Ex-presidente Lula, candidato à presidência da República no Brasil |
Por ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER, CATIA SEABRA E VICTORIA AZEVEDO, Folha de S. Paulo
"A campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) divulgou uma carta a evangélicos nesta quarta-feira (19) durante encontro com representantes de igrejas simpáticos à sua candidatura, em São Paulo.
Nela, Lula volta a se dizer contra o aborto. Seu projeto de governo, afirma, "tem compromisso com a Vida plena em todas as suas fases", porque para ele "a vida é sagrada, obra das mãos do Criador".
"Sou pessoalmente contra o aborto e lembro a todos e todas que este não é um tema a ser decidido pelo Presidente da República e sim pelo Congresso."
"Em meio a este triste escândalo do uso da fé para fins eleitorais", Lula promete assumir "com vocês este compromisso: meu governo jamais vai usar símbolos de sua fé para fins político-partidários, respeitando as leis e as tradições que separam o Estado da igreja".
Nova sinalização à base conservadora veio no trecho em que diz entender "que o lar e a orientação dos pais são fundamentais na educação de seus filhos, cabendo à escola apoiá-los dialogando e respeitando os valores das famílias, sem a interferência do Estado".
Seria uma vacina contra a ideia de que a esquerda quer implantar uma suposta ideologia de gênero nas salas de aula.
O texto, lido por seu ex-chefe de gabinete, Gilberto Carvalho, cita o versículo "Dai a César o que é de César, dai a Deus o que é de Deus" para dizer que "a tentativa de uso político da fé para dividir os brasileiros não ajuda ninguém, nem ao Estado, nem às igrejas, porque afasta as pessoas da mensagem do Evangelho".
Reafirma que governou o país por oito anos mantendo "o mais absoluto respeito pelas liberdades coletivas e individuais, particularmente pela liberdade religiosa".
Nesse período, sancionou o Dia Nacional da Marcha para Jesus e a Lei da Liberdade Religiosa para garantir personalidade jurídica a igrejas, que deixaram de ser simples entidades de classe, como clubes de futebol.
A carta alerta sobre "um período em que mentiras passaram a ser usadas intensamente com o objetivo de provocar medo nas pessoas de boa fé e afastá-las do apoio a uma candidatura que justamente mais a defende".
Lula disse, em discurso após a leitura, que por anos teve que explicar que nem ele nem sua sucessora, Dilma Rousseff (PT), eram demônios, por que a bandeira do PT até por que tinha barba, "Jesus teve que se explicar a vida inteira, porque as dúvidas que se colocam em cima da gente é uma das armas para evitar que a gente possa exercer a tarefa de ganhar as eleições."
"Só pode ter saído da cabeça do satanás" que ele, pai, avô e bisavô, apoiaria banheiro unissex em colégios, disse. E ainda: "Família para mim é uma coisa sagrada".
Chamou Jair Bolsonaro (PL) de "psicopata mentiroso" e pediu a colaboração dos evangélicos na sala para conversar "com mais pessoas, sabendo que tem pessoas que não gostam da gente, saber quais dúvidas elas têm, convencer as pessoas porque eu não imaginava que as mentiras pelo celular tinham tanta força na internet".
Para Lula, "um pastor que mente" não pode ser chamado de pastor. "A pessoa pode querer escolher o Bolsonaro como presidente, não tem nenhum problema. Mas a pessoa não pode mentir. [...] Se o pastor quer fazer política, ele que vá para rua fazer política, ele não pode fazer na igreja. Não tire proveito do altar para fazer política, saia."
Voltou ao dia em que Bolsonaro disse que "pintou um clima" entre ele e adolescentes venezuelanas. A oposição tenta associar o episódio à pedofilia, algo negado pelo presidente. "Ele acordou uma hora da manhã para tentar se explicar à opinião pública. ele não tem respeito. Não tem respeito pela verdade, pelas famílias."
A carta é mais um aceno ao segmento, na tentativa de rechaçar notícias falsas disseminadas por apoiadores de Bolsonaro. A mais forte, reprise de uma fake news que o atinge desde 1989, é a de que ele quer fechar igrejas.
Ao lado de Lula e seu vice, Geraldo Alckmin (PSB), estavam Fernando Haddad, que disputa o governo paulista pelo PT, a deputada eleita Marina Silva (Rede-SP), ex-ministra que, nesta eleição, se reconciliou com o antigo chefe, e a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA). As duas são evangélicas.
Marina, "uma católica que quase foi freira" e que se converteu em 1997, elogiou a ideia da carta. "Interessante a ideia de assumir um compromisso de fazer aquilo que não fez", afirmou em relação à inverdade, espalhada por ex-aliados evangélicos, de que Lula acabará com templos se voltar ao poder.
A ex-senadora disse que pode até parecer ingênuo oferecer a outra face quando se é atacado, como Jesus fez segundo a Bíblia, mas recomenda isso. "Pra face da mentira, a verdade, pra face do ódio, o amor."
Para Eliziane, vivemos um "momento de claramente instrumentalização da fé, e isso é pecado". "O Evangelho da cruz é esse Evangelho que não divide a sociedade brasileira, não é o Evangelho que prega a tortura".
Alckmin lembrou que Martin Luther King, que mudou o mundo com sua luta pelos direitos dos negros americanos, era um pastor.
Benedita da Silva, o mais importante quadro evangélico do partido, definiu-se como "PTcostal". Num ponto ela concordou com bolsonaristas: vivemos "uma guerra espiritual, uma coisa desumana", ideia levantada com frequência pelos rivais.
O pastor Ariovaldo Ramos, veterano na esquerda evangélica, apontou que Lula "teve uma relação republicana com todas as religiões e atendeu o anseio de todos nós quando promulgou a Lei de Liberdade Religiosa no Brasil", em 2003.
A presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann (PR), disse ser "escandaloso" ver pastores "usando o tempo de televisão para inventar e mentir sobre coisas da esquerda".
Aava santiago, vereadora do PSDB em Goiânia, foi uma das mais aplaudidas. Da Assembleia de Deus, ela reforçou a necessidade de estar todos os dias na comunidade "dizendo que foi [Lula] quem fez o filho do crente passasse a ter três refeições por dia".
"Faço um apelo, porque crente gosta é disso": não permitam o sequestro da nossa fé", afirmou e acrescentou: "Prefiro mil vezes ser de uma igreja perseguida do que de uma igreja que persegue".
Na plateia, o cantor gospel Leonardo Gonçalves e os pastores Henrique Vieira e Ricardo Gondim eram algumas das caras conhecidas do evangelicalismo progressista, minoria nesse grupo cristão. O pastor Paulo Marcelo, que gravou peças para a campanha da Lula, e o bispo Romualdo Panceiro, ex-número 2 da Igreja Universal do Deus, também foi.
Nos bastidores, alguns questionavam se haveria tempo hábil para reverter a predileção por Bolsonaro nas igrejas. Também persistia um incômodo com acenos tímidos feitos ao segmento pelo petista, que já disse não gostar da ideia de misturar fé e política.
Enquanto o outro lado promove um tsunami bolsonarista em templos, o ex-presidente só esteve em um ato com evangélicos no primeiro turno, em São Gonçalo (RJ). Neste em São Paulo, não expandiu muito essa base -vários dos rostos são repetidos, e nenhum tem o alcance de um Silas Malafaia ou um José Wellington Bezerra da Costa, para citar três líderes que endossam o bolsonarismo.
O ex-presidente resistia à ideia de apresentar uma carta de compromissos a evangélicos, mas acabou convencido, segundo aliados.
É uma estratégia similar à que adotou em 2002, quando lançou uma Carta aos Evangélicos -versão religiosa da Carta ao Povo Brasileiro, o famoso documento divulgado para acalmar o mercado.
Ainda no primeiro turno, sua campanha preparou novo folheto, "É tempo de esperança, o Brasil tem jeito - o que os evangélicos realmente querem para o Brasil".
"Não é a primeira vez que fazemos carta aos evangélicos", disse Lula em sua fala. "Toda eleição há uma quantidade de mentiras nesse país que nós precisamos fazer carta ora pra Igreja Católica, ora pras igrejas evangélicas, ora outros setores."
Fonte: Folha de S. Paulo
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