quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

"É possível eliminar testes em animais no Brasil"

    ©Fornecido por Deutsche Welle


Por Maurício Cancilieri
Edição: Rafael Plaisant

O apelo ético sobre os testes em animais para fabricação de produtos de beleza ainda não conseguiu mobilizar, no Brasil, uma mudança abrangente de legislação, a não ser no estado de São Paulo, o primeiro a proibir a prática em 2014, e na cidade de Porto Alegre (RS), onde a Câmara aprovou, neste ano, um projeto de lei com a mesma pauta.

Para bióloga Bianca Marigliani, doutoranda em biotecnologia pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), não há motivo para a prática seguir legalizada no país.

A gente não pode fazer a lei em cima do que a indústria quer. Esses testes nunca foram 100% seguros”, disse em entrevista à DW Marigliani, única brasileira a ganhar o maior prêmio internacional, de 2015, para iniciativas alternativas aos testes em bichos, o Lush Prize, de uma rede britânica de cosméticos naturais.

Convicta disso e vegetariana há pelo menos 15 anos, a especialista na área levou, além do reconhecimento, 10 mil libras. O dinheiro será investido no estudo de um método in vitro de cultivo de células em meio sintético e não em meio suplementado por soro bovino fetal, substância amplamente usada para avaliar riscos de alergia a diversos elementos químicos. O soro é obtido do sangue retirado dos fetos ainda vivos por meio de punção cardíaca.

DW Brasil: A indústria cosmética até hoje no Brasil tem permissão para fazer testes em animais. É possível bani-los?
Bianca Marigliani: Sim. Para os testes cosméticos, hoje já é possível eliminar o uso de animais. A União Europeia, por exemplo, baniu testes em 2013. É uma questão de legislação e incorporação de novas tecnologias. Os métodos alternativos incluem a diminuição no número de animais nos testes e a substituição. O que a gente quer realmente é a substituição. Para isso, existem os métodos in vitro, que seriam os cultivos celulares (geralmente células humanas), os químicos e os in silico, que são computacionais. A união dos três pode ser usada para substituir os animais. No caso da sensibilização cutânea, é um processo complexo, que envolve diferentes etapas, diferentes tipos celulares. O que se fala na Europa e outros países é como montar uma estratégia de bateria de testes que consiga trazer uma resposta mais segura.

Por que o Brasil segue sem conseguir se adequar? É a sociedade que não cobra ou cientistas que automatizaram o processo e nem percebem mais?
A sociedade vem se mostrando cada vez mais participativa nessa questão. Poucos anos atrás, esse tema não era discutido, principalmente porque as pessoas, em geral, nem tinham conhecimento de que aquele cosmético que elas estavam usando era testado em animais. Muitas vezes, quando a pessoa fica sabendo, ela diz: “Mas está errado, não tem outro jeito?”. Por falta de conhecimento, às vezes as pessoas dizem: “Não, tem que testar.” É um pensamento antigo. Eu acho que é uma questão regulatória mesmo, de legislação. A partir do momento que você tem uma legislação que diz que pode ou que não pode, a indústria tem que correr atrás. A gente não pode fazer a lei em cima do que a indústria quer. Eu entendo que é necessário que exista um prazo para adequação porque a incorporação de novas tecnologias não é uma coisa que se faz do dia para a noite. Mas as indústrias têm que se adaptar. Mesmo porque essa é uma barreira comercial. Se você tem um cosmético produzido no Brasil que é testado em animais, ele não vai ser vendido na Europa.

Qual o problema da adequação? É financeiro? É mais caro produzir sem testes em animais?
Depende. Como os testes com animais já estão estabelecidos, trazer um método novo num primeiro momento vai ser mais caro porque você não tem um laboratório adequado para cultivo de células humanas. O investimento inicial vai ser maior. Mas ao longo do tempo, esse custo vai sendo diluído. Eu realmente não acredito que o custo seja a principal barreira. Mesmo se for, se ficar mais caro, é uma questão de desenvolvimento econômico. Você está abrindo mercado. As indústrias cosméticas geralmente terceirizam os testes. Não são elas que fazem. Então, para a indústria em si, não faz diferença.

Por que você decidiu defender essa causa?
A questão do uso de animais, em geral, sempre me preocupou. Nunca fez muito sentido para mim. Eu sempre gostei de animais. Fui fazer biologia por gostar muito de bichos. Eu quis seguir uma carreira em que eu conseguisse juntar coisas que eu gostava de fazer, com poder promover algumas mudanças que eu gostaria que acontecessem.

Nos testes sem animais, existe algum risco para as pessoas?
A gente já sabe que as células humanas, o corpo humano, responde de maneira semelhante aos animais, mas não idêntica. Os testes em animais nunca foram 100% seguros. 

Na sensibilização cutânea, por exemplo, o camundongo não gera uma resposta imunológica ao níquel, que é uma das substâncias que mais causam dermatite de contato (alergia – inflamação da pele). Acho que todo mundo conhece alguém que já teve alergia à bijuteria. 

Para o camundongo, o níquel não é um sensibilizador. Não causa alergia. O animal reage a muitos químicos de forma parecida, mas a muitos outros não. Com os métodos in vitro, conforme a gente vai tendo mais conhecimento dos processos biológicos, conseguimos pensar em cada uma das etapas. São testes feitos com células humanas. Eles acabam sendo mais seguros. 

Existe, óbvio, um receio da mudança de um método tradicional que as pessoas acreditam que seja seguro. Mas, conforme as pessoas entenderem como as tecnologias atuam, elas vão se sentir mais seguras. A união de diferentes métodos numa bateria de testes já se mostra eficiente. Algumas já conseguem 100%.

Como você vai investir o valor do prêmio?

O dinheiro do prêmio vai ser usado para comprar os reagentes necessários, a linhagem de células, o meio quimicamente definido, os químicos de referência para que eu possa fazer essa adaptação celular a um meio sintético sem soro. E testar se elas (as células) respondem da mesma maneira que o método validado para, então, solicitar uma atualização dele para um método que não utilize mais o soro. O objetivo é ter testes alternativos in vitro totalmente livres de produtos de origem animal.”

Fonte: DW- Brasil

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