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domingo, 25 de dezembro de 2022

"54 anos esta noite". Ainda é dezembro!

 

Maria Aparecida de Aquino

É professora da História da Faculdade de Filosofia e Letras da USP. É Especialista em Ditadura militar brasileira - 1964 - 1985


"Ditadura foi terrível e negativo para o Brasil sob todos os aspectos"

"O título deste artigo é uma referência ao livro do brilhante jornalista Paulo Francis: 30 anos esta noite – o que vi e vivi (SP, Cia. das Letras, 1994) – relançado em 2004 – e não ao filme de 1963, de mesmo nome, de Louis Malle. Nele, Francis rememora suas impressões e vivências do Golpe de Estado de 1964 que mergulhou o Brasil na escuridão, da qual ainda tentamos nos livrar e com a qual ainda temos contas a acertar.

Mas, a referência estanca aí. A noite a que me refiro não é a de 30 para 31 de março de 1964, antessala do Golpe de Estado e, sim, a noite de 12 para 13 de dezembro de 1968 que completou, há poucos dias, longos 54 anos. No dia 12 de dezembro de 1968, em votação histórica, a Câmara dos Deputados Federais, negou o pedido de licença para processar o Deputado Federal Márcio Moreira Alves, incluindo nesses votos 94 de parlamentares da Aliança Renovadora Nacional (ARENA), o partido do governo. Este foi estrepitosamente derrotado: 216 votos contrários, 141 favoráveis e 12 abstenções.

No dia 2 de setembro de 1968, Márcio Moreira Alves discursou na Câmara dos Deputados, fazendo referência ao 7 de setembro que se aproximava. Pediu aos pais dos estudantes que não deixassem seus filhos participarem dos desfiles convocados para a comemoração da data e que as moças não dançassem com cadetes e não namorassem os jovens oficiais. Poucas pessoas presentes e pequena repercussão. Mas, os militares consideraram o discurso uma afronta. Em 12 de setembro começou o processo de cassação de Márcio Moreira Alves no STF e, dias depois, os ministros militares pediram que fosse processado com base na Lei de Segurança Nacional. Como Márcio era deputado e tinha imunidade parlamentar houve a necessidade de licença da Câmara para processá-lo o que foi negado na histórica votação de 12 de dezembro de 1968.

Mas, a vingança não tardaria. No dia seguinte, 13 de dezembro de 1968, o governo lança novo Ato Institucional 5 , o AI-5. Elaborado por Luís Antônio da Gama e Silva, Ministro da Justiça – vejam só!, o antigo reitor da Universidade de São Paulo/USP – do governo do General Artur da Costa e Silva, o segundo dos ditadores militares, pós-1964. O Ministro Gama e Silva anunciou o AI-5 pelo rádio lendo seus 12 artigos que consolidavam definitivamente a Ditadura com: fechamento do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas Estaduais e das Câmaras Municipais; intervenção federal nos Estados e Municípios; cassação de deputados, senadores e vereadores; suspensão dos direitos políticos dos cidadãos; decretação do Estado de Sítio sem consulta ao Legislativo; proibição do habeas corpus para os considerados crimes políticos.

Como se pode ver, a noite de 12 para 13 de dezembro de 1968 foi tenebrosa e precursora de tragédias anunciadas.

Eis que, transcorridos 54 anos, temos uma também tenebrosa noite de 12 para 13 de dezembro de 2022. Criminosos, em Brasília, incendiaram carros e ônibus, tentaram invadir a sede da Polícia Federal na Capital do país, depredaram prédios, almejaram invadir o Hotel onde se hospeda o presidente legitimamente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, dentre outras barbaridades. E isto, sem que houvesse qualquer reação policial contra os atos criminosos de vandalismo. O Governador do Distrito Federal, bem como o Ministro da Justiça – aquele que foi convocado pelo Presidente em exercício para dialogar com o, não menos criminoso, ex-deputado federal, Roberto Jefferson – nada fizeram. Nenhuma prisão contra os criminosos foi sequer anunciada. E eles prosseguiram, livremente, barbarizando a cidade. São os mesmos que se encontram acampados no Palácio da Alvorada; em frente ao Quartel General do Exército e, também, em frente aos quartéis.

Qualquer cidadão comum sabe que os quartéis e, obviamente, o Quartel General do Exército, constituem áreas militares das quais não se pode aproximar. Deve-se, por segurança, manter um distanciamento desses prédios. Como explicar os “acampamentos” e as invasões? A única resposta possível é a conivência policial de todas as escalas. E, também, governamental. Quem já participou de movimentos sociais conhece muito bem a rígida repressão policial, muitas vezes expressa com violência a manifestações de cunho pacífico, em luta por direitos.

O futuro Ministro, Flávio Dino, foi taxativo – e é necessário que o seja – observando que, se os criminosos não forem penalizados nestes poucos dias finais do governo atual, o serão no próximo governo. Só assim, romperemos com uma tradição nociva e tipicamente brasileira, a da conciliação, em nome do “ordeiro e cordial” povo brasileiro. Se não se julgam crimes, não se pode virar a página. E a história continuará sendo escrita e vivida com violência política tratada como banalidade.

Assim foi em relação à Ditadura Militar Brasileira (1964-1985). A Anistia foi feita para torturados e torturadores. Os torturados haviam sido penalizados de todas as formas, incluindo prisões, mortes e desaparecimentos. E os torturadores continuaram impunes. Isto é responsável pela construção de uma “memória positiva” da Ditadura Militar. O que faz com que muitos bradem: queremos a volta dos militares! No tempo dos militares é que era bom! Vade retro! Foi terrível e negativo para o Brasil sob todos os aspectos. Como se não bastasse, quando houve a oportunidade de rever essa excrescência, na Comissão Nacional da Verdade (CNV), nada foi feito e prevaleceu a anistia de ambas as partes.

Se não fizermos a necessária revisão da Lei da Anistia de 1979 o Brasil não poderá virar a página e continuaremos sob a égide dos militares. O atual governo é o melhor exemplo disso com a ocupação inédita de cargos e funções por militares de carreira. O lugar de militares é na caserna e na defesa dos interesses e da salvaguarda da população brasileira, o que não se tem visto.

Começa um novo período que, espero, tenha a coragem de virar aquela página nefasta da História brasileira: a Ditadura Militar."


Maria Aparecida de Aquino Profa. Dra. do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP). Mestrado e Doutorado pela FFLCH/USP e Pós-doutorado pela UFSCar. Autora de Censura, Imprensa, Estado Autoritário (1968-1978). Bauru, EDUSC, 1999 e Bons Tempos, Hein? SP, Todas as Musas, 2022. Especialista em estudos sobre a Ditadura Militar Brasileira (1964-1985).      

Fonte: my news        

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