sábado, 26 de junho de 2021

"Quinhentas Mil lágrimas na chuva"

 

Eu vi coisas que vocês não imaginariam. Naves de ataque em chamas ao largo de Órion. Eu vi raios-c brilharem na escuridão próximos ao Portal de Tannhäuser. Todos esses momentos se perderão no tempo, como lágrimas na chuva. Hora de morrer.

Rutger Hauer, ator

Baseado no conto “Andróides sonham com ovelhas elétricas?”, do cultuado escritor de ficção científica Philip K. Dick, o filme “Blade Runner” (1982) foi um fracasso de público e critica. Testes prévios de exibição mostraram que o público não gostava do filme, considerando-o difícil de entender. Os resultados levaram o estúdio a tomar decisões como incluir um narrador para a história (que teria desagradado a Harrison Ford, intérprete do personagem principal do filme) e uma cena de natureza durante a exibição dos créditos do filme - para amenizar a sensação de escuridão que o futuro distópico do filme mostrava. De nada adiantaram as mudanças, e o filme ficou poucas semanas em cartaz, com baixa receptividade do público.

O longa conta a história de Deckard, um “caçador de andróides”, convocado pela polícia de Los Angeles para encontrar e eliminar andróides denominados “replicantes”, máquinas que se tornaram cópias tão perfeitas de pessoas que poderiam se passar tranquilamente por seres humanos. Os replicantes estão na cidade em busca de um maior tempo de “duração”, pois entendem que seu tempo de vida útil é muito limitado. Mas todo replicante no planeta Terra é considerado fora-da-lei e passível de “aposentadoria”, ou seja, “execução”. Deckard é um dos agentes treinados para garantir a aposentadoria dos replicantes infratores.

Atualmente cultuado como um dos melhores filmes de ficção científica de todos os tempos, o longa metragem possui diversas características marcantes, como a trilha sonora composta por Vangelis e o cenário distópico, onde os recursos naturais foram praticamente esgotados pelos humanos. Mas o ator Rutger Hauer, na cena final de seu personagem no filme, proporciona um dos momentos mais emocionantes e profundos da história do cinema.

Hauer interpreta “Roy Batty”  o líder do grupo de “replicantes” que deseja aumentar seu período de vida. Obcecado em alcançar seus objetivos, Roy é implacável com aqueles que entende que estão em seu caminho, fazendo o que entende ser necessário para alcançar o que deseja. Mas após ser impiedoso com todos aqueles que podiam atrapalhar seus planos, Roy mostra-se surpreendentemente misericordioso em sua luta final com Deckard, o homem convocado para eliminá-lo de qualquer maneira. 

Após um jogo de gato e rato no prédio onde se escondia, Roy impede que seu caçador despenque de uma enorme altura. Todos pensam que ele fez aquilo para eliminar seu algoz com as próprias mãos, mas a “máquina” simplesmente se senta, e diz o pequeno grande monólogo que inspirou este texto:

Eu vi coisas que vocês não imaginariam. Naves de ataque em chamas ao largo de Órion. Eu vi raios-c brilharem na escuridão próximos ao Portal de Tannhäuser. Todos esses momentos se perderão no tempo, como lágrimas na chuva. Hora de morrer.

O que nos difere das máquinas? Inicialmente, podemos citar nossa capacidade de escolhas, mas nossa principal diferença é a capacidade de sentir. Não somos máquinas quando sentimos como especiais os momentos que vivenciamos. Cada momento vivido é único e especial, não se repetirá. É um milagre em si. E como cada ser humano é também único - por suas histórias, suas experiências, seus sonhos - somos a encarnação desses milagres, a materialização de momentos que jamais se repetirão.

E quando sentimos isto em nós mesmos, passamos então a perceber o mesmo nos outros. Todos os seres humanos são milagres insubstituíveis. Simples, e por isto tão complexo de entender, pois está além do que a mente humana, com seus rótulos, padrões e condicionamentos, é capaz de perceber.

Roy sentiu isto, e finalmente notou o que realmente diferencia os humanos das máquinas: a capacidade de agir conscientemente na defesa de cada milagre vivo que somos, e de valorizarmos cada segundo da existência.

No sábado passado, alcançamos a marca de quinhentas mil lágrimas atiradas na chuva. Quinhentos mil milagres cujas experiências e sonhos se perderam no tempo. O quanto estes milagres poderiam compartilhar, vivenciar, canalizar? Não temos como responder a esta pergunta. Mas o tempo fará justiça, assim como foi feito para o filme que inspirou estas linhas. Que estas lágrimas não sejam em vão. Que elas se misturem à chuva do tempo, e reguem nossos corações para que jamais deixe de florescer aquilo que efetivamente nos torna humanos: o Amor.

Maurício Luz

 Maurício Luz escreve a Coluna "Frases em Nosso Tempo", aos sábados para O Guardião da Montanha.

Ele é carioca e ganhou prêmios:

1º Belmiro Siqueira de Administração – em 1996, na categoria monografia, com o tema “O Cliente em Primeiro Lugar”. 

E o 2ºBelmiro Siqueira em 2008, com o tema “Desenvolvimento Sustentável: Desafios e Oportunidades Para a Ciência da Administração”..

Ex-integrante da Comissão de Desenvolvimento Sustentável do Conselho de Administração RJ. 

Com experiência em empresas como SmithKline Beecham (atual Glaxo SmithKline), Lojas Americanas e Petrobras Distribuidora, ocupando cargos de liderança de equipes voltadas ao atendimento ao cliente.

Maurício Luz é empresário, palestrante e Professor. Graduado em Administração de Empresas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1997). 

Mestre em Administração de Empresas pelo Ibmec (2005). Formação em Liderança por Condor Blanco Internacional (2012). 

Formação em Coach pela IFICCoach (2018). Certificado como Conscious Business Change Agent pelo Conscious Business Innerprise (2019). 

Atualmente em processo de certificação em consultor de Negócios Conscientes por Conscious Business Journey. 

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