A
catástrofe causada pelo rompimento das barragens de rejeito de
minério em Mariana, em Minas, expôs a precariedade na fiscalização
e nos programas de riscos e danos relacionados a essas estruturas
instaladas no Brasil. A falta de monitoramento e de recursos humanos
e financeiros para as vistorias tem, há cinco anos, levado ao
descumprimento da lei que trata especificamente desse tema, uma
situação que já era de conhecimento do governo.
Neste
ano, a Agência Nacional de Águas (ANA) traçou um panorama dessas
estruturas no País em seu "Relatório de Segurança de
Barragens", documento que reúne dados coletados entre outubro
de 2013 e setembro de 2014. Os números mostram que o Brasil tem
14.966 barragens, entre reservatórios usados para abastecimento
humano, geração de energia e armazenamento de rejeitos industriais
e minerais. De todas elas, apenas 432 passaram por alguma vistoria no
ano passado.O cenário é ainda mais crítico quando se constata que
somente 165 barragens de todo o País têm um Plano de Ação de
Emergência (15%) - pela lei, no entanto, pelo menos 1.129 são
obrigadas a apresentar esse instrumento de prevenção.
O pescador Eli da Silva Soares, o Paco,
de 38 anos, percorre com cautela parte da região afetada e tem olhos
aguçados para apontar de longe peixes que agora flutuam mortos na
superfície do rio
ES decide multar Samarco por danos causados por lama
Vale envia água com querosene para moradores
De perto, é mal
cheirosa e, mesmo distante mais de 230 quilômetros do ponto do
rompimento das barragens, carrega pedaços de árvore e detritos
arrancados durante o trajeto.
No passeio pelo
cenário sem vida, não é preciso perguntar nada para ouvir de Paco
e de suas irmãs Elaine, de 36, e Eliane da Silva, de 39 anos, os
relatos da falta de esperança pela recuperação da área.
O serralheiro
Gilson Felipe de Rezende, de 42 anos, cuida de cerca de 15 cabeças
de gado em um pequeno pasto na margem do Rio do Carmo, na cidade
mineira de Barra Longa. É uma área de menos de 1 hectare, que até
então tinha como vantagem justamente o rio, fonte farta de água
para o gado.
Está a exatos 71
quilômetros de distância do ponto em que as barragens da mineradora
Samarco romperam. E está encoberto de barro.
.
Mesmo a essa
distância, a lama foi capaz de formar, ali, uma "casca"
nas margens e no fundo do rio, que chega a 1 metro de espessura tanto
no lado do pasto de Rezende quanto na margem oposta. É alta a ponto
de quase encobrir as cercas que dividem as terras da região.
O curso d'água em que, antes, era possível navegar de canoa, virou um rio raso. Dá para caminhar de uma margem à outra com água na altura dos joelhos, em uma lama densa.
O levantamento
aponta ainda que há dificuldades de se conhecer com exatidão a
situação das barragens, por causa da falta de informações
prestadas por empresas estaduais e Faltam Faltam informações básicas no cadastro de segurança
das barragens: não há dados sobre a altura nem o tipo de material
usado em 80,4% dos casos. O volume armazenado também é desconhecido
em 55,4 % dos empreendimentos.
As duas barragens
administradas em Mariana pela Samarco, controlada por Vale e BHP, se
somam a outras 315 estruturas desse tipo instaladas em Minas Gerais -
o equivalente a 48% do total nacional. O levantamento da ANA aponta
que todas as barragens de rejeitos foram alvo de classificação de
risco e dano potencial. O problema, no entanto, é saber se essas
classificações estão tecnicamente corretas.Tsunami.
Em
todo o País, apenas 32 delas são enquadradas como de alto risco,
ante outras 96 de médio risco e 535 de risco baixo. As duas
barragens da Samarco, segundo o diretor de fiscalização do DNPM,
Walter Arcoverde, estavam enquadradas como estruturas de baixo risco.
Ele próprio admite falha nos parâmetros. "Não pode ser de
baixo risco. Isso acendeu o alerta totalmente. Tem de haver uma
estrutura muito mais pesada para enfrentar o problema."
A última inspeção
feita nas barragens da Samarco ocorreu em 2012. Por serem
consideradas de baixo risco, afirmou Arcoverde, seriam alvo de nova
auditoria neste ano, mas
essa inspeção não chegou a acontecer nem
havia uma data definida. "Há uma mudança de paradigma de
gestão na segurança da barragem. Vamos mudar esse padrão. Tem de
ser criado um escritório de segurança de barragem, em Belo
Horizonte, no Quadrilátero Ferrífero", diz.
Riscos. O
descaso com a segurança do setor também fica evidente quando se
observa a falta de informações técnicas sobre as estruturas em
atividade. O levantamento da ANA aponta que 86% das 14.966 barragens
do País ainda não foram classificadas quanto ao grau de risco e o
dano potencial que podem causar. “Somente 11% das barragens
cadastradas têm classificação quanto ao dano potencial associado,
mostrando que muito ainda deve ser feito”, informa o relatório da
ANA.
Para assessora de
planejamento, monitoramento e avaliação do Instituto de Estudos
Socioeconômicos (Inesc), Alessandra Cardoso, os subsídios e demais
vantagens financeiras que o País oferece às mineradoras não
justificam esse quadro. “As empresas têm uma série de isenções,
até por explorarem na Amazônia, com descontos de 75% no Imposto de
Renda sobre Pessoa Jurídica. Enquanto isso, o Brasil é um dos
países que menos pagam aos trabalhadores de mineração e, ao mesmo
tempo, um dos que mais registram acidentes”, diz.
Fonte: MSN
notícias / Estadão
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