No local onde seu corpo foi sepultado há um monumento e um busto que eterniza o grande místico e poeta sufi, monumentos que foram considerados como Patrimônio da Humanidade pela Unesco.

Após o mestre e discípulo terem se encontrado em Konya, atualmente na Turquia, Shams e Rumi ficaram reclusos durante 40 dias, até que Shams deixou seu discípulo e fugiu para Damasco, na Síria. Não se sabe exatamente o que Shams transmitiu a Rumi nestes dias, certamente intensos. Mas particularmente gosto de imaginar que nestes exatos 40 dias, Shams repassou e detalhou aquele que se tornaria um dos maiores poetas e místicos da Humanidade a profundidade e a essência de sua obra mais conhecida, as “40 Regras do Amor”.

Estas regras, descritas por Shams, são breves e instigantes reflexões e orientações sobre como alguém pode efetivamente alcançar o Amor Divino. Poucos textos que li em minha vida são tão profundos quanto as orientações que Shams deixou para a Humanidade. Imagino o quanto Rumi não foi mergulhado neste oceano de sabedoria durante aqueles 40 dias, um oceano do qual nunca mais deixou de nadar. 

Uma das regras do Amor que Shams nos deixou há séculos tratava do cuidado com os extremos e o extremismo. Na regra 22, o mestre escreveu:

A vida é somente um empréstimo temporário, e este mundo não é nada além de um esboço ou uma imitação da realidade. Somente as crianças confundem um brinquedo com a realidade. E, no entanto, os seres humanos apaixonam-se pelo brinquedo ou desrespeitosamente quebram-no ou jogam-no para o lado. Nesta vida fique longe de todos os tipos de extremidades, pois elas vão destruir o seu equilíbrio interior. Os Sufis não vão aos extremos. Um Sufi permanece sempre suave e moderado.

Quando li esta regra, de imediato vi uma conexão com ensinamentos budistas. No Budismo, “Bodhisattvas” são seres que buscam o despertar, buscam a iluminação. Ou seja, ainda não alcançaram a “budeidade”, ainda não se tornaram Budas. Para alcançar o estado de Iluminação que liberta o ser senciente da roda de Samsara, os “Bodhisattvas” possuem orientações que devem praticar em seu cotidiano. Estas orientações foram agrupadas em 37 práticas, que podem ser colocadas em ação por qualquer um que deseje alcançar a Iluminação. Em “As 37 Práticas dos Bodhisattvas”, o venerável mestre Gyalse Thogme Zangpo discrimina estas ações. A prática de número 34 diz o seguinte:

A prática de todos os bodhisattvas é evitar palavras duras,

Que os outros possam achar desagradáveis ou impróprias,

Pois uma linguagem ofensiva perturba a mente dos outros,

e assim compromete a conduta de um bodhisattva.


No Sufismo e no Budismo, a suavidade e o cuidado em como o outro perceberá a mensagem são passos espirituais, um cuidado para lapidar a própria brutalidade. Somos como diamantes brutos cujo lapidador somos nós mesmos. 

O desafio para a Humanidade é que, embrutecidos, confundimos força bruta com firmeza; grosseria com sinceridade; violência com vontade. O senso comum ainda diz que causar feridas é sinal de honestidade e franqueza, quando na verdade é apenas nosso lado mais animalesco se sobrepondo ao lado que busca a elevação. E que pessoas consideradas “suaves” não são capazes de tomar decisões “necessárias” ou “difíceis”.

Em tempos de crise, esta percepção gerada pelo senso comum se torna ainda mais forte. Em 2017, os pesquisadores Hemant Kakkara e Niro Sanathana publicaram um estudo no qual apontam que, em tempos considerados incertos ou que geram insegurança, as pessoas tendem a preferir lideranças mais assertivas do que aquelas consideradas mais respeitadas ou mesmo com mais conhecimento. E onde está a palavra “assertivas” leia-se “autoritárias”. E como o autoritarismo traz consigo a capacidade de ferir as pessoas, seja com palavras, atos ou omissões, a suavidade no trato é considerada uma fraqueza.

Por isto que autoritários são mestres em criar crises. Apenas na crise conseguem fazer com que seu estilo de ser e viver se torne predominante, pois na crise as pessoas tendem a esquecer ou colocar de lado os valores que as tornam humanas.

Você também é assim? Você confunde firmeza com brutalidade, e suavidade com fraqueza?

Manter-se suave e senhor de si nas situações mostra, na verdade, o maior poder que um ser humano pode alcançar, que é o poder sobre si mesmo. Quando seremos capazes de reconhecer e valorizar este poder?

Podemos ser firmes, sinceros, francos e honestos sem perder a suavidade que nutre as relações e pavimenta nosso caminho para níveis de consciência mais elevados. É uma questão de escolha de estilo. É um enorme desafio pois demanda autocontrole, experiência e sabedoria, em um constante trabalho de “autolapidação”. Não são todos que estão dispostos a isto, principalmente quando não geram o reconhecimento externo que tanto necessitam.

Lembro-me então da fábula de um rei que, certo dia, amanheceu angustiado com um sonho que tivera durante a noite. Neste sonho, ele perdia todos os dentes. Preocupado, chamou um adivinho para interpretar o sonho que tivera. O adivinho então disse: “este sonho significa que você perderá todos os seus parentes e entes queridos.”. Indignado, o rei mandou castigar o adivinho com chibatadas.

Chamou então um segundo adivinho. Após ouvir o relato do sonho pelo rei, o novo adivinho falou: “este sonho significa que você terá uma vida tão longa que sobreviverá a todos os seus parentes e entes queridos.”. Satisfeito, o rei presenteou o segundo adivinho com cem moedas de ouro.

Para quem busca a Consciência, a forma é tão importante quanto o conteúdo. Suave e profundo como os grandes poetas e poetisas conseguem ser, disse-nos Mario Quintana em seus versos intitulados Do Mau Estilo...  :

Todo o bem, todo o mal que eles te dizem, nada

Seria, se soubessem expressá-lo...

O ataque de uma borboleta agrada

Mais que todos os beijos de um cavalo.


Quando respeitamos os sentimentos e percepções das outras pessoas, desenvolvemos a consideração. E quando temos consideração, buscamos expressar esta consideração colocando-a em ação em nossos gestos, em nossas falas, em nossas expressões. E assim praticamos a característica que nos leva a alcançar a suavidade e a expressão desta suavidade em todos os nossos momentos: a Gentileza.


Maurício Luz

Maurício Luz escreve a Coluna "Frases em Nosso Tempo", aos sábados para O Guardião da Montanha.

Ele é carioca e ganhou prêmios:

1º Belmiro Siqueira de Administração – em 1996, na categoria monografia, com o tema “O Cliente em Primeiro Lugar”. 

E o 2ºBelmiro Siqueira em 2008, com o tema “Desenvolvimento Sustentável: Desafios e Oportunidades Para a Ciência da Administração”..

Ex-integrante da Comissão de Desenvolvimento Sustentável do Conselho de Administração RJ. 

Com experiência em empresas como SmithKline Beecham (atual Glaxo SmithKline), Lojas Americanas e Petrobras Distribuidora, ocupando cargos de liderança de equipes voltadas ao atendimento ao cliente.

Maurício Luz é empresário, palestrante e Professor. Graduado em Administração de Empresas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1997). 

Mestre em Administração de Empresas pelo Ibmec (2005). Formação em Liderança por Condor Blanco Internacional (2012). 

Formação em Coach pela IFICCoach (2018). Certificado como Conscious Business Change Agent pelo Conscious Business Innerprise (2019). 

Atualmente em processo de certificação em consultor de Negócios Conscientes por Conscious Business Journey.

Agora neste ano de 2022, Maurício Luz cursa o Doutorado em Administração pela Universidade Caxias do Sul, RS


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