Weintraub revoga portaria de cotas para negros, indígenas e deficientes
De saída, o ministro do governo Bolsonaro revogou portaria que estipulava cotas na pós-graduação
POR
FOLHAPRESS
“Prestes
a ser demitido, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, revogou
nesta quinta-feira (18) portaria que estipulava a reserva de vagas a
negros, indígenas e pessoas com deficiência em programas de
pós-graduação de instituições federais de ensino superior.
A
portaria estava em vigor desde maio de 2016, e fora editada ainda no
governo Dilma Rousseff (PT). O texto previa que as universidade
federais criassem sistemas de reserva de vagas para esses públicos
em mestrados e doutorados.
Interlocutores
do MEC indicam que, nos bastidores, a revogação da medida era
tratada como uma missão que Weintraub queria cumprir antes de deixar
o o cargo, como um fato simbólico. Há expectativa de que ele saia
do comando do MEC (Ministério da Educação) até o fim desta
semana.
Na
reunião ministerial do dia 22 de abril, além de defender prisão de
ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), Weintraub disse odiar o
termo "povos indígenas".
O
MEC informou em nota que a revogação da portaria ocorreu com base
em decreto de 2019 sobre revisão e a consolidação dos atos
normativos. A pasta ainda ressaltou que a Lei de Cotas prevê ações
afirmativas "exclusivamente para cursos de graduação".
A
pasta não respondeu se houve estudos que antecederam o ato.
A
revogação da portaria não significa o fim da reserva de vagas na
pós-graduação. Várias instituições e programas de pesquisa
haviam criado políticas de inclusão antes da portaria e possuem
autonomia para manterem ou descontinuarem medidas como essa.
O
Gemaa (Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa),
ligado à UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) analisou 49
políticas criadas entre 2002 e 2017. Dessas, 61% haviam sido
estipuladas por decisão do próprio programa, 10% por resolução da
universidade e 6% com base em lei estadual.
Apesar
de obrigar universidades a criarem comissões para inclusão de
negros, indígenas e pessoas com deficiência na pós-graduação, a
portaria revogada não determinava percentuais de reserva nem previa
sanções à universidade em caso de descumprimento.
O
cientista político João Feres, coordenador do Gemmaa, diz não
esperar um esvaziamento generalizado de programas de inclusão por
causa da revogação.
"Em
termos práticos o que pode acontecer é que alguns programas criados
podem acabar, porque não há mais obrigatoriedade. Essa revogação
não indica que as universidades serão forçadas a abolir as suas
políticas. As universidades têm autonomia para criar esses
programas e mesmo dentro da universidade os departamentos podem
desenvolver seus próprios processos inclusivos", disse ele,
ligado ao IESP (Instituto de Estudos Sociais e Políticos da
Universidade Estadual do Rio de Janeiro).
Feres
aponta que a portaria de 2016 funcionava como um incentivo, e a
criação de programas de inclusão levou ao ingresso de mais negros,
indígenas e pessoas com deficiência nas universidades.
Em
entrevistas, Abraham Weintraub se dizia favorável às cotas de
caráter social, mas afirmava não concordar com reserva de vagas com
critério racial. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem
histórico de minimizar o racismo no país e sempre foi crítico da
lei de cotas.
Escolhido
por Bolsonaro, o presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo,
se referiu recentemente ao movimento negro como "escória
maldita" e censurou biografias de lideranças negras históricas
do site da instituição. A instituição federal tem exatamente o
objetivo de zelar por essa memória.
O
ex-ministro da Educação Aloizio Mercadante, que assinou a portaria
agora cancelada, criticou em nota a decisão do do governo. Segundo
ele, a medida dava continuidade, na pós-graduação, à política de
inclusão por cotas no ensino superior.
"O
governo Bolsonaro volta a demonstrar sua total falta de compromisso
com o combate às desigualdades e discriminações raciais históricas
que assolam o povo brasileiro", diz a nota.
Frei
David Santos, diretor da ONG Educafro, diz acreditar que a revogação
da portaria de 2016 pode causar grande impacto na diversidade dentro
das instituições de ensino superior federais. Para ele, Weintraub
aplica, sob anuência de Bolsonaro, um projeto que visa acabar com
todos os direitos adquiridos da população negra.
"Está
totalmente desenhado o projeto de Bolsonaro para o povo negro e
retomada da escravidão disfarçada de mão de obra barata. Nós,
sociedade negra recusamos o papel de papagaio de pirata de nosso
irmão negro Hélio Bolsonaro [deputado da base de apoio do
presidente], usado pelo sistema para quebrar nossa capacidade de
luta", diz. "Solicitamos ao Brasil para que não permitam
que Bolsonaro humilhe o povo negro. O momento é urgente, mas mesmo
diante da pandemia, faremos o máximo de articulação política para
frear essa atitude", disse.
Para
o frei, o racismo estrutural exposto, em especial nas últimas
semanas após a onda de protestos anti racistas no mundo, pode levar
universidades federais a encerrarem programas de inclusão e
diversidade. Isso porque, segundo o frei, mesmo os reitores com
posicionamentos políticos de centro e esquerda se mostraram
resistentes às políticas de cotas.
"Infelizmente,
a questão do racismo estrutural é uma doença que contagiou a
direita, o centro e a esquerda brasileira. Infelizmente te digo que
boa parte dos reitores de centro e esquerda verão com bons olhos
essa portaria. A direita, esquerda e centro no brasil sempre tiveram
esse acordo com a coisa, deixar o negro sem conquistas. Se algum
reitor de centro, esquerda ou direita não percebe a importância do
negro na universidade, esse reitor está doente da cabeça",
afirma.
A
Educafro já reuniu, segundo frei David, advogados voluntários e que
estuda medidas legais para revogar a portaria de Weintraub. "A
Educafro vai até a última instância para conseguir revogar esse
decreto".”
Fonte:
notícias ao minuto
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