sábado, 30 de abril de 2022

"Analfabeto"

 
“É triste pensar que a Natureza fala e que o gênero humano não a ouve.”.

Victor Hugo

Caminhar ou fazer trilhas na natureza é uma de minhas paixões. Une duas coisas que aprecio muito: andar e o contato com a natureza. Quando entro em uma floresta, tenho a sensação de entrar em um local sagrado. Onde a vida pulsa em cada centímetro de terra, embaixo de cada pedra, em cada casca de árvore, em cada tronco caído. A consciência do poder da Vida e de sua beleza facilmente me levam a um estado de tranquilidade e contentamento. Um bosque é o meu templo.


Há poucas semanas iniciei o doutorado, o que me trouxe a Caxias do Sul. O dia é domingo, que amanheceu ensolarado. O Sol e o céu completamente azul me motivaram a alterar meus planos de passar o dia estudando. Decidi caminhar e aproveitar a beleza que o dia prometia.

Escolhi andar pelo campus da Universidade Caxias do Sul, para conhecer um pouco mais da Casa onde busco desenvolver mais minhas habilidades de aprendizado e ensino. À medida que caminho pelo campus, meu encantamento cresce. Há muitos bosques. Conhecia apenas o bosque que fica perto da biblioteca, talvez o local onde eu mais fiquei até o momento, e já tinha ficado feliz em estudar tão perto de árvores em profusão. Mas além deste bosque, há outros que ainda não tinha tido oportunidade de vislumbrar. O domingo ensolarado me deu este presente.

Além dos bosques, e lagos. E pássaros, muitos pássaros. Bancos estrategicamente espalhados convidam à contemplação, o descanso do corpo e da alma. Famílias que também aceitaram o convite do Sol andam despreocupadas, aproveitando o cenário calmo e apaziguador. Crianças levam seus pais para passear, tornando-as novamente crianças por algumas horas, permitindo a eles redescobrir o mundo pelos seus olhos infantis. A Vida pulsa.

Experimento um dos convidativos bancos. Uma árvore me empresta sua sombra, enquanto observo os peixes nadarem tranquilos no lago à minha frente.

Observo o que acontece à minha volta. Sei que cada movimento, cada ser que ali está tem algo a dizer. Mas não consigo entender. Mal sei o nome de algumas espécies de árvores ou plantas. Mal consigo identificá-las. Sou pior ainda em reconhecer alguns insetos ou animais.

Há árvores idosas, antigas, atentas espectadoras há várias gerações. Tornaram-se elas mesmas um pequeno ecossistema, onde dezenas de seres vivem em torno de sua existência, da firmeza de seu tronco, de sua sombra frondosa.

Há plantas que são comestíveis, e podem servir de alimento para aqueles que saibam ler o cardápio que oferecem ao mundo. Essas plantas tem até uma denominação: são chamadas de P.A.N.C.’s (Plantas Alimentícias Não-Convencionais), e além de generosas na quantidade de nutrientes, são hábeis em perfurar concretos das cidades e brotarem em literalmente tudo quanto é lugar. Mas não entendo sua linguagem, e cego e surdo aos seus apelos, não devoto a elas a atenção que deveriam.

Belos pássaros transitam livremente pelo ar. Tranquilos, pousam no solo à procura de alimento. Eles também têm muito a dizer. Mas não consigo entender o que querem nos comunicar.

Sempre gostei de ler e estudar. Desde que me entendo por gente que tenho algo com letras perto de mim. Ir à escola para mim nunca foi problema. Ao longo dos anos, à medida que eu pude investir meus próprios recursos em minha educação, a quantidade de diplomas e certificados apenas aumentou, estufando uma pasta no arquivo do meu escritório pessoal.

Tenho dezenas e dezenas de horas de estudo em várias áreas. Gosto de lidar com computadores, então trabalhar com eles é quase uma diversão. Falo três línguas. Mantenho uma rotina de estudos composta por vídeos e artigos facilmente acessados na grande rede de computadores.

E mesmo com toda esta formação – ou deformação, conforme o ponto de vista – basta eu entrar em um bosque que me sinto um completo analfabeto.

A Natureza é um livro aberto, esperando alguém para se encantar com as linhas de suas páginas de incontáveis tonalidades. Nosso lindo planeta azul é uma vasta biblioteca, com muita sabedoria e conhecimento para quem se dispuser a ler seus volumes, editados na terra, no ar, na água e no fogo.

Mas, de alguma forma, em algum momento, perdemos a conexão com esta biblioteca sem fim. Em algum momento, terceirizamos a leitura deste livro para máquinas ou a colocamos em segundo plano, atrás dos boletos, dos compromissos, do trabalho e da missão de “vencer na vida”. E queremos tanto vencer na vida que estamos destruindo a Vida.

Olho um bosque próximo, as belíssimas árvores enfeitadas para o Outono. Estranho constatar que queremos habitar outros planetas com tanta coisa ainda a aprender em nossa própria casa. Ainda não aprendemos a ouvir nossos co-habitantes, o que desejamos levar para outros planetas?

A ecologista Suzanne Simard afirma que “uma floresta é muito mais do que vocês veem”. Três décadas de estudos em florestas canadenses a levaram a uma constatação: as árvores conversam entre si. Trocam informações, aprendem juntas, compartilham nutrientes, enviam sinais de perigo. Sua língua talvez possa ser aprendida, mas segundo o biólogo George David Haskell, compreender que a Natureza está estruturada em uma rede é o primeiro passo para se entender o idioma das árvores.

Como será o grito de uma árvore ao ser queimada por a enxergarem como um reles pedaço de madeira e fibras? Como será o diálogo das árvores saudando uma nova muda que floresce entre as folhas caídas?

Meu olhar se desvia para a copa de algumas que se vestiram inteiramente de amarelo. Talvez a chave para se aprender a linguagem das árvores esteja na poesia, na música, na arte. Reconhecer sua beleza e sua capacidade única de sustentar a todos os demais seres. Talvez a primeira lição que temos que aprender com as árvores é que estamos todos tão conectados que basta reconhecer isto que conseguimos ouvi-las.

E então elas nos dirão o quanto cuidar dos outros é também cuidar de si mesmo. Que elas acumulam energia e recursos para que, em sua plena maturidade, conceder em abundância sem nada pedir em troca. Que o todo é muito maior que a soma de suas partes integrantes. 

Quando percebermos as lições que as árvores nos dão, aprenderemos então o real significado de Bondade.


Maurício Luz

Maurício Luz escreve a Coluna "Frases em Nosso Tempo", aos sábados para O Guardião da Montanha.

Ele é carioca e ganhou prêmios:

1º Belmiro Siqueira de Administração – em 1996, na categoria monografia, com o tema “O Cliente em Primeiro Lugar”. 

E o 2ºBelmiro Siqueira em 2008, com o tema “Desenvolvimento Sustentável: Desafios e Oportunidades Para a Ciência da Administração”..

Ex-integrante da Comissão de Desenvolvimento Sustentável do Conselho de Administração RJ. 

Com experiência em empresas como SmithKline Beecham (atual Glaxo SmithKline), Lojas Americanas e Petrobras Distribuidora, ocupando cargos de liderança de equipes voltadas ao atendimento ao cliente.

Maurício Luz é empresário, palestrante e Professor. Graduado em Administração de Empresas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1997). 

Mestre em Administração de Empresas pelo Ibmec (2005). Formação em Liderança por Condor Blanco Internacional (2012). 

Formação em Coach pela IFICCoach (2018). Certificado como Conscious Business Change Agent pelo Conscious Business Innerprise (2019). 

Atualmente em processo de certificação em consultor de Negócios Conscientes por Conscious Business Journey.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Sua opinião é sempre bem-vinda!