Por Valéria
Hartt
“Beba
com moderação”. A afirmação já está incorporada em nossa
relação com o álcool, ainda que nem sempre a recomendação se
aplique na prática. No entanto, o relatório 2014 World Cancer
Report (WCR), emitido pela IARC (Agência Internacional da
Organização Mundial da Saúde para Pesquisa sobre o Câncer, afirma
que quando se trata de câncer, nenhuma quantidade de álcool é
segura. Além disso, quanto mais álcool uma pessoa ingere, maior o
risco.
Declarado
cancerígeno em 1988, o álcool é relacionado com diversos tipos de
câncer. Existe relação causal entre seu consumo e os cânceres de
boca, faringe, laringe, esôfago, cólon e reto, fígado e mama
feminina; além de uma relação significativa também com o câncer
pancreático.
Em uma
metanálise de 222 estudos compreendendo 92 mil pacientes de câncer
que se consideram consumidores leves de álcool e 60 mil pacientes
abstêmios, beber moderadamente esteve associado com o risco de
câncer de orofaringe, carcinoma de células escamosas do esôfago e
câncer de mama feminino. A partir dessa metanálise, estima-se que
em 2004 tenham ocorrido em todo o mundo 5 mil mortes por câncer de
orofaringe, 24 mil de carcinoma epidermóide de esôfago e 5 mil
mortes de câncer de mama atribuídas ao consumo de álcool. Os
números são significativos e revelam que o assunto merece atenção.
A
nutricionista do Hospital Beneficência Portuguesa, Cristiane
Hanasihiro, relativiza os achados da pesquisa, pois nem todo
organismo vai responder da mesma forma à ingestão da substância.
“O álcool atua de forma diferente em cada indivíduo. Vai depender
das condições de saúde, do peso, da composição corporal. Não dá
para radicalizar”.
Para o
Diretor Presidente do NAPAN (Grupo de Nutrição Humana e Coordenador
do Grupo de Pesquisa) da Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo, Dan Waitzberg, é preciso se atentar também ao fato desses
estudos serem observacionais, baseados em inquéritos, o que faz com
que nem sempre a resposta “bebo socialmente” represente a verdade
absoluta. Ou seja, quando o uso é autorrelatado, muitas vezes os
entrevistados subestimam ou subnotificam a sua real ingestão de
álcool, o que pode resultar em associações entre o câncer e o
consumo moderado quando na realidade a ingestão de álcool é muito
maior. “Ao questionar um obeso sobre seu consumo de açúcar, ele
pode responder que nunca ingere doces, mas a realidade pode não ser
exatamente essa”.
Epidemiologia
x Biologia Molecular
Outro
aspecto levantado por Dan Waitzberg é a questão dos polimorfismos.
A relação entre câncer e nutrição é baseada em estudos de
observação epidemiológica, que entram em conflito com a visão da
biologia molecular. Admite-se hoje que nós temos variações
genéticas, polimorfismos responsáveis por reações diferentes aos
distintos nutrientes. Então, um mesmo nutriente pode ser
extremamente protetor contra o câncer para determinadas pessoas e
não para outras. “Os estudos epidemiológicos consideram todos do
mesmo jeito, só que nós sabemos que as pessoas não são iguais.
Existem determinados polimorfismos cuja frequência chega a 30%, 35%
da população. E isso pode modificar o resultado dos trabalhos”.
Por isso, é extremamente difícil dizer com certeza se um nutriente,
um alimento, protege ou não contra o câncer. “Para uns pode ser
protetor e para outros pode não ter efeito. Não funciona igual para
todo mundo”, afirma. Para se ter uma ideia, são 25 mil nutrientes
bioativos, 33 mil genes, alguns milhões de polimorfismos registrados
no banco. Essas combinações vão à casa de bilhões. É a
interação disso tudo que pode contribuir ou não para todas as
doenças.
Apesar
disso, o especialista defende a adoção de uma alimentação
saudável, uma dieta equilibrada e que contenha frutas, legumes e
verduras. Existem estudos epidemiológicos, por exemplo, que mostram
que a adesão à dieta mediterrânea reflete em um risco 60% menor de
doença cardiovascular, diabetes, hipertensão e câncer. “Não se
podem esquecer os dados epidemiológicos, mas ainda não é possível
ter certezas absolutas”.
Fonte: Drázio Varela
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