domingo, 13 de fevereiro de 2022

"Bolsonaro é pressionado a abandonar discurso antivacina por sobrevivência eleitoral"

Bolsonaro refletindo: "como vou justificar com Trump  que prometi ser um negacionista" - 

    Foto: Evaristo Sá/AFP


Por JULIA CHAIB, MARIANNA HOLANDA E IDIANA TOMAZELLI - Folha de S.Paulo 

"A oito meses da eleição, o presidente Jair Bolsonaro (PL) tem sido pressionado por ministros e aliados a abandonar o discurso antivacina. Mais do que isso: pessoas próximas ao mandatário querem que ele se vacine e exalte feitos do governo que possibilitaram a imunização da população. 

Aliados dizem acreditar que a condução do governo na pandemia é o principal obstáculo do chefe do Executivo em busca da recondução ao Palácio do Planalto. A aposta será tentar humanizar o presidente nos próximos meses. 

Em dois anos, o Brasil ultrapassou a marca de 650 mil mortos pela Covid-19. 

Auxiliares próximos tentam convencê-lo de que ele já deu publicidade às suas dúvidas quanto à eficácia da vacina, principalmente em relação às crianças. Portanto, para eles, agora Bolsonaro deveria parar de trazer o assunto à tona. 

Até o ministro Paulo Guedes (Economia), que não é da área política do governo, fez um apelo. Ele disse ao mandatário que pararia de reclamar em público de propostas de reajustes para servidores públicos se Bolsonaro encerrasse as críticas à vacinação. 

O cálculo é eleitoral. A vacina, ao contrário do discurso do presidente, teve ampla adesão na sociedade. Cerca de 70% da população brasileira já completou o esquema vacinal. 

Em entrevista ao jornal O Globo, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que coordena a campanha do pai, afirmou que o discurso a respeito da vacina trouxe desgastes para Bolsonaro. 

Apesar dos apelos, o presidente costuma ter uma postura reativa sempre que o assunto aparece. Pessoas próximas dizem que ele se mostra impassível e até irritado quando levantam o tema. 

Segundo relatos, já teria chegado a ele números que mostram um alto percentual de seus eleitores favoráveis à vacinação. Auxiliares avaliam que há um descompasso entre o que o governo tem feito e o que o presidente tem dito. 

Apesar do posicionamento antivacina de Bolsonaro, sua administração já comprou mais de 500 milhões de doses, de acordo com informações do Ministério da Saúde. 

Quem defende o silêncio de Bolsonaro nesse tema diz acreditar que este é o melhor cenário, diante da dificuldade do presidente em defender o imunizante, cuja eficácia já foi amplamente comprovada. 

Outra ala mais pragmática de seus aliados condiciona qualquer possibilidade de sucesso eleitoral à adesão do presidente à campanha de vacinação. 

O chefe do Executivo tem amplo histórico de declarações críticas aos imunizantes, protagonizou disputa política com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), por causa da Coronavac, e o seu então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, ignorou ofertas da Pfizer por meses. 

Em dezembro e janeiro, Bolsonaro mirou a vacinação de crianças. Assim como ele não tomou o imunizante, disse que não levaria sua filha mais nova, Laura, 11, para se vacinar. 

Ele chegou a protagonizar um novo embate com o diretor da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Antonio Barra Torres, ao indicar que a agência teria interesse na aprovação da vacina para crianças de 5 a 11 anos. 

"Então a vacina --pai e mãe, você que tem filhos de 5 a 11 anos de idade-- é não obrigatória. Eu adianto a minha posição: a minha filha de 11 anos não será vacinada", declarou o presidente. 

No último mês, o presidente tem modulado um pouco o discurso. A estratégia é dizer que todas as vacinas foram compradas pelo governo federal, mas que a aplicação não é obrigatória. 

Em evento no Nordeste nesta semana, Bolsonaro focou esse ponto. "O governo sempre esteve ao lado de vocês. No tocante à vacina para a Covid, toda e qualquer vacina foi comprada pelo governo federal. E nós disponibilizamos a vocês, de forma não obrigatória." 

"Cada um que fizesse seu juízo e tomasse ou não sua vacina. É um direito de cada um de vocês. Jamais o governo federal vai exigir de vocês passaporte vacinal", disse. 

Outro ponto levantado por seus aliados para defender o governo da acusação de má gestão da pandemia é dizer que não houve corrupção envolvendo a compra das vacinas, mesmo após uma dura CPI da Covid. 

No começo de fevereiro, a ministra do STF (Supremo Tribunal Federal) Rosa Weber enviou à PGR (Procuradoria-Geral da República) a conclusão da Polícia Federal de que o presidente não prevaricou no caso da Covaxin. A expectativa é que o caso seja arquivado. 

A suspeita recaía em Bolsonaro por causa do episódio em que foi avisado pelo deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) e pelo seu irmão, o servidor Luis Ricardo Miranda, de supostas irregularidades na compra da Covaxin, negociada com a intermediação da Precisa Medicamentos. 

O delegado da PF entendeu que não era atribuição do presidente comunicar supostas irregularidades a órgãos de controle. 

Além de o discurso antivacina do presidente prejudicá-lo eleitoralmente, há uma expectativa entre seus aliados de que vire munição contra candidatos nos estados. 

Ainda que a maioria dos seus ministros que devem disputar cargos públicos tenha se vacinado e defendido publicamente a vacinação, eles dizem acreditar que as críticas também vão respingar em suas campanhas. 

Uma das principais preocupações do entorno de Bolsonaro hoje é, portanto, humanizá-lo. 

Como apontou um interlocutor de seu grupo político, ele mostra mais solidariedade às vítimas de eventuais complicações advindas do imunizante do que aos mortos pelo vírus --o que é estatisticamente incomparável. 

Pesquisas mostram que o presidente tem perdido votos especialmente em parcela do eleitorado feminino. Recentemente, ele próprio reconheceu isso e disse que "a maioria [das mulheres] vota na esquerda". 

"Se há reação por parte das mulheres [a ele], faz uma visitinha em Pacaraima, Boa Vista, nos abrigos, e vê como é que estão as mulheres fugindo do paraíso socialista defendido pelo PT", disse o presidente. 

Bolsonaro coleciona declarações polêmicas e rejeição com essa parcela do eleitorado. Em 2018, foi alvo de manifestações do movimento #EleNão. 

O presidente já se referiu à sua filha Laura como "fraquejada". Ele se tornou réu no STF por ser acusado de incitar estupro contra a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS). 

A ação foi suspensa em 2019 pelo ministro Luiz Fux, que citou que um presidente, no exercício do mandato, não pode ser processado por atos alheios à atuação."

Fonte: Folha de S. Paulo                     

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Sua opinião é sempre bem-vinda!