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quinta-feira, 9 de junho de 2016

O pós estupro - como o Estado pode piorar ainda mais a situação

Por Pedro Magalhães Ganem

"Quanto mais eu leio (ultimamente só tenho lido sobre criminologia) mais eu me insurjo contra o Estado (ou ao que ele atualmente representa) e, consequentemente, a sua capacidade de piorar a situação, sendo que nesse texto falarei um pouco do pós estupro e de toda a dificuldade existente no Sistema para que uma mulher denuncie as práticas abusivas.

Deixo claro que não desconheço, tampouco desmereço a violência sexual praticada contra pessoas do sexo masculino, quase sempre voltados para as crianças, mas nesse texto tratarei sobre a violência contra a mulher, haja vista que é aquela que mais vejo em meu ambiente de trabalho.
O ps estupro - como o Estado pode piorar ainda mais a situao
Já vou falando logo que não quero e nem posso relatar e dimensionar o real sofrimento das mulheres, até mesmo pelo fato de que não sou mulher, apenas quero relatar a atuação do Estado e como ele faz questão, sabe-se lá o motivo, de também ser mais um violentador.

Além do inimaginável sofrimento causado pela violência sexual, quando a mulher tem que relatar esses fatos, muitas vezes nas Delegacias, enfrenta os mais diversos obstáculos e constrangimentos possíveis.

Você já foi a uma Delegacia ou ao IML/DML?
O ambiente não é nada acolhedor. Não me refiro aos servidores, mas de todo o lugar em si. Ninguém entra ali e fica confortável para relatar o que quer que seja, muito menos uma violência sexual.

Imaginemos, então, a vítima, abalada pelo crime, entra em uma Delegacia, e passa a relatar (a pessoas que estão acostumadas a trabalhar na maioria das vezes apenas com "bandidos", talvez sem a sensibilidade necessária para o assunto), na presença de um Delegado, um Escrivão e, talvez, um advogado quais foram os atos praticados.

São feitas perguntas específicas, minuciosas, forçando a memória e o psicológico já abalado da vítima.
Caso o réu tenha sido preso, deverá passar pelo procedimento de reconhecimento.

Na maioria dos casos, os relatos são feitos a homens, ou seja, a mulheragredida por um homemtem que esclarecer os fatos para outro homem, meio que de forma a convencê-lo de que aquilo realmente se tratou de um crime.

Além da estrutura física deficiente, o servidor, muitas vezes,não foi preparado pelo Estado para atuar nessa seara da forma como deveria ser, isto é, não tem o tato necessáriopara abordar os assuntos sem ser agressivo e inquisidor.

Ademais, após prestar suas declarações, a vítima é submetida a exames para comprovação da prática criminosa e coleta de eventuais vestígios.
Exame de conjunção carnal e coito anal. Só o nome já é estranho, imagina o procedimento.

Cara, não é por nada, mas esses exames são feitos nos mesmos lugares onde são feitos os exames cadavéricos (não necessariamente na mesma sala, mas no mesmo ambiente), no IML/DML, imagina só, então, o climão a que a vítima é exposta.

Dependendo do resultado dos exames, pode ser ouvida novamente. Caso contrário, se for proposta a ação criminal, passados, por sorte, alguns meses ou pouco mais de um ano,será chamada para ser ouvida perante um juiz ou uma juíza.

Durante a audiência, com o representante da Justiça e do Ministério Público, bem como da defesa do acusado, podendo ser Advogado ou Defensor Público, será novamente perguntada sobre todos os fatos que deram ensejo ao processodetalhadamente, bem como terá quereconhecer o réu.

Mais uma vez ela esbarra em uma estrutura física precária e um sistema penal não está preparado para lidar com vítimas, apenas com "bandidos".

Novamente, poderá ser perguntada de forma a parecer que ela mesma era a acusada e não a vítima, sendo até mesmo "julgada".

Algumas vezes, passados alguns anos dos fatos (caso o réu esteja solto, o inquérito tenha demorado para ser concluído, a Vara em que tramita esteja sobrecarregada) é queserá chamada para prestar suas declarações em Juízo. Assim, aquilo que talvez já estivesse "adormecido", quando é forçada a reviver, por meio da audiência, aflora novamente, causando ainda mais transtornos.

E olha que nem estou falando do fato do caso em si ser exposto pela mídia, pois nesse caso as consequências são ainda mais catastróficas, tamanha a repercussão que pode tomar.

Percebe-se, então, que em todos os momentos a vítima é forçada (muitas vezes na forma literal da palavra) a reviver a cena de violênciacontando para pessoas estranhas e, talvez, intimidadoras, em ambientes também estranhos e intimidadores, tudo o que passou, detalhe por detalhe.

Na hipótese do acusado ter sido preso, sendo inserido no Sistema Carcerário, damos início (ou continuidade, não sei) a mais um problema, pois o Estado, mais uma vez com a sua capacidade de estragar tudo, apenas prende a pessoa e acredita que está tudo certo e que com um passe de mágica, após um período preso, a pessoa terá capacidade de voltar para a sociedade, "ressocializado".

Sem falar dos casos em que o acusado é absolvido, mas já foi exposto pela mídia como sendo um estuprador, condenando-o para o resto da vida, isso se continuar vivo por muito tempo.
Já passou da hora de o Estado se preocupar com o nosso bem estar, em todos os possíveis e imagináveis momentos."

em busca da mudança de paradigmas
Capixaba, espírita, formado em Direito, atuante e sempre um estudante das áreas jurídicas. BLOG: pedromaganem.com; FACEBOOK: facebook.com/pedromaganem CURRICULO LATTES: http://lattes.cnpq.br/5664464113483902


Fonte: Jusbrasil

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