Terminal Central de Poços Caldas |
Por Tiago Mafra
"Os espaços urbanos constituem locais de vivência e cooperação entre as pessoas e os setores da economia. Nesses espaços ocorre a vida, o trabalho e o convívio entre os munícipes. O lazer, a cultura, o comércio e os ambientes de encontro são espalhados pela cidade e podem ser acessados de acordo com a capacidade de locomoção dos que vivem nela. Quem se desloca, acessa. Quem não consegue, restringe sua vivência, seus contatos e suas experiências. Como produzem riqueza e a própria cidade, trabalhadoras e trabalhadores deveriam ter direito a acessar tudo aquilo que ela tem a oferecer.
Para uma parcela significativa da população, que não dispõe de transporte individual, o transporte coletivo é a forma de deslocamento principal para o trabalho, em especial, mas também para as outras demandas do dia a dia. Assim, a título de exemplo, tendo como base uma família média brasileira, com 4 pessoas, dois adultos e duas crianças, que no transporte seriam pagantes, com tarifa de R$ 5,60, um deslocamento bairro-centro custaria ida e volta, R$ 44,40, correspondente a 3% de um salário mínimo sem qualquer gasto adicional com alimento ou acesso a locais como bares, restaurantes ou shoppings, somente o transporte. Na inviabilidade financeira, de custear o deslocamento, o acesso à cidade e às atividades nela contidas fica restringido pela condição salarial.
Em Poços de Caldas sempre houve, desde 2005 pelo menos, um questionamento frontal à ausência de fiscalização quanto aos serviços de transporte público coletivo prestado pelas empresas pertencentes a uma mesma família há mais de 40 anos. Enquanto atividade realizada sob concessão pública, cabe à Prefeitura Municipal, conduzir, fiscalizar e orientar a prestação do serviço no município. Porém, historicamente, a impressão popular é de que as empresas conduzem a atividade enquanto a administração pública não assume sua responsabilidade. O serviço é público, mas o que rege essencialmente as decisões, são as margens de lucro contratualmente previstas.
Durante algum tempo, muito se falou sobre a necessidade de mais de uma empresa operar o serviço de transporte público sob concessão na cidade, mas a compreensão do cenário fez com que, com um olhar mais atento, a cobrança voltasse à fiscalização, não à concorrência. Porque pode haver duas ou mais empresas, se a prefeitura não fiscalizar nenhuma, a dinâmica sistêmica pautada na garantia do lucro fará com que se estabeleça preços similares sem controle público.
Durante a pandemia, frente à queda na circulação de trabalhadores, houve redução de linhas e horários disponíveis. E mesmo após a flexibilização das medidas sanitárias, retomada das atividades econômicas e troca da empresa prestadora de serviço (em que pese permanecer a mesma família, apesar da troca de CNPJ), a retração de oferta de linhas e horários se manteve: menos ônibus, mais espera, preço alto e qualidade questionável.
Sempre as mesmas justificativas, de custo de insumos e custo operacional. Além disso, as empresas sempre alegaram e alegam, queda no número de usuários, devido a crescimento de transporte irregular ou excesso de gratuidades. Como a prefeitura não consegue conferir os dados apresentados, pois não fiscaliza efetivamente os serviços, não verifica ou mesmo contrapõe as informações que sustentam os valores da tarifa, em especial o IPK (Índice de Passageiro por Quilômetro).
Utilizando o exemplo do dia da eleição de 2022, quando houve gratuidade no transporte público, em informação prestada à Câmara Municipal (requerimento 1904/2002), houve o deslocamento via transporte público coletivo de pouco mais de 18 mil pessoas, com tarifa já a R$5,60, a um custo para os cofres públicos de 100 mil reais.
Num cenário ideal, teríamos a tarifa zero, todos os dias da semana, garantindo direito de acesso ao trabalho, saúde, lazer e cultura em todos os espaços da cidade. Enquanto não se alcança tal ideal, o possível torna-se um horizonte. A tarifa zero aos sábados e domingos, custaria cerca de 200 mil por fim de semana, 800 mil ao mês e 9,6 milhões ao ano. Uma tarifa social (50%) aos fins de semana, ficaria próximo a 5 milhões de reais/ano.
Apesar de poder ser inicialmente criticada, como medida geradora de ônus, uma tarifa social aos fins de semana com vistas a uma tarifa zero num futuro não tão distante, garantiria alguns benefícios:
Fomento ao uso do transporte público;
Redução do transporte individual, com menos trânsito e engarrafamentos;
Investimento indireto no comércio e setor cultural/artístico local, com consequente aumento de arrecadação de ISSQN;
Possibilitar a ampliação dos espaços de vivência e circulação das pessoas para além de seus territórios.
Essa conta inicial demonstra a exequibilidade de uma proposta em um município com 170 mil habitantes, com orçamento anual de R$1 bilhão, que em seu custo representa 1% do orçamento para tarifa zero aos fins de semana e 0,5% do orçamento para tarifa social aos fins de semana. E tudo isso considerando, valores de tarifa a R$5,60, em que pese a redução do preço médio do diesel de R$7,47 (agosto/2022) para R$5,10 (junho/2023). Outro elemento importante é pensar que esse tipo de serviço afeta positiva e diretamente a população mais pobre, a grande maioria da classe trabalhadora dependente de transporte público coletivo.
É uma medida extremamente positiva, com potencial de melhorar a qualidade de vida, o comércio local, a arrecadação, o direito ao acesso à cidade e a melhora das condições de mobilidade. Exige planejamento e atenção frente ao crescimento de demanda e de infraestrutura que se segue após a aplicação. E carece de vontade política para atender interesses que não são os das construtoras, empreiteiras, especuladores, grandes comerciantes e elites locais.
Em suma, depende de planejamento, vontade política, princípios públicos e populares."
Tiago Mafra |
Tiago Mafra é professor de Geografia da rede pública municipal de ensino e no pré-vestibular comunitário Educafro desde 2009. Brigadista de Solidariedade a Cuba (2011), Especialista em Filosofia (2011) e em Políticas Públicas para Igualdade (2018), Mestre em Educação (2019), Doutorando em Educação. Secretário Geral do PT de Poços de Caldas.
Email: tiago.fidel@yahoo.com.br
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