Por Ana Lívia Dias
"Tudo começou quando um bip ensurdecedor mudou o ambiente do meu quarto de calmo e quieto para finalmente, acordada. Abri os olhos como um carro com pouca bateria, demorei bastante pra funcionar. Peguei o celular e logo me decepcionei: era só uma mensagem no whatsapp. De repente uma mensagem virou duas, três, quatro... Desbloqueei o celular e vi que vinha do grupo da família.
- Eu mereço! Acordar pra ver imagens fofinhas, com legendas motivacio... QUE?
Ao dar uma boa lida, cada vez mais mensagens de espanto caiam.
- FAMÍLIA, a vóvó sumiu!!!!
- Qual delas? Vó Isabel?
- Não, eu to aqui! Mamãe sumiu???
- VÓVÓ CLARICE SUMIU?
- Como assim? Onde ela ta?
- Todos estamos nos perguntando a mesma coisa, Osmarzinho querido!
- Vê se ela não ta no banheiro, tia Janette!
- Já olhei até dentro do guarda-roupa, família!
Sentei-me na cama e levei uns cinco minutos para assimilar as informações. Minha bisavó de 88 anos tinha sumido, em plena manhã de domingo.
- Vóvó nem anda direito, não faz sentido. – Pensei comigo mesma.
Levantei lentamente, joguei uma água no rosto e meu celular não parou um minuto. A família estava em polvorosa. Decidi ir à casa da tia Janette ver o que tinha acontecido. Em cinco minutos, já sabia toda história. Após o café titia deitou-se para tirar uma nova sonequinha e ao acordar tinha acontecido: minha bisavó não estava em nenhum lugar da casa e a rua estava deserta. O desespero foi grande e várias suposições surgiram. Vóvó podia estar dando comida aos cachorros, mexendo no quintal, presa no quartinho de hóspedes ou até mesmo ter conseguido andar até o mercadinho para comprar chocolate... Mas nada estava correto. Ela não estava por lá.
Pensamos mais um pouco e ouvimos o sino da igreja bater.
- É isso!!!!! Ela foi à missa! – Eu disse animadíssima, tinha acabado de desvendar o mistério do ano.
- Mas a missa é só ás onze horas.
Ambas encaramos o relógio: onze e dez. Só nos entreolhamos e corremos rua acima. Ao chegarmos ao local, não pensamos duas vezes, vovó só podia estar ali, então entramos. A igreja estava lotada e por sorte todos estavam com os olhos fechados, fazendo a oração inicial. Titia e eu andávamos lentamente pelo piso de madeira tentando não fazer muito barulho, mas acredito que um grupo de sapateado faria menos barulho que a gente.
Enquanto andávamos pela igreja olhando as carinhas angelicais com os olhos fechados procurando por aquela expressão típica de dona Clarice, eu só ouvia tia Janette dizer: ‘’devo ter posto pimenta na santa ceia!’’ ou outros bordões que prefiro não comentar. Segurar o riso era quase impossível, mas estávamos ali por um motivo e não podíamos perder o foco.
A oração estava prestes a terminar quando eu olhei para frente e tive certeza.
- Tia, tia, olha a vovó ali.
- Onde menina? – Titia forçou os olhos como quem tenta enxergar algo muito longe, mas a suposta vovó estava ali, bem pertinho da gente.
- Ali, de blusinha azul!
Passamos desviando de pezinhos e conseguimos nos sentar atrás da senhorinha que havia acabado de abrir os olhos.
- Ê, vovó, nem pra senhora avisar que viria a missa, né? Poderíamos te acompanhar, sem problemas.
- É, mamãe, eu cheguei a achar que a senhora tinha sido sequestrada.
Eu olhei para tia Janette com cara de ‘’dessa eu não sabia’’ e ela me respondeu com uma cara de ‘’me deixa ser dramática, por favor’’. Vimos que após falarmos com a vovó, ela nem sequer nos respondeu.
- Mamãe? A senhora já pode parar de nos ignorar, o que eu te fiz? – Disse titia ao colocar a mão no ombro da senhorinha.
Quando a senhorinha olhou para trás, eu tive outra certeza.
- Ô tia, acho que essa não é a vovó não!
Saímos desapontadas e pouco nos importamos com o barulho, provavelmente o padre parou e aguardou o fim do nosso samba para dar finalmente continuidade a missa. Descemos a rua lentamente, cabisbaixas e chutando as pedrinhas do chão. Ao chegarmos, tivemos uma surpresa. Vovó estava apoiada em uma moça, vizinha de titia, com uma sacolinha e Ofélia (sua bengala) em suas mãos. Eu e titia olhamos pra ela, perplexas.
- Olha, sua mãe estava na porta de casa, vim trazê-la.
Entramos em casa e nossa indignação era tamanha que primeiro tomamos água e sentamos a vovó no sofá. Ao pegarmos as coisas de sua mão, pudemos notar: havia apenas um par de meias e uma escova de dente na sacolinha. Ela pretendia fugir com isso??? Abraçamo-nos e foi ai que nos permitimos rir da situação. Após a sessão abracinhos e água com açúcar, fomos para o interrogatório.
- Vovó, aonde a senhora foi?
Vovó, olhou-nos com os olhinhos arregalados e disse:
- Foi pra onde? Eu não sai daqui!"
Este texto ganhou o primeiro prêmio em 2016, no concurso promovido pela Sociedade de Eubiose, em São Thomé das Letras, MG
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