sábado, 29 de janeiro de 2022

"Milagres"


Só há duas maneiras de viver a vida: a primeira é vivê-la como se os milagres não existissem. A segunda é vivê-la como se tudo fosse milagre.

Albert Einstein


É um domingo, oito horas da manhã. Levanto-me e procuro Dilma, minha esposa. Ela não está dentro de casa. Abro então a janela que abre para o jardim, que fica na parte de trás da casa. Ao perceber o movimento na janela, ela começa a mexer os braços freneticamente, quase como um praticante de polichinelos. Ela me chama.

Segundos depois eu estou perto dela. Já imaginava o que teria provocado a agitação em minha querida esposa. Uma gatinha de rua, preta como as asas da graúna, começou a frequentar a nossa casa. E, talvez pela recepção que teve, recebendo comida, água fresca e palavras doces de carinho, decidiu que o local seria adequado para trazer ao mundo seus filhos. Escolheu um local relativamente escondido e protegido no quintal, e um velho armário de metal transformou-se em berçário.

Pretinha, o nome que demos à gatinha, deu à luz a três nenéns. Dois deles pretinhos como a noite sem lua. O terceiro tem a maior parte do corpo também em preto, mas as patas e parte da face são brancas, como se a tinta da artista materna tivesse acabado, e o restante do corpo que sobrara tivesse o acabamento em outra cor.

Pretinha aparenta cansaço e está ressabiada com a nossa proximidade. Eu e minha esposa estamos encantados, ao vislumbrar a cena dos pequenos agarrados à mãe, buscando calor e alimento, enquanto começavam a se adaptar ao mundo em que acabaram de chegar.

Logo os pensamentos me veem, em meio à onda de ternura que tinha tomado conta de mim. De onde eles veem? Como se formam? Que mão, que olho imortal, se atreveu a plasmar suas fofas simetrias?

Volto ao planeta Terra. Apesar do domingo, eu tenho compromisso. Envio uma mensagem para o rapaz com quem tenho encontro marcado, avisando que chegarei mais tarde devido à inesperada surpresa com o qual fomos brindados hoje pela manhã.

Tomo café e saio. E em pouco mais de 30 minutos estou com Rodrigo, engenheiro com grande conhecimento em energia solar, que está revisando a execução de um projeto solicitado por mim e minha esposa para o motorhome que compramos. No encontro eu tenho a oportunidade de conhecer sua esposa e o primeiro filho do casal, Heitor. É um lindo menino, ar levado e curioso, que fica um tanto surpreso ao saber que seu pai está ajudando a consertar uma casa ambulante. Em muito em breve Heitor ganhará uma irmã, Helena. O tamanho da barriga de sua mãe mostra que ela está praticamente com as malas prontas para também desembarcar neste mundo.

De onde eles vêm? Como se formam? Que mão, que olho imortal, se atreveu a plasmar suas maravilhosas simetrias?

Pouco depois, Rodrigo me explica, da forma mais didática possível, algumas questões que envolvem a transmissão da energia elétrica gerada pelas placas solares para as baterias, que armazenam essa energia e concedem autonomia para a casa ambulante. Entre voltz e ampères, noto que a mesma energia que antes existia incontrolável na natureza, riscando os céus em relâmpagos e alimentando mitologias, hoje está dócil e obediente em recipientes de plástico e metal. E que o poder das plantas, de estocar e utilizar o sol como fonte de energia, está próximo de nossas mãos.

Em mais 30 minutos tomo o caminho de casa. Tráfego pelas ruas da cidade com outro olhar para o que está à minha volta, principalmente as pessoas. Tanta gente, tantas histórias distintas. Tantas cores de cabelo, de tom de pele, de altura e peso. Tantas experiências únicas, e percepções únicas, que jamais poderiam ser igualadas por nenhuma outra pessoa.

Chego em casa, e ainda sob o impacto das novidades do dia, faço uma rápida pesquisa no dicionário Houaiss. E vejo que a palavra “milagre” vem do latim “miraculum”: no sentido de prodígio, maravilha, coisa prodigiosa, extraordinária. 

A vida é maravilhosa, extraordinária. Estamos cercados de milagres. Cada pequeno ser, máquina que construímos, conhecimento ou ato consciente é uma gota que forma o oceano de milagres no qual estamos mergulhados. Nós mesmos somos pequenas gotas que formam este oceano.

Mas temos as mentes programadas para valorizar a escassez. E cercados de abundância de vida, literalmente inseridos em milagres, tornamo-nos cegos ao fato extraordinário que é uma vida, uma construção humana, um saber, uma experiência.

Fomos ensinados que “milagre” é algo “incomum” de acontecer, como transformar argila em ouro. E deixamos de valorizar o maior milagre possível, que é transformar argila em vida.

Estamos cercados de milagres. Nós somos milagres. Tudo é um infinito e misterioso milagre.

Chegará o dia em que conseguiremos abandonar nossa programação mental básica de apenas valorizar o que parece ser escasso. Perceberemos o quanto de único e extraordinário temos em nossa volta, em nós mesmos. Volto ao dicionário e pesquiso por outra palavra, que resumirá o estado que alcançaremos quando despertarmos em definitivo – um estado de “satisfação, de gosto, de alegria, de júbilo”.

Encontro a palavra que cristaliza esta sensação que parece distante, mas está tão próxima de nós. Chama-se “Contentamento”.


Maurício Luz
Maurício Luz escreve a Coluna "Frases em Nosso Tempo", aos sábados para O Guardião da Montanha.

Ele é carioca e ganhou prêmios:

1º Belmiro Siqueira de Administração – em 1996, na categoria monografia, com o tema “O Cliente em Primeiro Lugar”. 

E o 2ºBelmiro Siqueira em 2008, com o tema “Desenvolvimento Sustentável: Desafios e Oportunidades Para a Ciência da Administração”..

Ex-integrante da Comissão de Desenvolvimento Sustentável do Conselho de Administração RJ. 

Com experiência em empresas como SmithKline Beecham (atual Glaxo SmithKline), Lojas Americanas e Petrobras Distribuidora, ocupando cargos de liderança de equipes voltadas ao atendimento ao cliente.

Maurício Luz é empresário, palestrante e Professor. Graduado em Administração de Empresas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1997). 

Mestre em Administração de Empresas pelo Ibmec (2005). Formação em Liderança por Condor Blanco Internacional (2012). 

Formação em Coach pela IFICCoach (2018). Certificado como Conscious Business Change Agent pelo Conscious Business Innerprise (2019). 

Atualmente em processo de certificação em consultor de Negócios Conscientes por Conscious Business Journey. 

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