sábado, 6 de agosto de 2022

"O Balde e o Mar"

"Perigoso não é o homem que lê, mas o que relê".

                                                                                Voltaire

Em 6 de janeiro de 1995, dois bancos foram assaltados na cidade de Pittsburgh, Pensilvânia, nos Estados Unidos. Os bancos foram assaltados em plena luz do dia. O assaltante simplesmente entrou nos bancos e, munido de uma arma, coagiu os funcionários a lhe entregarem o dinheiro. Em uma das ações, o ladrão chegou a sorrir para as câmeras de segurança.

Na mesma data, McArthur Wheeler foi preso em sua casa pelos assaltos cometidos naquele dia. McArthur revelou-se absolutamente surpreso por ter sido identificado pela polícia, principalmente depois que lhe foram mostradas as filmagens das câmeras dos bancos roubados. Perplexo, disse a frase: “Mas eu usei suco de limão!”. McArthur havia aprendido que suco de limão era utilizado para se escrever palavras de forma invisível no papel. E que o suco também funcionava para impedir a identificação em câmeras.

O precavido ladrão decidiu realizar um teste. Besuntou o rosto com suco de limão e tirou uma foto de si mesmo com uma câmera Polaroid. E bingo! Seu rosto não apareceu na “selfie”. A partir desta prova da eficácia do método para se tornar invisível, McArthur decidiu obter dinheiro fácil. Ele não duvidou que o resultado do experimento que fizera poderia estar errado – a polícia acredita que seu rosto não saiu na foto devido a um problema de enquadramento ou no filme da máquina. Mas ao invés de dinheiro, McArthur ganhou anos de prisão e fama inesperada no meio acadêmico. 

Intrigado com o caso, o psicólogo norte-americano David Dunning, da Universidade de Cornell, convidou o aluno Justin Kruger a estudar o ocorrido. Os estudos demonstraram que McArthur não estava louco ou sob efeito de drogas. Simplesmente ele confiou em demasia na própria habilidade. As conclusões levaram ao aprofundamento dos estudos, e à publicação de um artigo seminal em dezembro de 1999 no Journal of Personality and Social Psychology

Neste artigo, Dunning e Kruger defendem que as pessoas possuem falhas em identificar as próprias competências e habilidades. Ou seja, as pessoas possuem um viés que as impede de avaliar adequadamente se possuem habilidade para realizar determinada ação. Em virtude das pesquisas realizadas pela dupla, este viés cognitivo de nosso cérebro é atualmente conhecido como Efeito Dunning-Kruger.

Com o advento e a popularização da internet, o Efeito Dunning-Kruger ganhou notoriedade como explicação para as pessoas que gravam vídeos afirmando que a Terra é plana por meio de “testes” como alinhar uma régua na linha do horizonte, ou que o vírus da Covid pode ser combatido por vermífugos ou receitas caseiras.   

Já investi horas de minha vida assistindo a estes vídeos, e depois de vivenciar toda uma gama de sentimentos ao assisti-los, percebi que mesmo as pessoas que apresentam explicações estapafúrdias buscam o mesmo que eu: soluções e explicações para os mistérios que estão à nossa volta.

Afinal, como conhecemos o mundo? Como podemos alcançar o Conhecimento? Ele pode ser alcançado?

Começamos nosso aprendizado antes mesmo de fazermos nossa estreia no mundo. Em uma palestra realizada em 2011, a escritora Annie Murphy Paul apresentou resultados de pesquisas que mostravam o quanto os bebês aprendem sobre o mundo dentro do útero de suas mães. Ao nascer, os novos habitantes do globo terrestre são capazes de reconhecer sons como as vozes de suas mães e até mesmo a música tema de uma novela assistida por uma das participantes das pesquisas. Preferências alimentares das mães também são repassadas para os bebês, e até mesmo a percepção de como será o ambiente externo – mães que passaram por situações de stress transmitem essas sensações para os bebês.

Assim, nunca nascemos uma folha totalmente em branco, como seria de imaginar. As linhas de nossas folhas já são traçadas desde cedo. Mas o que será preenchido nestas linhas dependerá inicialmente da convivência com outras pessoas. Os casos de bebês ou crianças criadas por animais e que aprendem suas características, como o caso de Oxana Malaya, ucraniana que teve uma parte significativa de sua vida convivendo com cães e foi encontrada vivendo como um deles, provam que nos tornamos humanos quando convivemos com outros humanos.

É com esses outros humanos, como nossos familiares e pessoas próximas, que aprendemos a linguagem, a caminhar, a comer. Aprendemos a nos identificar em relação a outras pessoas, criamos sentimento de grupo e pertencimento. Aprendemos nossas crenças, o que serve de alimento, o que representa o perigo ou a tranquilidade. Aprendemos a discriminar o que é bom e o que é mau, e o que é o bem e o que é o mal. Desenvolvemos hábitos e costumes. E como se não bastasse, ainda temos as nossas próprias experiências pessoais. Eu aprendi que urtiga provoca ardência não porque alguém me falou, mas porque tive o desprazer de tocar em uma quando criança.

A experiência com a urtiga me levou a tomar cuidado com outras plantas. Será que elas me provocaram a mesma sensação desconfortável? Quais as experiências que poderia ter tido, e não tive, por causa da lembrança que a pequena urtiga deixou em mim?

E assim tomamos conhecimento do nosso universo, do nosso mundo. Aprendemos desde antes de nosso nascimento. E continuamos a aprender por todos os nossos sentidos. Este aprendizado, alcançado por observações, relatos recebidos de outras pessoas, experiências pessoais próprias e crenças ensinadas tem como objetivo nos trazer sentido para a realidade que nos cerca, e um mapa para que possamos percorrer os caminhos por esta realidade com um mínimo de segurança. É desta forma que aprendemos a ler o Universo.

Mas e se a leitura não estiver correta? E se o senso comum, ou o aprendizado que recebemos por meio de experiências pessoais – nossas e alheias – forem apenas suco de limão no rosto perante as câmeras de vídeo da vida?

E são justamente aqueles que fazem a releitura do que aprenderam que se tornam perigosos. Afinal, como ousam questionar a “realidade”? Como tem coragem de colocar em dúvida as certezas que embasam a segurança de todos?

Perigosos são aqueles que releem a realidade porque muitos preferem a sensação de segurança que a constatação da verdade.

Talvez esta seja a grande lição do caso do desafortunado McArthur Wheeler. Se ele tivesse compartilhado a experiência com alguém, teria pedido a outra pessoa para repetir a experiência e analisar o resultado, se ele tivesse se permitido pensar que estava errado, talvez ele não terminasse da forma como terminou.

Como você aprendeu a ler o mundo? O que você lê em suas linhas? Estaria aberto a uma releitura ou está pleno de certezas?

Todos estamos em busca do conhecimento. Mas somos como pequenos baldes em relação ao oceano. Contemos uma ínfima parte do mar; mas não é todo o mar, e muito menos a pequena quantidade de água que contemos é espelho do todo. Poderemos ter uma ideia do oceano quando mergulhamos nele. Mas é impossível se fazer este mergulho sozinho, ou sem estarmos abertos ao que o mergulho nos trará.

Exercitando a nossa capacidade de duvidar de forma construtiva, e respeitando esta capacidade nos outros, podemos unir nossas subjetividades de forma positiva no espaço de convivência que todos compartilhamos. E assim colocamos em prática o que nos permite a releitura consciente de nós mesmos e do mundo que nos cerca: a capacidade crítica.


Maurício Luz

Maurício Luz escreve a Coluna "Frases em Nosso Tempo", aos sábados para O Guardião da Montanha.

Ele é carioca e ganhou prêmios:

1º Belmiro Siqueira de Administração – em 1996, na categoria monografia, com o tema “O Cliente em Primeiro Lugar”. 

E o 2ºBelmiro Siqueira em 2008, com o tema “Desenvolvimento Sustentável: Desafios e Oportunidades Para a Ciência da Administração”..

Ex-integrante da Comissão de Desenvolvimento Sustentável do Conselho de Administração RJ. 

Com experiência em empresas como SmithKline Beecham (atual Glaxo SmithKline), Lojas Americanas e Petrobras Distribuidora, ocupando cargos de liderança de equipes voltadas ao atendimento ao cliente.

Maurício Luz é empresário, palestrante e Professor. Graduado em Administração de Empresas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1997). 

Mestre em Administração de Empresas pelo Ibmec (2005). Formação em Liderança por Condor Blanco Internacional (2012). 

Formação em Coach pela IFICCoach (2018). Certificado como Conscious Business Change Agent pelo Conscious Business Innerprise (2019). 

Atualmente em processo de certificação em consultor de Negócios Conscientes por Conscious Business Journey.

Agora neste ano de 2022, Maurício Luz cursa o Doutorado em Administração pela Universidade Caxias do Sul, RS 

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