Por Tiago Mafra
"A saúde sempre figura entre os setores mais importantes da administração pública, além de ser também um dos que mais sofre com as críticas, falta de recursos ou problemas de gerenciamento. A perspectiva da retomada do programa Mais Médicos é uma grande notícia num cenário de queda de qualidade de vida e poder de compra dos trabalhadores, questões que afetam diretamente sua capacidade de consumo, alimentação e saúde.
O Sistema Único de Saúde (SUS), pensado como política universal e gratuita, é a garantia de acesso à esse serviço como direito, cobrindo desde o atendimento elementar e acompanhamento nos territórios de vivência, através principalmente das Unidades Básicas de Saúde (UBS), até serviços de maior complexidade, em hospitais de maior porte, de atendimento específico ou regionalizado.
As Unidades Básicas de Saúde (UBS), porta de entrada do sistema, são meios de garantir o atendimento e acompanhamento da população nos próprios locais de moradia, por meio de tratamentos e ações preventivas, que resultam em menor quantidade de adoecidos, redução de agravamento de doenças e um filtro para que não haja sobrecarga nos hospitais, nas unidades de prontos atendimento e nas estruturas hospitalares de maior complexidade.
Nessa lógica, o programa Mais Médicos supriu e suprirá, caso retomado, a lacuna quanto ao material humano e técnico necessário em localidades em que muitos não querem estar: as periferias e rincões, onde a desigualdade é maior e a demanda por saúde, por consequência, mais emergente. Muitos profissionais da área, em especial médicos, não atuam nesses territórios por entenderem a saúde sem ser pelo viés de serviço público e de direito, mas como forma de ganhar dinheiro.
Obviamente que somente esse programa não resolve os gargalos, mas é uma das estratégias essenciais para garantir articulação e integração aos serviços dentro da saúde. A qualidade do que a população recebe depende da forma de gestão, financiamento e política adotada. Em Poços de Caldas, por exemplo, de 2003 a 2015, durante o período em que o orçamento federal da saúde saiu de 64 bilhões de reais para 103 bilhões de reais, o município recebeu a implantação do SAMU, Farmácia Popular, UPA, Mais Médicos, reformas das unidades básicas de saúde, além da ampliação das equipes de saúde da família.
Tais elementos colocaram Poços de Caldas em primeiro lugar no estudo “Municípios com a mais completa estrutura de Serviços de Saúde e a mais alta efetividade” , publicado pelo governo do Estado de Minas Gerais em 2019, com dados referentes aos anos de 2010 a 2015.
A situação, infelizmente, parece não se manter. Mesmo com toda a estrutura e pessoal qualificados, um elemento crucial tem pesado no município: a gestão. E isso se evidencia nas constantes reclamações quanto à demora de consultas, à lentidão nas cirurgias eletivas, ao desmonte do IST-AIDS, às frequentes superlotações ou permanências indevidas na UPA de pacientes que demandam leitos em hospitais, nas possíveis irregularidades quanto à horas extras, folhas de ponto e falhas de fiscalização e contratação de serviços terceirizados, como é o caso mais recente envolvendo uma empresa de vigilância eletrônica para os prédios públicos do setor. Importante ressaltar que hoje já está em andamento na Câmara Municipal, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Saúde.
No site da Câmara Municipal consta: “A Comissão Parlamentar de Inquérito investiga os seguintes fatos: contratos firmados pelo município com empresas de serviços médicos; a realização de consultas e procedimentos médicos em volume e carga horária superior às 24 (vinte e quatro) horas diárias; o pagamento de horas extras a médicos e servidores públicos na área da saúde municipal; a ocupação de cargos, empregos e funções públicas por pessoas com cargos, empregos, funções ou outras condições pessoais incompatíveis com o serviço público, na área da saúde municipal; ocupantes de cargo, emprego ou função públicas que desempenham atividades profissionais paralelas, incompatíveis com a carga horária do cargo, emprego ou função públicas para o qual foram designados; o emprego de verbas da COVID-19 em áreas, setores ou destinos diversos de sua aplicação obrigatória por força de lei.”
Se comprovadas tais hipóteses levantadas na CPI, é a efetiva demonstração de que, infelizmente, da mesma forma que ocorre em várias partes do Brasil e não apenas nos setores de saúde e promoção da qualidade de vida da população, o bem público é usado para drenar recursos para fins particulares. É uma verdadeira apropriação, ao modo Robin Hood às avessas: se tira dos pobres para colocar no bolso dos ricos. O mais perverso dessa lógica, é que a classe trabalhadora é penalizada duas vezes, ao não ter o acesso à saúde de qualidade e ao ser empurrada para o setor privado dos planos de saúde, muitas vezes conduzido pelos mesmos ou seus associados, que sabotam o SUS nos municípios.
Frente a tudo isso, a retomada dos Mais Médicos é um alento num cenário tão decadente. É também um suspiro e um indicativo de que ainda é possível fazer política pública séria, aplicando corretamente e de forma sistemática o recurso público, tendo o bem-estar da população como foco e não a saúde como mercadoria."
Tiago Mafra é professor de Geografia da rede pública municipal de ensino e no pré-vestibular comunitário Educafro desde 2009. Brigadista de Solidariedade a Cuba (2011), Especialista em Filosofia (2011) e em Políticas Públicas para Igualdade (2018), Mestre em Educação (2019). Secretário Geral do PT de Poços de Caldas. E-mail: tiago.fidel@yahoo.com.br
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