terça-feira, 8 de outubro de 2019

“Igreja vai se opor a planos de Bolsonaro no Sínodo”






Por Felipe Frazão - Estadão 
BRASÍLIA - “O rangido dos motores de duas balsas cargueiras ecoava num início de noite sem chuvas na orla de Icoaraci, um distrito bucólico de Belém do Pará, onde as ruas ostentam o nome de travessas. Lado a lado, as embarcações cortavam as águas barrentas e turvas da Baía do Guajará carregadas com centenas de toras de madeira empilhadas. Bem em frente, estavam reunidos 56 bispos católicos que pretendem denunciar, no Vaticano, os efeitos negativos do extrativismo. Mas o que consideram um problema passa sem ser notado. São 18h30. Com a inseparável cruz peitoral, eles celebravam a missa da última reunião no País antes do Sínodo da Amazônia, um encontro mundial de bispos convocado pelo Papa Francisco. 
Sob desconfiança e monitorada pelo serviço de inteligência da Presidência, a cúpula da Igreja na Amazônia brasileira decidiu se fechar nos preparativos para o sínodo, que começou neste domingo, 6, em Roma. 
No último encontro no Brasil, as atividades ocorreram em uma casa de retiros na periferia da capital paraense, onde os bispos rezavam, estudavam e debatiam das primeiras horas da manhã ao início da noite. 
Até mesmo uma procissão que mimetizou o Círio de Nazaré, a mais importante manifestação católica de massas da Amazônia, ocorreu intramuros na propriedade. O fato causou estranheza em três guardas municipais, escalados, com armamento antidistúrbio, para dar segurança ao encontro. 
Eram sinais de que a Igreja anda incomodada com as críticas de segmentos ultraconservadores do clero e da cúpula do governo de Jair Bolsonaro (PSL), principalmente na ala militar. No caso dos religiosos, o grupo vê no sínodo uma mudança nos dogmas históricos do clero pela sugestão de ordenar padres casados. 
Já para integrantes do Executivo, o evento defende uma brecha para o papa interferir na soberania brasileira sobre a floresta, ao denunciar ausência de políticas públicas e se opor aos planos de exploração econômica, anunciados por Bolsonaro. O papa apoia uma mobilização internacional de países e entidades, entre elas organizações não governamentais (ONGs), um dos alvos mais frequentes de ataques do presidente. 
O governo e os conservadores consideram que o texto-base preparado para discussão em Roma tem viés de esquerda. Chamado de Instrumentum Laboris, o documento de trabalho sintetiza um processo de escuta feito em nove países pelos quais a floresta tropical se espraia, com mais de 265 atividades e 87 mil pessoas envolvidas, a maior parte no Brasil. 
A Igreja enfoca a degradação ambiental provocada pelas "grandes companhias", a "corrupção" e a "violência", o descaso com os índios, quilombolas e ribeirinhos, da atenção à saúde desses povos à garantia da integridade de suas terras. Condena o avanço da pecuária, do desmatamento e da mineração na floresta. Também trata de questões religiosas ligadas à liturgia e à evangelização, como a incorporação de rituais e línguas indígenas às cerimônias, o ordenamento de padres casados, a valorização das mulheres na hierarquia católica e a presença expansiva de igrejas neopentecostais. 
Uma parte dessas sugestões é considerada uma ruptura no catolicismo. Por causa das críticas, o documento passou a ser chamado pelos bispos de "texto mártir", confidenciou o arcebispo de Belém, Dom Alberto Taveira Corrêa. "Ele apanha de todo lado." 
A expectativa dos bispos é de mais ruídos, apesar de tentativas para minimizá-los. Nos pronunciamentos, por exemplo, Bolsonaro quase nunca é nominado. Os clérigos preferem se referir a ele de forma mais genérica, substituindo o nome do presidente por "governo", "País", "Estado", "autoridades"... Os religiosos evitaram entrar no embate direto e pessoal com o chefe do Executivo. 
Há entre os organizadores do sínodo quem enxergue na campanha difamatória uma articulação internacional contra o papa incentivada por Steve Bannon que foi estrategista da campanha do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.  E também de Bolsonaro. Eles, no entanto, não têm evidências de que Bannon esteja por trás das críticas de cardeais conservadores, como o americano Raymond Burke e o alemão Walter Brandmüller. 
A suspeita vem do fato de que Bannon tem o papa como alvo há algum tempo. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) lançou até uma campanha nas redes sociais com os lemas "Eu apoio o papa" e "Eu apoio o sínodo". 
Em duas oportunidades, o bispo de Marajó, no Pará, dom Evaristo Spengler, foi ao Congresso Nacional pedir apoio aos deputados. Discursou da tribuna e entregou a Carta de Belém, com protestos dos bispos, e se opôs abertamente aos planos do governo, lançando uma campanha de rechaço à mineração e grandes obras amazônicas. Ele disse ainda que o governo é que ameaça a soberania nacional ao se aliar a interesses dos Estados Unidos.” 
Fonte: Estadão 

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