Por Jean-Philip
Struck
“Hábito
de adiantar o relógio com argumento de economizar energia estreou na
Alemanha em 1916. Mais de um século depois, maioria da população
do país não quer mais mexer nos ponteiros todos os anos.”
“Todo
ano a discussão reaparece. Nas semanas que antecedem o início do
horário de verão, jornais publicam reportagens questionando a
utilidade da medida, médicos apontam malefícios à saúde,
defensores e adversários expõem suas posições. Tal cenário não
se passa no Brasil, onde a imprensa local apontou nesta
quinta-feira (21/09) que o governo de Michel Temer estuda acabar com
o horário de verão, mas na Alemanha.
Nos
últimos anos, o ato de adiantar os relógios vem perdendo apoio
entre os alemães. Uma pesquisa publicada em 2016 apontou que 74% dos
entrevistados não querem mais adiantar seus relógios. Há dez anos,
eles não passavam de 60%. As mulheres lideram as críticas,
com 80% se posicionando contra a medida.
Estudos
também mostram que na Alemanha a economia gerada pela medida é nula
ou até mesmo negativa. "O que se economiza de luz à noite,
gasta-se pela manhã em calefação", apontou um relatório do
Ministério Federal de Meio Ambiente.
A
partir dos anos 1990, ficou mais difícil para a Alemanha tomar
alguma iniciativa isolada e se livrar da medida, já que a União
Europeia passou a organizar o calendário de horários dos seus
Estados-membros.
Pioneirismo
A
atual versão do horário de verão ("Sommerzeit")
passou a valer na Alemanha em 1980, mas o país já havia
experimentado adiantar os relógios na primavera de 1916, sendo
pioneiro no mundo. A argumentação para colocar a medida em prática
seria mais tarde repetida em dezenas de países: economizar energia.
No
início de 1916, o antigo Império Alemão estava envolvido na
Primeira Guerra Mundial e sofria com um severo bloqueio naval imposto
pelo Reino Unido, que resultou no corte das importações de petróleo
e parafina (usada na fabricação de velas). A mudança nos relógios
foi incluída pelo governo do imperador Guilherme 2º na lei de
guerra, a exemplo da instituição de cartões de racionamento e
confisco de suprimentos.
Numa época em
que não havia televisão e o rádio ainda não havia se
popularizado, coube aos jornais anunciar a mudança. Também foram
distribuídos centenas de milhares de cartões-postais e folhetos
explicando o novo horário. Muitas vezes as mensagens eram
acompanhadas de exortações patrióticas. Um desses cartões
mostrava a figura de Ares, o deus grego da guerra, falando a um grupo
de crianças: "usem a luz do Sol!".
E
a Alemanha também foi pioneira nas controvérsias em relação ao
novo horário. Antes de ser colocado em prática, leitores
expressaram em cartas aos jornais o temor de que o novo horário
fosse um truque para explorar ainda mais a mão de obra nas fábricas,
que já estavam a todo vapor por causa da guerra.
A
adoção
Os
relógios foram finalmente adiantados às 23h de 30 de abril de
1916, um domingo, e assim ficaram até 1º de outubro. Segundo
o antigo jornal Münchner
Neuesten Nachrichten,
vários relógios em igrejas e prédios públicos de Munique foram
adiantados horas antes do prazo, o que levou a alguns
desentendimentos.
Na
segunda-feira, 1º de maio, alguns trabalhadores desatentos acabaram
aparecendo uma hora mais cedo no serviço – a data ainda não
era um feriado. Ainda segundo o jornal, grupos de estudantes
reclamaram de ter que acordar uma hora mais cedo logo depois do fim
de semana.
Exposição
sobre a história do horário de verão no Museu do Relógio em
Wuppertal, na Alemanha
As discussões
sobre o novo horário dominaram as páginas dos jornais, deixando em
segundo plano acontecimentos dramáticos, como o fim da Revolta
da Páscoa, conduzida por nacionalistas irlandeses em Dublin, e o fim
do cerco da cidade de Kut, no Iraque. No mesmo dia, o antigo Império
Austro-húngaro, aliado da Alemanha, seguiu o exemplo e adiantou os
relógios. Logo depois, foi a vez da Romênia, da França, do Reino
Unido e, mais tarde, dos EUA.
O
governo alemão ainda determinou punições para empregadores que
decidissem manipular os horários de trabalho, empurrando a jornada
uma hora adiante como forma de burlar a medida.
Os
efeitos logo foram sentidos. A cidade de Bremen, por exemplo,
registrou economia de pelo menos 344 toneladas de carvão durante o
período do horário de verão. Por outro lado, o consumo menor fez
com que a cidade perdesse receitas provenientes de impostos, e a
conta acabou tendo que ser paga pela população.
Segundo
jornais da época, a maior parte da população acabou aceitando a
medida, e alguns até vieram a simpatizar com ela por causa da
possibilidade de aproveitar melhor o fim do dia. O experimento foi
repetido em 1917 e 1918. Após o fim do conflito mundial, a lei
extraordinária foi extinta – e com ela também o horário de
verão.
A
medida só reapareceu em 1940, pelas mãos do regime nazista, mais
uma vez em um contexto de guerra. Após o fim do segundo conflito
mundial, o horário de verão ainda persistiu nas diferentes zonas de
ocupação da Alemanha, mas sem qualquer coordenação entre as
diferentes administrações regionais. O setor soviético de Berlim,
por exemplo, tinha um horário de verão dois meses mais longo que o
do restante da Alemanha.
Em
1950, os governos da Alemanha Ocidental e Oriental decidiram pela
extinção do mecanismo. O horário de verão só voltou a ser
usado nas duas Alemanhas em 1980, um ano depois do segundo
choque do petróleo, provocado pela revolução islâmica no Irã,
que reduziu a oferta de combustível no mundo. Depois desse episódio,
o horário de verão virou um mecanismo permanente também na
Alemanha reunificada e, mais tarde, na União Europeia.
Horário
de verão eterno
Além
da pesquisa divulgada no ano passado, uma enquete realizada pela
revista Der
Spiegel com
160 mil leitores em março deste ano apontou que 90% deles
rejeitam adiantar e atrasar os relógios todos os anos. Mas não há
consenso entre eles sobre o que fazer depois.Dois terços demonstram
que não são contra mais luz no fim do dia, mas sim contra a mudança
anual nos relógios. Eles querem que os ponteiros fiquem para
sempre adiantados em uma hora, em um horário de verão eterno. Já
o restante deseja que o "horário de inverno"
seja permanente.A discussão deve voltar renovada no próximo dia 29
de outubro, quando os alemães terão que atrasar seus relógios em
uma hora para marcar o fim de mais um horário de verão.”
Fonte: DW