Santos Apóstolos Pedro e Paulo, colunas da Igreja. Divulgação / vaticannews.va
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Por Frei Gilvander
Luís Moreira - Articulista, escreve às terças-feiras
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de junho é dia da festa dos apóstolos Paulo e Pedro, dois grandes
pilares e bússolas do cristianismo e também tempo propício para
refletir sobre o legado espiritual-profético que eles nos deixaram.
Os dois se identificaram totalmente com o projeto do evangelho de
Jesus Cristo, seguindo o mestre radicalmente, orientados pela Boa
Notícia que o Galileu anunciava aos pobres. Pedro e Paulo terminaram
a missão martirizados, segundo a tradição da Igreja. No movimento
de Jesus após a ressurreição, estavam acontecendo tensões que
poderiam levar a separações. Uns diziam: “Eu sou de Paulo”; ou
“eu sou de Apolo”; ou “eu sou de Pedro”; ou ainda “Eu
sou de Cristo” (I Coríntios 1,12). Na Bíblia, no livro de Atos
dos Apóstolos, é possível descobrirmos uma paulinização de Pedro
e uma petrinização de Paulo. Ou seja, para o evangelista Lucas,
autor também do livro Atos dos Apóstolos, não é bom que aconteça
divisão e nem cisma entre as várias tendências de evangelização.
A unidade verdadeira pressupõe a diversidade e não a anula. Para
Lucas, Pedro e Paulo são apóstolos dos judeus e dos gentios.
Segundo
Atos dos Apóstolos, foi Pedro quem fez o primeiro discurso após o
primeiro Pentecostes (At 2,1-13), um discurso profético e corajoso
(Cf. At 2,14-36), no qual Pedro denuncia de forma altaneira: “Vocês,
autoridades, mataram Jesus, mas Deus o ressuscitou!” (At
2,23-24). Pedro teve a grandeza de sair de Jerusalém – a Igreja
mãe – e ir conviver com comunidades consideradas impuras,
heréticas, no meio dos excluídos (Cf. At 9,32-43). A convivência
com os pobres se tornou a base do processo de conversão de Pedro,
que o habilitou a experimentar o Espírito do Deus da vida atuando no
meio dos gentios, tal como acontecia entre os cristãos (Cf. At
10,1-11,18). Memorável também foi a participação do apóstolo
Pedro no Concílio de Jerusalém, por volta dos anos 49/50 do
primeiro século da era cristã, em que, ao lado de Barnabé e Paulo,
lutou pela abolição da lei da circuncisão, que tinha se
transformado em um insuportável fardo para os cristãos oriundos do
meio dos estrangeiros.
Em
At 20,17-38 está um discurso do Apóstolo Paulo aos presbíteros, ou
seja, aos “anciãos” que eram os coordenadores das primeiras
comunidades cristãs. "Presbíteros" eram apóstolos?
Profetas? Mestres? Ou ...? Essas são questões que nos levam
a discutir a diversidade de dons nas primeiras comunidades
cristãs. Em At 20,28 os presbíteros da comunidade cristã de Éfeso
são chamados de “epíscopos”, cuja função
pastoral é a de vigiar e conduzir a
comunidade. Epíscopo é um título grego que
significa “supervisor”; aquele que tem a responsabilidade de
acompanhar o desenvolvimento da comunidade para cuidar do seu vínculo
com o espírito original e da sua sintonia com os critérios de
continuidade. Ainda não há aqui a noção de sucessão apostólica,
pois o apóstolo Paulo não os apresenta como os seus sucessores, mas
como pessoas encarregadas pelo Espírito Santo de manter as
comunidades no bom caminho.
No
tempo de Paulo não existia a diferença entre clero e leigos. Havia,
sim, uma variedade, não orgânica de carismas, como apóstolos,
profetas e mestres (At 13,1), evangelistas (Filipe: At 21,8),
profetisas (as filhas de Filipe: At 21,9) etc. Os presbíteros são
simplesmente os animadores de comunidades; nunca são chamados de
"sacerdotes" no Segundo Testamento. Nas cartas paulinas
constatamos que no seio das comunidades há uma diversidade de dons
que deve ser articulada pelo cimento que é a solidariedade. Isso é
ótimo, pois o Espírito não se deixa encurralar e não aceita ser
engaiolado; sopra aonde quer, para onde quer, é livre, liberta e tem
sede de liberdade. Paulo reitera diversas vezes: "Não
percam a liberdade cristã!" (2 Cor 3,17). "Não
entristeçam o Espírito Santo!" (Efésios 4,30). O apóstolo
Paulo percebeu que existia nas comunidades uma dificuldade de
conviver de modo sadio com a diversidade de dons. Paulo pontua bem
esta multiplicidade de dons recordando que existe uma ordem de
importância. A comunidade cristã não pode cair no subjetivismo e
nem no relativismo de "tudo é igual a tudo", ou no
"devemos respeitar tudo".
No
capítulo doze da I Carta aos Coríntios, Paulo trata da diversidade
de dons. Ele pontua que em primeiro lugar estão
os apóstolos, e o termo deve ser entendido no seu
sentido original e etimológico: apóstolo/a é aquele/a que
é enviado/a por Deus, é um/a missionário/a, um porta
voz de uma mensagem do Deus solidário e libertador. Na época
descrita por Atos dos Apóstolos, época das primeiras igrejas, antes
do processo de institucionalização (hierarquização), o termo
"apóstolo" não significa um título que dá status, só
adquirindo esta conotação mais tarde, depois do processo de
hierarquização das igrejas, o que amordaçou a vitalidade do
dinamismo profético inicial.
Em
segundo lugar estão os profetas. A palavra
"profeta" vem do verbo pro-ferir, que significa falar por
antecipação. Etimologicamente a palavra "profeta"
significa "aquele que profere uma mensagem em nome de Deus".
O profeta escuta o Oráculo de Deus. A palavra "oráculo",
em hebraico, significa "sussurro, cochicho, de Deus no ouvido do
profeta ou da profetisa". Para entender um cochicho, um
sussurro, é preciso fazer silêncio, prestar muita atenção, estar
em sintonia, ter proximidade, ser amigo etc. Portanto, Deus não
falava claramente aos profetas, como nós, muitas vezes pensamos que
falava. Do mesmo modo que falava aos profetas e profetisas Deus fala
hoje a nós. Deus cochicha (sussurra) em nossos ouvidos a partir da
realidade dos empobrecidos e superexplorados. Precisamos colocar
nossos ouvidos e nosso coração pertinho do coração dos pisados
para que possamos escutar Deus. Mais do que fazer cursos de oratória,
precisamos de cursos de escutatória. Para ouvir os clamores mais
profundos dos violentados é necessário conviver com eles.
Em
terceiro lugar vêm os mestres, aqueles que
devem ensinar a verdadeira mensagem de Jesus. Ensinar pelo testemunho
e, de preferência, por meio da pedagogia da maiêutica: conversando,
dialogando e assim ajudando os outros a parir ideias e práxis
libertadoras. Lá no final da escala vem o dom das línguas (cf. I
Cor 12,28).
Em
I Cor 13,1-13, Paulo faz um elogio do amor para nos mostrar que
relações de amor é que devem ser a coluna mestra da vida das
comunidades e Igrejas. Paulo nos alerta: "Desejem os dons do
Espírito, principalmente a profecia, pois quem profetiza
fala às pessoas, é entendido, edifica, exorta e consola a
comunidade. Aquele que profetiza é maior do que aquele que fala
em línguas. Quem fala em línguas edifica somente a si mesmo, fala
só a Deus” (cf. I Cor 14,1-6). Em I Cor 14,19 o apóstolo Paulo
afirma: “Numa assembléia, prefiro dizer cinco palavras com a minha
inteligência para instruir também os outros, a dizer dez mil
palavras em línguas”.
Paulo
e seus companheiros fundam e desenvolvem comunidades proféticas a
partir da ação do Espírito. Quase todas as vezes que na Bíblia
fala que "desceu o Espírito de Deus sobre..." diz
também que os atingidos pelo Espírito de Deus começam a profetizar
(cf. Nm 11,29; At 19,4-6). A profecia é uma consequência direta da
ação do Espírito. Logo, um bom critério para saber se estamos
vivendo uma verdadeira experiência no Espírito de Deus é nos
perguntar: “Estamos nos tornando mais profetas ou profetizas?” Se
a maioria das pessoas que diz falar em línguas fossem também
profetas e profetizas, teríamos um maior número de mártires e
talvez o Brasil já estaria transfigurado por causa de tanta
profecia. Mas como há um exagero de “falar em línguas” e de
propostas religiosas intimistas, dualistas, moralistas e
fundamentalistas, a profecia cristã está em baixa e, por isso, os
fascistas e os exploradores nos mundos da política, da economia e da
religião estão reproduzindo uma necropolítica que mata de mil
formas.
Enfim,
Pedro e Paulo foram apóstolos profetas, não apenas divulgaram o
ensinamento de Jesus Cristo, mas testemunharam até o martírio boas
notícias aos empobrecidos, que são péssimas notícias para os
opressores.
Fonte: frei Gilvander Luís Moreira
Frei Gilvander Moreira |
Frei Givander Moreira é articulista deste jornal on-line. E escreve às Terças-feiras.
Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG.
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