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sábado, 13 de agosto de 2022

"Denominador Comum"

“Há verdadeiramente duas coisas diferentes: saber e crer que se sabe. A ciência consiste em saber; em crer que se sabe reside a ignorância.”

Hipócrates


O norte-americano William Reed era totalmente desconhecido para mim. Nunca soube de sua existência até que, em uma noite onde vasculhava a internet em busca de informações sobre daltonismo, o algoritmo do Youtube apresentou um vídeo que mostrava o momento em que William recebia um presente de aniversário.

Curioso, assisti ao vídeo motivado pelo título: “O fisiculturista de 66 anos William Reed vê cores pela primeira vez.”. Naquele aniversário, Reed recebeu de presente um par de óculos. Mas não eram óculos quaisquer. O produto, fabricado pela empresa Enchroma Glasses, corrige a distorção que impede aos daltônicos de visualizarem as cores. E a reação de William ao visualizar um mundo que nunca tinha visualizado sequer em sonhos é extremamente emocionante. Confesso que ciscos visitaram meus olhos, e sempre que revejo o momento, lágrimas insistem em se manifestar.

Muito provavelmente você tem um amigo ou amiga que possui daltonismo, ou já conheceu alguém com esta mutação genética que impede ou dificulta que determinadas cores sejam percebidas. Um em cada doze homens possui daltonismo. No sexo feminino a incidência é mais rara, totalizando uma em cada 200 mulheres.

No total, cerca de 5% da população mundial possui esta característica que torna a percepção de seu mundo muito distinta das demais pessoas – aproximadamente, nascem 12 crianças por minuto com daltonismo. Nos casos mais raros, as pessoas não conseguem perceber cor alguma. Para elas, é impossível visualizar o belo amarelo de um girassol ou as cores vibrantes de um beija-flor, pois veem o mundo apenas em tons de preto, branco e cinza.

O que era o caso de William Reed, segundo as informações do emocionante vídeo que assisti. Sua vida era uma combinação de branco, preto e tonalidades cinzentas, até o momento em que óculos especiais lhes mostraram a explosão de cores que é nosso universo. 

A restrição total ou limitada em visualizar cores não impede que os daltônicos possam ter uma vida produtiva. Mas restringe a eles vivenciar plenamente diversas experiências que para aqueles que visualizam cores normalmente seriam absolutamente banais. Por exemplo, se dois times de futebol se enfrentam com camisas azuis e verdes, os daltônicos não conseguirão diferenciar os adversários. Por este motivo que a UEFA, gestora dos campeonatos europeus de futebol, tem estudado medidas para evitar que times entrem em campo com tonalidades de uniforme que impeçam os daltônicos de assistirem plenamente uma partida. 

Os daltônicos sempre me lembram sobre o quanto somos diversos. Mas a maior lembrança que o daltonismo me traz é sobre a subjetividade. William Reed visualizava um mundo que eu não tinha acesso, e possui questões que ele, apenas ele, pode sentir e identificar plenamente. A realidade de William é que o mundo não tinha cores, enquanto eu consigo visualizar milhões de tonalidades. E dividimos o mesmo planeta, os mesmos espaços. Precisamos encontrar formas de compartilhar estes espaços, ainda que sejamos diferentes.

O desafio da convivência e do compartilhar se inicia neste momento – no encontro das subjetividades. Infelizmente, ao iniciarmos uma interação, ignoramos as subjetividades alheias. Se temos certeza de que a realidade que percebemos é a expressão da verdade, queremos que ela seja predominante. Que me importa se William não conseguiria assistir plenamente a um jogo entre Palmeiras e Cruzeiro, se ambos os times entrarem em campo com seus uniformes principais? Afinal, ele é “apenas” 5% da população. Por que eu preciso escutá-lo? Por que preciso me importar com suas necessidades?

 A imposição das subjetividades nos afasta da nossa humanidade, pois valida o uso da força. Não foi a força que nos permitiu alcançar o que alcançamos, ainda que entre erros, sangue e tropeços. E sim, a capacidade de encontrar um denominador comum que nos permitiu avançar, ainda que dando voltas.

Querer que a própria subjetividade seja imposta a qualquer custo é a causa de inúmeras atrocidades realizadas pelos seres humanos. A destruição da biblioteca de Alexandria, a caça às bruxas na Europa da Idade Média, as perseguições aos judeus, o racismo e a homofobia – apenas para citar alguns – são exemplos de subjetividades que foram e querem ser impostas a ferro e fogo, sangue e lágrimas, ainda que tal atitude venha a contrariar a base de seus próprios discursos.

Realizar o mapeamento do nosso espaço compartilhado e identificar realidades individuais para que possamos construir a realidade comum é o que nos levará a possuir bases sólidas de convivência. 

E entendo que este é o papel fundamental da Ciência. Por isto que a Ciência é tão atacada por aqueles que querem fazer da subjetividade pessoal a única fonte de conhecimento para aqueles que os cercam.

Há, na Matemática, o conceito de “Denominador Comum”. É um conceito que indica em quantas partes está dividida uma unidade, e permite as operações com frações. Quando encontramos o denominador comum das frações, somos capazes de somá-las e, assim, encontrar a totalidade. Individualmente, somos todos frações da humanidade, buscando alcançar essa integralidade. Mas somente seremos capazes de alcançar a unidade quando encontrarmos nosso denominador comum. A subjetividade é essencial para isto, mas não pode ser tão importante a ponto de que a subjetividade pessoal esmague a do outro.

Há um vasto universo em comum a conquistar, mas é essencial que encontremos o Denominador Comum da Humanidade. Somente assim deixaremos de ser frações dos seres que podemos nos tornar. E para alcançarmos esse Denominador Comum, será preciso colocar em prática um valor essencial para aceitarmos as subjetividades alheias e o mundo objetivo no qual compartilhamos: a Consideração.


Maurício Luz

Maurício Luz escreve a Coluna "Frases em Nosso Tempo", aos sábados para O Guardião da Montanha.

Ele é carioca e ganhou prêmios:

1º Belmiro Siqueira de Administração – em 1996, na categoria monografia, com o tema “O Cliente em Primeiro Lugar”. 

E o 2ºBelmiro Siqueira em 2008, com o tema “Desenvolvimento Sustentável: Desafios e Oportunidades Para a Ciência da Administração”..

Ex-integrante da Comissão de Desenvolvimento Sustentável do Conselho de Administração RJ. 

Com experiência em empresas como SmithKline Beecham (atual Glaxo SmithKline), Lojas Americanas e Petrobras Distribuidora, ocupando cargos de liderança de equipes voltadas ao atendimento ao cliente.

Maurício Luz é empresário, palestrante e Professor. Graduado em Administração de Empresas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1997). 

Mestre em Administração de Empresas pelo Ibmec (2005). Formação em Liderança por Condor Blanco Internacional (2012). 

Formação em Coach pela IFICCoach (2018). Certificado como Conscious Business Change Agent pelo Conscious Business Innerprise (2019). 

Atualmente em processo de certificação em consultor de Negócios Conscientes por Conscious Business Journey.

Agora neste ano de 2022, Maurício Luz cursa o Doutorado em Administração pela Universidade Caxias do Sul, RS

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