“Olho por olho, e o mundo acabará cego.”
Mahatma Gandhi
Quando dois predadores dividem um mesmo território, um encontro pode se tornar inevitável. Vladimir Markov era caçador russo, que vivia na região da Sibéria. Esta região é o habitat do tigre siberiano, um dos maiores felinos do planeta. Capaz de saltar sobre uma tabela de basquete sem necessidade de impulso adicional, este poderoso e lindo felino pode alcançar 250 kg e medir 3 metros de comprimento da ponta do nariz à cauda.
O encontro entre ambos os predadores aconteceu. Markov utilizou sua arma e atirou no tigre que avistou, ferindo-o. O animal ferido tomou uma atitude surpreendente. Entre 12 e 48 horas depois após o incidente, o tigre rastreou a residência do caçador que o machucara, invadiu sua casa e destruiu todos os objetos que tinham o cheiro de Markov. A seguir, sentou-se em frente à porta de entrada da casa e esperou pacientemente até o retorno do desavisado Markov. Quando este entrou em seu lar, foi atacado pelo tigre, que o arrastou para fora de casa e o matou, devorando seu corpo.
Até o momento, este é o único registro de tal comportamento por parte de um tigre – rastrear um ser humano específico e esperar o momento de matá-lo e devorá-lo. Quando li a reportagem contando o destino de Vladimir Markov, certamente pensei o mesmo que outras pessoas que tomaram conhecimento da mesma história: teria sido o comportamento do tigre motivado pelo desejo de retaliação contra aquele que o feriu?
Há nome para esse desejo: vingança. É a vontade de retaliar outro ser por algo que gerou prejuízo ou ofensa. Filha da raiva e irmã da mágoa, a vingança foi a motivação de inúmeras histórias, reais ou fictícias. Histórias de pessoas que transformaram a vontade em ação, de maneira a “dar o troco” em quem as prejudicou.
O desejo de retaliação é plenamente justificável sob o aspecto humano (e no mínimo, felino). Afinal, se alguém nos prejudica ou nos faz sofrer, é necessário que, de alguma forma, seja “prejudicado” ou “sofra” para que o equilíbrio da relação seja retomado.
A simplicidade e a aparente razoabilidade da vingança esconde um aspecto importante. A vingança é uma intenção naturalmente destruidora. Quem se rende à vingança busca tornar o prejuízo ou sofrimento de seus alvos maiores do que tenha sofrido. Afinal, quanto deve sofrer a outra parte para que o equilíbrio seja restaurado? E se o alvo da vingança resolver retaliar a retaliação?
Para evitar a espiral destrutiva gerada pela vingança que o ser humano, ao conviver em sociedade, criou leis e normas que determinam as compensações para os atos feitos por alguém que prejudicam outras pessoas. O objetivo principal era impedir que a desarmonia provocada pela vingança dificultasse ou impedisse o adequado funcionamento das relações, essencial em qualquer sociedade.
O primeiro conjunto de leis registrado na História foi o Código de Hamurabi, utilizado na Mesopotâmia durante o Império Babilônico. O Código foi baseado na famosa “Lei de Talião”, que previa, como pena a alguém considerado culpado de algum crime, de receber um dano igual aquele causado. Assim, se alguém quebrasse um osso de alguém, também deveria ter um osso quebrado. Se um arquiteto construísse uma casa, e esta casa caísse matando o filho do morador, o filho do arquiteto deveria ser morto.
O Código de Hamurabi conseguiu manter os babilônios organizados sob suas leis e foi o primeiro a mostrar a diferença entre vingança e justiça. Vingança é a busca de equilíbrio em uma relação de forma destrutiva, egoísta e sem mediação. Justiça é a busca do equilíbrio em uma relação de forma harmônica, coletiva e mediada.
Mas a base de sua doutrina, a máxima “olho por olho, dente por dente”, começou a ser questionada justamente por aplicar o sofrimento para a busca da harmonia perdida. Apesar de milenar, a lei de talião é base para os códigos de muitos países ainda nos dias de hoje, justamente por parecer tão óbvia e simples. Mas a justiça deixa de ser vingança apenas por ser aplicada pela coletividade, representada pelo Estado?
A justiça punitiva ainda tem influências da vingança. Por este motivo, a partir dos anos 1970, começaram a surgir iniciativas para que a justiça alcançasse novas formas de manutenção e recuperação do equilíbrio e harmonia nas relações. Assim nasceu a justiça restaurativa, termo formulado pela primeira vez por Albert Eglash em 1950, e consolidado em artigo publicado em 1977.
A justiça restaurativa busca alcançar a recuperação do equilíbrio nas relações por meio de ações que vão além da punição, como utilizar a reparação dos danos sofridos pelas vítimas e dos laços sociais entre todos os envolvidos. É uma visão que busca a regeneração, e não o castigo, como objetivo maior da justiça.
Mas, independente da forma de justiça ou qual código rege uma sociedade, há um lugar inalcançável para qualquer juiz, magistrado, lei ou vingador. É o lugar dentro de si onde a vítima guarda as lembranças do ato que foi vítima e lhe traz sofrimento. As leis e as tradições podem determinar se um crime é realizado por motivo fútil ou hediondo. E podem determinar de que maneira os danos serão restaurados e o causador, punido.
Mas nenhuma lei conseguirá determinar o tamanho da dor causada por uma calúnia, uma injúria, um assalto, ou a inestimável perda de um ente querido. Como disse Caetano Veloso em sua música “Dom de Iludir”, cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é. Não há como sentirmos o que sente outra pessoa, o nível de sofrimento que um ato lhe causa no coração.
Por mais compensações que possamos receber pelo que fomos prejudicados, os sentimentos ficam. A raiva e a mágoa contra quem nos prejudicou pode morar para sempre em nós, envenenando nossa alma e nossa percepção da vida.
E isto quando a justiça é feita. Há muitas situações onde ela não acontece, por diversos motivos. Nem mesmo a compensação da lei podemos alcançar. A probabilidade de que os sentimentos que envenenam a alma se tornem ainda mais fortes, mais poderosos, quase onipresentes.
Para isto, precisamos ressignificar profundamente os sentimentos que temos em relação a quem nos ofendeu e prejudicou. Mudar nossa visão sobre o que nos aconteceu, buscando os aprendizados, ainda que tragam sofrimento. E que o próprio sofrimento é como carregar uma pedra na qual demos uma topada – a dor é o que sentimos no momento, mas sofrimento é o peso de continuar carregando a pedra aonde formos. Imagine o tamanho e o peso de uma mochila cheia das pedras com as quais topamos no caminho.
Temos muitas pedras em nossas mochilas do coração e da mente, pedras estas que nos tornam pesados e cansados. Nossas mochilas estão cheias. Abandonar estas pedras nos tornarão mais leves, o benefício para nós mesmos é imenso.
É um exercício difícil e que ninguém pode medir - lembre-se do que disse Caetano. As formas de se alcançar este “descarte de pedras” também depende de cada um. Mas é exercitando este descarte que podemos chegar na característica alcançada nas pessoas verdadeiramente inatingíveis por qualquer um que queira lhe machucar a essência: a capacidade do Perdão.
Maurício Luz |
1º Belmiro Siqueira de Administração – em 1996, na categoria monografia, com o tema “O Cliente em Primeiro Lugar”.
E o 2ºBelmiro Siqueira em 2008, com o tema “Desenvolvimento Sustentável: Desafios e Oportunidades Para a Ciência da Administração”..
Ex-integrante da Comissão de Desenvolvimento Sustentável do Conselho de Administração RJ.
Com experiência em empresas como SmithKline Beecham (atual Glaxo SmithKline), Lojas Americanas e Petrobras Distribuidora, ocupando cargos de liderança de equipes voltadas ao atendimento ao cliente.
Maurício Luz é empresário, palestrante e Professor. Graduado em Administração de Empresas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1997).
Mestre em Administração de Empresas pelo Ibmec (2005). Formação em Liderança por Condor Blanco Internacional (2012).
Formação em Coach pela IFICCoach (2018). Certificado como Conscious Business Change Agent pelo Conscious Business Innerprise (2019).
Atualmente em processo de certificação em consultor de Negócios Conscientes por Conscious Business Journey.
Agora neste ano de 2022, Maurício Luz cursa o Doutorado em Administração pela Universidade Caxias do Sul, RS
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