sábado, 20 de agosto de 2022

"Viajantes"

 

“Um homem precisa viajar, por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros e tevês, precisa viajar, por si, com os olhos e pés, para entender o que é seu...” Amyr Klink

Histórias de viagens e expedições sempre me encantaram. Júlio Verne levou-me por vinte mil léguas submarinas, ao centro da Terra e a dar uma volta ao mundo em oitenta dias. Marco Polo levou-me ao Oriente. Relatos sobre as grandes expedições do final do século XIX e início do século XX me entretêm por horas. Programas de tevê sobre viagens e turismo sempre prendiam a minha atenção, encantando-me com tanta diversidade e beleza a ser desbravada no mundo.

Nestes sonhos de viagem o mar ocupava um lugar especial. Monteiro Lobato me levou a navegar com toda a turma do Sítio do Pica-pau Amarelo para aprender Geografia e a sonhar em conhecer o mundo em um veleiro. Histórias como “Moby Dick” e “A Ilha do Tesouro” apenas aumentavam o fascínio que o oceano exercia sobre a criança curiosa e sonhadora.

Por isto, quando soube que a Família Schurmann daria uma palestra em um evento da empresa onde trabalhei, foi uma criança que estava na plateia, ouvindo atento a cada palavra proferida por Vilfredo e Heloísa Schurmann.

Vilfredo e Heloísa jamais haviam pisado em um veleiro até a lua de mel. Como o hotel onde estavam hospedados oferecia um passeio de barco, o casal resolveu aproveitar a experiência. Lembro-me de Vilfredo contando que a paixão foi imediata. E naquele momento de epifania,  perguntou à esposa: “vamos dar a volta ao mundo de veleiro?”. E Heloísa respondeu: “Vamos!”. A partir desse momento, o casal começou a estruturar sua vida sempre com o objetivo de concretizar o sonho que havia nascido em um passeio casual. E dez anos depois de descobrirem o seu sonho em comum, a Família Schurmann inicia sua jornada ao redor do mundo, tornando-se a primeira família brasileira a completar a volta ao mundo em um veleiro.

Além da fascinante história de como o sonho de viajar ao redor do mundo de veleiro nasceu e foi concretizado, lembro-me das diferentes culturas que encontraram em sua jornada. Os filhos do casal viajaram com eles, e Heloísa inclusive estudou Pedagogia para que as crianças mantivessem os estudos das matérias denominadas regulares. Mas haverá escola melhor do que o contato direto com a diversidade que forma a Humanidade? Haverá melhor formação do que experimentar que as fronteiras geográficas existem apenas na mente humana?

Ao final da palestra, os participantes podiam obter exemplares do livro “Em Busca do Sonho”, escrito por Heloisa Schurmann e que narra a aventura da família. Na fila para um autógrafo no meu exemplar, a criança dentro de mim aguardava ansiosa, enquanto a máscara do adulto ouvia os comentários de dois colegas na fila: “Nossa, mas que casal maluco. Largar tudo para dar a volta ao mundo de barco”. Outro replicou: “Sim, podiam ter morrido. E ainda levaram as crianças!”. 

Ali mesmo me dei conta que a palestra me presenteara com duas lições que me acompanharão enquanto viver. A primeira lição é que fazer coisas extraordinárias demanda esforço extraordinário, principalmente para enfrentar a sutil reprovação dos que não concordam ou não entendem o seu sonho.

E a segunda lição recebida naquele dia é que viajar é absolutamente essencial ao crescimento do ser humano. 

Uma viagem não começa quando se entra em um avião ou se chega a um porto. A viagem se inicia quando ela é idealizada e o destino é definido. Saber claramente onde se deseja chegar é essencial para os passos que serão dados para a jornada.

 Ao viajante não será permitido levar tudo aquilo que deseja, o que demanda discernimento e desapego. Um mínimo de disciplina é necessário, para que horários, rotas e compromissos sejam cumpridos.

Viajar com alguém ou um grupo vai demandar flexibilidade, capacidade de se relacionar e amadurecimento emocional. 

E uma viagem pede algo mais: a abertura de mente para lidar com o diferente, e abertura de coração para se relacionar com o diverso. Pede entrega e mergulho, pois a mais planejada das viagens não está totalmente isenta de imprevistos.

Quanto mais o destino e as condições de uma viagem forem diferentes do que já estamos acostumados, formatados e condicionados, mais transformadora ela é. Pois uma viagem não nos pede apenas para entrarmos em um avião, em um navio, em um veleiro, em um trem. Uma viagem nos pede para entrarmos em nós mesmos, descobrir e encarar verdadeiramente o que somos e o que desejamos.

Reflito que esta é a diferença entre um turista e um viajante. O turista quer chegar a algum lugar. O viajante chega, ao final de tudo, a si mesmo.

A Família Schurmann, que deu a volta ao mundo em um veleiro; Amyr Klink, que atravessou o Atlântico Sul em uma solitária jornada; a Família Tomasi, que deu a volta ao mundo em um motorhome – todos encontraram suas essências, mais do que alcançar lugares únicos e maravilhosos. E por isto suas viagens são inspiradoras e tão cheias de significado.

Recordo-me então de uma história que li, há muitos anos atrás e que a memória não permite indicar a data exata. Nesta história, um turista norte-americano foi ao Cairo, capital do Egito. E visitou o rabino polonês Hafez Assim. O viajante se surpreendeu ao entrar na casa do rabino e ver que ele residia em um quarto simples, com muitos livros, mobiliado apenas com uma mesa, um banco e uma cama.

“Rabi, onde estão seus móveis?” perguntou o norte-americano. “E onde estão os seus?” respondeu Hafez. “Os meus? Mas eu somente estou aqui de passagem!”. E o rabino respondeu: “Eu também”.

O rabino havia descoberto um viajante. Para um verdadeiro viajante, qualquer bagagem que atrapalhe a jornada é excesso.

Podemos todos ser viajantes, mas optamos por sermos turistas. E assim enchemos nossas vidas de coisas que não importam, sejam estes pesos mortos materiais, mentais ou emocionais, que apenas geram despesas extras por “excesso de bagagem”. 

Inspiro-me nos viajantes que vieram antes de mim e souberam fazer de suas jornadas o meio para chegar no profundo autoconhecimento de si mesmos. O ponto de chegada e a jornada serão diferentes, mas o ponto de partida é o mesmo: o Idealismo.


Maurício Luz

Maurício Luz escreve a Coluna "Frases em Nosso Tempo", aos sábados para O Guardião da Montanha.

Ele é carioca e ganhou prêmios:

1º Belmiro Siqueira de Administração – em 1996, na categoria monografia, com o tema “O Cliente em Primeiro Lugar”. 

E o 2ºBelmiro Siqueira em 2008, com o tema “Desenvolvimento Sustentável: Desafios e Oportunidades Para a Ciência da Administração”..

Ex-integrante da Comissão de Desenvolvimento Sustentável do Conselho de Administração RJ. 

Com experiência em empresas como SmithKline Beecham (atual Glaxo SmithKline), Lojas Americanas e Petrobras Distribuidora, ocupando cargos de liderança de equipes voltadas ao atendimento ao cliente.

Maurício Luz é empresário, palestrante e Professor. Graduado em Administração de Empresas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1997). 

Mestre em Administração de Empresas pelo Ibmec (2005). Formação em Liderança por Condor Blanco Internacional (2012). 

Formação em Coach pela IFICCoach (2018). Certificado como Conscious Business Change Agent pelo Conscious Business Innerprise (2019). 

Atualmente em processo de certificação em consultor de Negócios Conscientes por Conscious Business Journey.

Agora neste ano de 2022, Maurício Luz cursa o Doutorado em Administração pela Universidade Caxias do Sul, RS

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