segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Combate à obesidade pode ser fatal em pacientes com câncer



Um terço dos pacientes com câncer não morre do câncer - eles morrem devido a um processo de "queima de gordura" frequentemente relacionado à obesidade.

Esse processo é denominado caquexia.

Ocorre que o que é bom na luta contra a obesidade pode ser fatal na luta contra o câncer.

O que é Caquexia
A maioria dos pesquisadores de câncer está trabalhando sobre a biologia dos tumores. No entanto, Michele Petruzzelli e seus colegas do Centro Nacional de Pesquisas Oncológicas (CNIO - Espanha) está à procura de maneiras de atacar a doença de forma indireta. A equipe então se concentrou nos efeitos dos tumores para o resto do corpo - e não no próprio tumor.

Eles chegaram então à caquexia - uma magreza e fraqueza extremas, que eventualmente se torna a verdadeira causa da morte de um terço dos pacientes com câncer.

Gordura branca e gordura marrom
A caquexia é desencadeada por um processo que é muito estudado não para combater o câncer, mas para combater a obesidade: a conversão de tecido adiposo branco em tecido adiposo marrom.
"É a primeira vez que este fenômeno que poderíamos chamar de queima de gordura é associado a um efeito negativo," diz o Dr. Erwin Wagner, membro da equipe.
"O que observamos é que a transformação da gordura branca em gordura marrom, atualmente um dos temas mais pesquisados por causa de seus potenciais efeitos [benéficos] sobre a obesidade e o diabetes, tem consequências muito graves no contexto do câncer," acrescentou.

Os pesquisadores também afirmam que, se for possível reduzir a transformação do tecido adiposo, os sintomas da caquexia melhoram, embora eles não desapareçam completamente.

"Inibir a conversão da gordura branca em gordura marrom é, portanto, uma forma promissora de melhorar a caquexia nos pacientes com câncer," afirmam os autores em seu artigo, publicado na revista Cell Metabolism.

Bom e ruim para quem?
A importância do processo de transformação de gordura branca em gordura marrom nos seres humanos só foi descoberta há cerca de dois anos. 

A maior parte da gordura nos seres humanos adultos é branca - tecido adiposo branco - e uma de suas funções, mas não a única, é armazenar energia, eventualmente formando os indesejáveis pneuzinhos na cintura.

Frio converte gordura ruim em gordura boa
A gordura marrom, no entanto, é queimada para produzir calor - esta é a gordura dos bebês e dos animais que entram em hibernação.
No contexto da atual epidemia de obesidade, a gordura branca tem sido rotulada como "gordura ruim", enquanto a gordura marrom tem sido saudada como "gordura boa".

Contudo, embora a equipe não discuta as vantagens e desvantagens de cada tipo de gordura em seu artigo, eles destacam que um processo que deveria ser reforçado para combater a obesidade, deve ser combatido nos pacientes com câncer.

Assim, começa a ocorrer precocemente no tocante às gorduras o mesmo que ocorreu com os rótulos de "colesterol bom" e "colesterol ruim"

A difícil luta contra a caquexia

A caquexia é uma complicação comum entre portadores de doenças crônicas, como câncer, AIDS, insuficiência cardíaca e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC).

Ela se caracteriza por uma perda de pelo menos 5% do peso corporal, acompanhada de atrofia do tecido muscular e adiposo, fadiga, fraqueza e, frequentemente, perda de apetite.

"O avanço no tratamento da AIDS e da insuficiência cardíaca tem conseguido evitar que os pacientes se tornem caquéticos. Mas a síndrome ainda é comum entre portadores de câncer, principalmente de tumores no sistema gastrointestinal. A incidência chega a 80% nos casos de câncer de pâncreas. E, quando o paciente desenvolve caquexia, torna-se refratário aos tratamentos convencionais contra o câncer," explica Miguel Luiz Batista Júnior.

Miguel, que é pesquisador da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC), está fazendo avanços importantes na compreensão, diagnóstico e tratamento dessa síndrome em colaboração com colegas da Universidade de São Paulo (USP).
Caos metabólico
Segundo o Dr. Miguel, os cientistas ainda não sabem como começa e como progride o caos metabólico que resulta na redução progressiva da massa corpórea.
Sabe-se que há fatores inflamatórios envolvidos e que, quando a perda ultrapassa 10% do peso, torna-se praticamente irreversível, sendo muitas vezes a causa da morte dos pacientes oncológicos.

Em experimentos em cobaias, a equipe descobriu que, durante o desenvolvimento da caquexia, o tecido adiposo sofre um processo de remodelamento. Há uma redução no número de adipócitos e um aumento na matriz extracelular, que dá sustentação ao tecido.

Há ainda aumento da lipólise e de células inflamatórias, além de maior liberação de adipocinas (hormônios produzidos nos adipócitos) e ácidos graxos para o organismo, o que parece ser o gatilho do caos metabólico que acaba resultando na caquexia.

Os pesquisadores agora estão estudando o tecido muscular dos pacientes para ver as alterações provocadas pela síndrome. "Alguns estudos anteriores sugeriam que o tecido muscular seria afetado antes do adiposo, mas nossos dados sugerem o contrário", disse.

Eles estão também testando o efeito de drogas experimentais e de exercícios físicos no controle da caquexia.
"Percebemos que todos os marcadores inflamatórios são reduzidos após o período de treinamento e ficam próximos dos níveis normais. Além disso, há melhora no apetite e o paciente para de perder peso", disse Miguel.

Dados preliminares sugerem que o tratamento não apenas evita a perda de massa muscular nos animais com câncer induzido, como também reduz a perda de massa gorda, aumenta a sobrevida em mais de 30% e diminui o crescimento do tumor em mais de 45%.

Frio converte gordura ruim em gordura boa

Cientistas do Instituto de Tecnologia de Zurique (Suíça) demonstraram pela primeira vez que as células de gordura marrom (gordura boa) e as células de gordura branca (gordura ruim) podem ser convertidas de um tipo de célula para a outra.
Isso não apenas desafia as teorias atuais sobre os dois tipos principais de gordura presentes no organismo, como abre uma rota totalmente nova para o combate à obesidade.
O corpo humano possui vários tipos de tecidos adiposos, ou gorduras: gordura branca, que pode se acumular, levando à obesidade, a gordura marrom, ou gordura boa", e a gordura bege.
O novo estudo fornece novas importantes informações sobre a origem das células de gordura marrom, hoje considerada um pré-requisito para o desenvolvimento de terapias anti-obesidade bem-sucedidas.

Energia e calor
As células de gordura branca funcionam principalmente como armazenadoras de energia, depósitos que são enchidos em tempos de abundância de calorias. A gordura é armazenada sob a forma de gotículas de lipídios, que são usados quando o corpo precisa de energia.

Com uma função diametralmente oposta estão os chamados adipócitos marrons - estas células são especializadas na queima de energia sob a forma de gordura e açúcar para produzir calor.

Por exemplo, os recém-nascidos possuem quantidades significativas de gordura marrom, utilizando-a para manter a temperatura corporal.

Como foi demonstrado recentemente que humanos adultos também possuem adipócitos marrons, a pesquisa centrou-se na compreensão de como os adipócitos marrons são formados na idade adulta.

O objetivo final desses esforços é aumentar a quantidade e a atividade dos adipócitos marrons em pessoas obesas, permitindo que elas queimem o excesso de calorias e, portanto, reduzam o peso.

Proteção contra o frio
Sabe-se que os seres humanos - assim como os animais de laboratório - podem se adaptar a baixas temperaturas, formando células de gordura marrom dentro dos seus depósitos de gordura branca.

Essas células convertidas são mais comuns em pessoas que vivem em climas frios do que em pessoas que vivem em climas quentes. No entanto, a origem desses adipócitos marrons especiais vinha sendo matéria de debates.

Os cientistas fizeram então experimentos com animais de laboratório demonstrando a conversão de adipócitos brancos em marrons quando as cobaias eram submetidas a temperaturas frias durante um período.

Quando elas retornaram para a temperatura ambiente, a mudança se reverteu, e a gordura marrom, não mais necessária para proteger o corpo do frio, voltou a se transformar em gordura branca.
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"As terapias anti-obesidade atuais focam-se no lado da ingestão de energia, controlando o apetite e a absorção de nutrientes", diz o Dr. Christian Wolfrum, coordenador do estudo.

"Os tratamentos farmacológicos que estão disponíveis não são muito eficientes, e geralmente estão associados a efeitos colaterais. Por outro lado, esta nova abordagem para tratar a obesidade teria como alvo o outro lado da equação, o gasto de energia, promovendo a formação de gordura marrom," concluiu.

Fonte:Agência Fapesp / Diário da Saúde

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