Cientistas brasileiros estão estudando o papel do estrógeno na infecção do coronavírus. Nos EUA, médicos já começaram a testar a substância como possível tratamento para pacientes homens.
Por Bruno
Carbinatto
"Seis
meses após o início da pandemia, um mistério sobre o coronavírus
ainda intriga cientistas pelo mundo. Uma série de estudos já
demonstrou que os homens correspondem a maior parte das vítimas
fatais do vírus, e parecem apresentar sintomas mais graves com mais
frequência do que as mulheres.
Ainda
não se sabe exatamente por quê, mas algumas hipóteses já foram
levantadas, incluindo explicações comportamentais – como o fato
de as mulheres procurarem ajuda médica com mais frequência. Mas uma
outra ideia ganhou força recentemente: a de que os hormônios
femininos possam ser uma arma contra a doença.
Antes
de tudo, vale lembrar as evidências que apontam que o coronavírus
parece afetar homens de maneira mais agressiva. No Brasil, dados do
meio de maio divulgados pelo
Ministério da Saúde mostram que quase 55% dos internados com
sintomas graves eram homens. Uma revisão
de estudos feitos no começo da pandemia, entre janeiro e
março, também mostrou que a letalidade entre homens era até três
vezes maior do que entre mulheres. Desde então, dezenas de estudos
em diferentes países, como Inglaterra, Estados
Unidos, Itália e bancos
de dados internacionais mostram que o padrão se repete: na
maioria dos países, homens morrem mais de Covid-19 do que mulheres.
Além
disso, o fato de mulheres grávidas parecerem, em grande parte,
apresentar apenas sintomas leves da doença (apesar de estarem no
grupo de risco, graças ao sistema imunológico alterado) intrigou
cientistas de todo o mundo.
Acontece
que gestantes têm, naturalmente, níveis de hormônios femininos
altíssimos durante o período de gravidez. Isso levou muitos
especialistas a se perguntarem se os hormônios sexuais podem ter
alguma relevância na evolução da doença.
A
hipótese não surgiu totalmente à toa: há muito tempo se sabe que
o estrógeno e, em menor parte, a progesterona, ambos hormônios
produzidos em alta escala pelo corpo feminino, parecem aprimorar o
sistema imunológico das mulheres. Apesar dos detalhes do fenômeno
ainda não estarem tão claros, sabe-se que a resposta
imune de mulheres é melhor do que a de homens – e não
apenas contra o coronavírus.
Mas
apenas esse mecanismo geral não parece explicar diferenças tão
marcantes e específicas dos números da Covid-19. Uma outra
explicação pode envolver a enzima conversora da angiotensina 2
(ACE2), uma proteína que é expressa em vários tecidos do corpo
humano e é usada pelo SARS-CoV-2 como “porta de entrada” para
nossas células. Experimentos em laboratório já mostraram que o
estrógeno parece reduzir a presença dessa enzima no corpo humano.
Ou
seja: mulheres teriam menos “portas” para o vírus em suas
células do que homens por conta da ação do estrógeno, o que as
tornaria mais resistentes. Mas ainda faltam provas definitivas para
definir se isso de fato acontece em proporções suficientes para
explicar a diferença entre os sexos.
Pesquisas em desenvolvimento
Por
essa razão, equipes de cientistas no Brasil e no mundo estão
levando adiante experimentos para testar essa possibilidade. Por
aqui, cientistas da Unifesp lideram um estudo para
investigar se os hormônios femininos têm alguma influência no
processo de invasão do vírus. Em células cultivadas em laboratório
e infectadas com o coronavírus, os cientistas vão testar diversos
compostos relacionados ao estrogênio e observar seus possíveis
efeitos (diversos porque “estrogênio” é, na verdade, um termo
genérico que engloba um grupo de hormônios maior que possuem
sub-tipos no corpo humano, como, por exemplo, o estradiol). Os
resultados ainda não foram publicados.
Nos
EUA, duas equipes separadas de médicos pretendem ir além: em seus
testes, os hormônios femininos serão utilizados como possíveis
tratamentos para pacientes do sexo masculino. Em Nova York, uma das
equipes já começou a tratar pacientes homens em estado grave com
doses de estrogênio, e pretendem publicar em breve o resultado desse
experimento. Do outro lado do país, em Los Angeles, um hospital
prepara um estudo em que usará um outro hormônio feminino, a
progesterona, no tratamento de homens com Covid-19.
Sara
Ghandehari, pneumologista responsável pelo experimento de Los
Angeles, disse ao he New York Times que 75% dos pacientes internados em estado grave no hospital são homens, o que levou a equipe a considerar que os hormônios possam proteger contra o vírus.
Nos
dois experimentos, os hormônios serão administrados apenas
temporariamente. Os pacientes receberão o aviso sobre possíveis
efeitos colaterais, embora as substâncias sejam consideradas
bastante seguras. E mesmo que esses hormônios estejam associados a
características sexuais secundárias em nosso corpo, o uso deles por
curto prazo não oferece mudanças significativas.
Apesar
disso, vale lembrar que nenhum estudo publicado mostra que de fato o
estrogênio ou a progesterona podem ser a cura definitiva do
coronavírus. Há, inclusive, um ponto que parece colocar a teoria em
risco: as diferenças entre sexos nos números de letalidade se
mantêm mesmo em pessoas idosas. Ou seja, até mulheres mais velhas
morrem bem menos do que homens da mesma faixa de sua idade. Só que,
depois da menopausa, que costuma ocorrer após os 40 anos, mulheres
param de produzir grandes quantidades de hormônios sexuais, o que
significa que isso não explicaria as diferentes mortalidades entre
os sexos em indivíduos mais velhos.
Se
não forem os hormônios, o que explicaria o fenômeno? É possível
que outras diferenças no corpo de mulheres e homens possam ter
alguma relevância, como a própria genética. Também pode ser que a
resposta não esteja na biologia, mas sim nas diferenças
comportamentais. Diversas pesquisas já mostraram que homens fumam
mais do que mulheres (e não é preciso lembrar que o cigarro está
associado a uma saúde pior no órgão mais afetado pelo coronavírus,
o pulmão), além de lavarem as mãos com menos frequência e
procurarem assistência médica mais tardiamente quando sentem
sintomas.
É
possível também – e talvez até mais provável – que essa
diferença não seja explicada somente por um único fator, mas por
uma combinação de biologia, genética e comportamento, além de
outros fatores que ainda não desvendamos.”
Fonte:
superinteressante
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