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quarta-feira, 19 de junho de 2019

"Maconha já era usada há 2.500 anos, aponta estudo"

Pesquisadores chineses encontraram caules de maconha usados quase como um sudário em uma tumba no antigo

 Por Miguel Ángel Criado - EL PAÍS

O historiador da Grécia clássica Heródoto de Halicarnaso escreveu em suas Histórias o seguinte sobre os guerreiros da estepe: “Do mencionado cânhamo tomam, então, a semente os citas impuros e contaminados por algum enterro jogando-a aos punhados sobre as pedras penetradas pelo fogo, enquanto eles ficam dentro de sua estufa. A semente levanta uma fumaça cheirosa e desprende tanto vapor que não há estufa alguma entre os gregos que supere isso. Ao mesmo tempo, os citas gritam de prazer, como se estivessem se banhando em água de rosas e esta função lhes serve de banho, porque nunca se habituaram a tomar banho”. O estudo dos braseiros encontrados a leste da mítica Cítia confirma agora o que foi escrito há 2.450 anos pelo pai da história.

Em 2013, arqueólogos chineses desenterraram um cemitério em Jirzankal, no extremo oeste da China. Situado a mais de 3.000 metros de altitude, no planalto do Pamir, encontraram até agora mais de 30 tumbas. A datação por diferentes meios situa os enterros entre 2.560 e 2.370 anos. O cemitério, vinculado talvez ao zoroastrismo, tem várias peculiaridades: é formado por fileiras de pedras brancas e pretas alternadas. Nas tumbas, também cobertas por camadas circulares de pedras das duas cores, foram encontradas pequenas harpas, contas de vidro e, em uma dezena delas, pequenos braseiros de madeira, alguns com pedras queimadas, também em branco e preto.

Encontrados restos de cannabis em tumbas na Ásia Central com mais potência que as plantas silvestres




Aparentemente, e com exceção das pedras queimadas, dentro dos braseiros não havia nada. Mas uma olhada mais atenta na superfície interna e nos seixos descobriu a presença de restos orgânicos que não eram da madeira. Combinando duas técnicas de análise química (cromatografia gasosa e espectrometria de massa, GC-MS), os cientistas puderam estudar 20 miligramas de pó coletados nos braseiros e em várias pedras. Em todas as amostras identificaram a presença de canabinol (CBN), canabidiol (CBD) e canabiciclol (CBL), três componentes da maconha.

São as amostras mais antigas de cannabis fumada”, diz em um e-mail o pesquisador da Universidade da Academia de Ciências Chinesa e coautor do estudo, Yimin Yang. Os cachimbos só chegaram a esta região vindos da América muitos séculos depois, então a inalação da fumaça devia ser feita como Heródoto descreveu. Colocavam partes da planta no braseiro e sobre elas dispunham as pedras aquecidas no fogo até que a fumaça subisse. “Podemos dizer com alto grau de certeza que usavam a cannabis em algum tipo de ritual funerário”, comenta durante uma teleconferência o diretor do laboratório de paleoetnobotânica do Instituto Max Planck de Ciências da História Humana (IMPCHH) (Alemanha) e coautor do estudo, Robert Spengler.

Plantas de maconha da mesma época já haviam sido encontradas em sítios arqueológicos relativamente próximos. Em 2016, por exemplo, no cemitério de Jiayi, em um antigo oásis de caravanas, foi desenterrado um cadáver coberto com longos caules de maconha (ver fotografia). “Mas são de culturas diferentes. Enquanto o cemitério de Jiayi pertence à cultura subeixi, o de Jirzankal poderia estar relacionado com os citas”, diz Yang.

A ideia dominante entre os cientistas é que o cânhamo foi domesticado em grandes áreas da Ásia, mas para usos diferentes, há milênios. Existem referências de seu uso como alimento (suas sementes), para a obtenção de óleo e como fibra, em particular os caules, para confeccionar tecidos. Mas ainda não havia evidências claras de seu uso como substância psicoativa. “Do Pamir até a depressão de Turfan (onde está o cemitério de Jiayi), o cânhamo era muito popular para fins rituais, mas não há evidências de que os habitantes de Jiayi fumavam cannabis, assim, em ambos os cemitérios a usavam de forma diferente”, comenta Yang.

O estudo, publicado pela Science Advances, vai mais longe. A partir da análise das amostras, os pesquisadores concluíram que o composto mais presente é o canabinol. Trata-se de um produto da decomposição por oxidação do componente mais psicoativo da maconha, chamado tetrahidrocanabinol (THC). Entre as variedades silvestres, apenas algumas encontradas no Afeganistão contêm altos níveis de THC de forma natural, sendo o CBD (que não é psicotrópico e sim medicinal) o mais abundante na cannabis silvestre. No entanto, quase não encontraram sinal do CBD nos braseiros. Como os habitantes de Jirzankal conseguiam uma maconha mais potente? Acaso ou domesticação?

A planta do cânhamo foi domesticada há pelo menos 3.500 anos no leste da Ásia, provavelmente como uma oleaginosa”, lembra Spengler. Mas aqui o fizeram para fumar maconha. “Os seres humanos sempre buscaram plantas silvestres que pudessem ter efeitos no corpo humano, especialmente efeitos psicoativos”, acrescenta. Mas a domesticação no leste levou a um cânhamo com baixos níveis de THC. “O que deixa em aberto a questão de saber se havia uma variedade silvestre com altos níveis que os humanos de alguma forma descobriram ou se algum processo causou um aumento na produção desses produtos químicos na planta”, conclui Spengler.

A química da Universidade do País Basco Aresatz Usobiaga, não relacionada com o estudo, lembra que “as proporções dos diferentes canabinoides podem mudar de acordo com as condições ambientais, mesmo que sejam da mesma variedade”. É o que foi comprovado em vários experimentos de laboratório. E é o que os autores da pesquisa sugerem para o que pode ter acontecido em Jirzankal. A região tinha condições de altitude, baixas temperaturas relativas, disponibilidade de água e maior radiação ultravioleta que podem ter estressado as plantas que, em resposta, produziriam maiores concentrações de THC e, portanto, uma maconha mais potente.

A diretora do IMPCHH, Nicole Boivin, não acredita que os que foram enterrados em Jirzankal com essa maconha fossem citas como os descritos por Heródoto. Acredita que faziam parte de uma rede de comércio por toda a Eurásia que estava emergindo, uma primeira versão da rota da seda: “O que vemos em Jirzankal tem mais a ver com os processos de protoglobalização que acabaram conectando todo o mundo. Outras drogas e estimulantes viajaram mais tarde em rotas como esta, provocando a globalização do tabaco, do chá, do café e de outras drogas de uso cotidiano”.”
Fonte: El País

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