Chile |
"Se há oito meses não se falava em outra coisa no Chile, agora o assunto eleição não entra nem no debate. O país volta às urnas neste domingo (7) em clima de cansaço para eleger, de novo, um conselho que vai redigir uma nova Constituição, após ter rejeitado uma primeira versão do texto em setembro.
Os chilenos votaram tanto que podem ter perdido as contas. Na soma de pleitos municipal, estadual e presidencial, além de primárias e plebiscitos, esta é a sétima vez que eles vão às urnas em dois anos.
"A gente sabe que tem de votar, mas não é como na primeira vez, que havia todo aquele fervor", afirma Marco Antonio Martínez, 35, engenheiro comercial que vive em Santiago.
Uma vez eleito, o grupo de 50 homens e mulheres --em sua maioria políticos-- vai receber em junho um pré-projeto que está sendo escrito por 24 especialistas --em sua maioria juristas-- e debatê-lo até outubro. Após alguns trâmites, a Carta passará por um novo plebiscito em dezembro.
Dessa vez, a votação, obrigatória, é vista como uma régua da popularidade do presidente Gabriel Boric, desgastado pelo fracasso da última tentativa e por outras derrotas políticas. O pleito também vai medir o fortalecimento da direita, impulsionada por crises recentes na economia e na segurança.
"O primeiro processo eleitoral aconteceu numa época em que a população pedia mudanças profundas, na Previdência, na saúde, no reconhecimento de direitos das minorias. Agora, o chileno quer ordem e segurança", diz o cientista político Gabriel Gaspar, ex-embaixador e ex-subsecretário de Defesa de Boric.
Depois de uma década de estabilidade, o país vive retração econômica, com alta da inflação, da pobreza e da informalidade. Também passa por uma crise migratória, com a chegada de venezuelanos e peruanos.
Tudo isso contribui para o clima da votação deste domingo, ainda que o motivo seja "tirar a última mochila pesada da ditadura" de Augusto Pinochet (1973-1990), diz o cientista político Carlos Meléndez, da Universidade Diego Portales. A Constituição que se quer derrubar foi criada em 1980, durante o regime.
A demanda por uma nova Carta Magna começou no final de 2019, com o que ficou conhecido como "estallido social": protestos em massa que tiveram como gatilho o aumento do valor da passagem de metrô. Algo parecido com os atos de junho de 2013 no Brasil, só que mais extenso e violento. Um ano depois, 78% da população apontou em plebiscito voluntário que queria um novo texto.
Boric assumiu a Presidência prometendo a mudança, mas viu o projeto fracassar e se distanciou do debate. A última versão do texto, com quase 400 artigos e conduzida por uma Assembleia Constituinte composta por 154 pessoas, em sua maioria cidadãos comuns, foi rejeitada por 62% da população.
Agora, os chilenos terão que escolher um único nome entre mais de 350, divididos em cinco principais listas: Unidad para Chile (governista, mais à esquerda), Todo por Chile (centro-esquerda), Partido de la Gente (mais à direita), Chile Seguro (direita tradicional) e o Partido Republicano (ultradireita).
A expectativa é que a maioria dos eleitos seja de direita. "O movimento que permeou o primeiro processo constitucional foi de esquerda. Agora, o pêndulo foi para o outro lado, com um discurso mais atrativo em temas como insegurança e instabilidade econômica", diz Esteban Montoya, ex-assessor de Piñera.
Desta vez, o conselho será mais político, não tão independente, para evitar traumas da última Constituinte, marcada por inexperiência e desordem, e o grupo eleito terá de seguir 12 princípios já acordados no texto em elaboração, entre os quais a constatação de que o Chile é uma república democrática, com um Estado unitário, descentralizado e formado pelos Três Poderes. Também já é consenso que o Banco Central, a Justiça Eleitoral, o Ministério Público e a Controladoria são independentes.
Mas o debate programático não foi o foco dessa campanha eleitoral, ocorrida em apenas duas semanas e concentrada nas redes sociais. "Não houve grandes deliberações, foi mais identitária. A esquerda tentando mais presença do Estado, e a direita querendo que o texto se pareça o máximo possível com o atual, baseado numa economia de mercado", afirma o professor Meléndez.
O que está em jogo é a última oportunidade de mudar a Constituição a curto prazo. "Se essa proposta for rejeitada, provavelmente não faremos outra tão cedo. Um país que está constantemente discutindo sua Constituição gera incertezas, afeta investimentos e mina políticas públicas a longo prazo", diz Montoya."
A REFORMA CONSTITUCIONAL DO CHILE
- Out-nov.19 Protestos em massa pedem mudanças profundas no país
- Out.20 Em plebiscito, 78% dos chilenos dizem querer nova Constituição
- Mar.21 Gabriel Boric assume a Presidência no lugar de Sebastián Piñera
- Mai.21 População elege Assembleia Constituinte, com 154 cidadãos
- Set.22 Texto apresentado é rejeitado por 62% dos chilenos em plebiscito
Próximos passos
- 7.mai Chilenos elegem novo conselho para discutir a proposta de Constituição, com 50 políticos
- 7.jun Conselho começa a discutir pré-projeto elaborado por especialistas
- 7.out Conselho entrega proposta para revisão de uma comissão
- 7.nov Texto é finalizado com todas as revisões discutidas
- 17.dez Novo plebiscito aprova ou rejeita a nova Constituição.
Fonte: Folha de S. Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sua opinião é sempre bem-vinda!