Câncer
além da genética
Durante
muito tempo o câncer foi visto como uma doença de origem
fundamentalmente genética, ou seja, causada por mutações no DNA -
herdadas ou adquiridas - que alteram a expressão dos genes e fazem
as células se proliferarem descontroladamente.
Agora
já se sabe por meio de dados experimentais que as mudanças
epigenéticas podem causar câncer -
mudanças induzidas pelo ambiente e que não resultam em alterações
no DNA.
Uma
das expoentes dessa visão do câncer não genético é Mina
Bissell, cientista iraniana
radicada nos Estados Unidos e expoente no estudo do câncer de mama.
Câncer não é causado apenas por genética
Para
ela, o câncer de origem genética é apenas parte da história.
Metade dos fatores necessários para o desenvolvimento de um tumor
estaria, segundo ela, do lado de fora das células, no chamado
microambiente celular.
"Se
o genoma fosse
realmente o fator dominante, uma única mutação herdada seria o
suficiente para causar câncer em todo o nosso corpo - uma vez que
todas as células compartilham exatamente o mesmo DNA", afirmou
Bissell durante palestra apresentada por ocasião de sua visita à
Universidade de São Paulo (USP).
Ambiente
celular
Há
30 anos a pesquisadora vem reunindo evidências para provar sua
teoria de que a forma e a função de um determinado tecido se
regulam reciprocamente, de forma dinâmica, e qualquer alteração
dessa arquitetura e dessa rede de sinalização pode resultar em
malignidade.
"Escolhemos
a glândula mamária como modelo de estudo porque é um dos poucos
tecidos que mudam durante a vida adulta. Ela se desenvolve durante a
gravidez, durante a lactação e, quando a amamentação é
interrompida, a glândula regride," disse Bissell.
Para
investigar como ocorriam essas alterações no tecido, a pesquisadora
se concentrou em estruturas conhecidas como ácinos, pequenos sacos
existentes na mama cujas paredes são revestidas por células
especializadas na secreção de leite.
"Retiramos
essas estruturas de camundongos fêmeas prenhes e as colocamos em uma
cultura in vitro para ver se ainda se lembrariam de
como é ser uma glândula mamária. Mas, em pouco tempo, elas
assumiam uma estrutura completamente diferente e esqueciam como fazer
leite. Isso mostra que é o microambiente que diz para as células o
que elas devem fazer. As células não são autônomas, como alguns
biólogos ainda acreditam," avaliou a pesquisadora.
E o
que seria afinal esse microambiente? Segundo Bissell, trata-se da
chamada matriz extracelular - uma massa que une as células e é
composta por moléculas como colágeno, glicoproteínas, integrinas e
laminina.
O
contexto é tudo
Para
testar a hipótese da existência de uma comunicação entre célula
e microambiente, Bissell reproduziu o experimento com as células
mamárias de camundongos fêmeas, mas desta vez as colocou sobre um
gel contendo alguns dos principais componentes da matriz
extracelular.
Em
vez de assumir a estrutura achatada, bidimensional, como no primeiro
experimento, as células se organizaram de maneira muito semelhante à
observada in vivo e, o mais surpreendente,
continuaram a secretar leite.
Esse
modelo celular tridimensional da glândula mamária foi adaptado para
criar um teste capaz de diferenciar uma célula normal de uma célula
maligna.
Quando
cultivadas por dez dias em um ambiente tridimensional rico em
laminina, essas células são capazes de recapitular as
características da glândula mamária normal e apresentam um padrão
de proliferação controlada e parada do ciclo celular.
Quando
se comparavam as células malignas com as normais em uma cultura
bidimensional comum, elas pareciam exatamente iguais. Mas, ao
colocá-las no modelo 3D, as células malignas assumiam estruturas
desorganizadas características de um tumor.
Embora
o grupo de Bissell não trabalhe com células-tronco, esses novos
mecanismos eventualmente poderão lançar novas luzes sobre por que
as células-tronco
podem causar câncer quando
são implantadas ou são retiradas de seu ambiente nativo.
Actina
Após
três décadas de investigação, Bissell acredita estar perto de
desvendar os mecanismos pelos quais ocorre a comunicação entre a
célula mamária e a matriz extracelular - graças, em parte, à
colaboração do pesquisador brasileiro Alexandre Bruni-Cardoso,
professor do Instituto de Química da Universidade de São Paulo.
Em
colaboração no laboratório de Bissell, Alexandre ajudou a
esclarecer como ocorre o transporte da proteína actina de dentro
para fora do núcleo celular.
"A
actina é uma proteína que faz parte do citoesqueleto celular. Ela
compõe fibras que ajudam a dar forma e movimento às células. Nos
últimos 30 anos estudos começaram a apontar que também existe
actina no núcleo e, mais recentemente, mostrou-se que lá dentro ela
interage com outras proteínas nucleares e regula a transcrição
gênica," explicou Alexandre.
"Esse
pode ser um dos motivos pelos quais as células malignas se
proliferam descontroladamente. A descoberta abre caminho para o
estudo de drogas que possam corrigir essa sinalização celular",
comentou Alexandre.
De
acordo com Bissell, a actina parece agir como uma alavanca de
acionamento do crescimento celular. "A questão agora é
descobrir como exatamente ela funciona. Hoje sabemos que não é
apenas a arquitetura, mas também a sinalização que determina o
comportamento das células", concluiu.
Fonte: Fapesp