“O professor da UFRJ diz que o desemprego já começa a elevar a desigualdade social”
O Desemprego no Brasil está longe de ser o fundo do poço
“Em
agosto deste ano, quando o país registrava 345.000 demissões, o
professor João
Saboia,
do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro,
lamentava a velocidade com que os cortes haviam ocorrido até ali,
mas não acreditava que o país fechasse o ano com um número próximo
a um milhão de demissões. Hoje, a projeção de 1,5 milhão de
postos
de trabalho a menos
até
dezembro confirmam
um pessimismo
ao
qual ele resistiu. Nesta entrevista, feita por email, Saboia fala
sobre a falta de perspectiva brasileira.
Pergunta.
Já se perderam 819.000 postos de trabalho entre janeiro e outubro,
segundo dados do Cadastro Geral do Ministério do Trabalho. O que
podemos esperar para os próximos meses com números tão negativos
como esse?
Resposta. O
ano de 2015 está perdido e as demissões vão aumentar até o final
do ano. Tradicionalmente dezembro é o mês com mais demissões no
CAGED por conta das contratações temporárias do período de Natal.
P.Os
dados do IBGE divulgados mostram também que aumentou o número de
pessoas saindo de casa para procurar emprego, o que aumenta a massa
de desempregados. O que isso quer dizer?
R.
Os
dados da Pesquisa Mensal de Emprego de outubro mostram forte aumento
do desemprego prejudicando principalmente os mais jovens. Isso
confirma que a piora do mercado de trabalho continua firme.
P.
Qual é a diferença entre o desemprego de 2015 e o desemprego dos
anos 2000 ou anos 90?
R.
De 2004 a 2014 o desemprego não parou de cair. A mudança em 2015
está sendo muito rápida e intensa. Em outubro deste ano a taxa de
desemprego é mais alta do que em outubro de 2008. A continuar nesse
ritmo poderemos chegar rapidamente aos níveis de 2003 quando a taxa
de desemprego era de 12%. Em Salvador, já está em 12,8%.
P.
Qual
será o impacto desta perda para a desigualdade de renda, uma vez que
a melhoria do emprego havia engordado os salários e melhorado a
distribuição?
R.
A
melhoria da desigualdade nos últimos anos esteve muito ligada aos
avanços no mercado de trabalho. Certamente a distribuição de renda
já está piorando. Até 2014 ela continuava melhorando um pouco. Em
breve teremos dados para confirmar a piora em 2015.
P.
Você
disse em uma entrevista à Folha
que
o maior problema do desemprego era o ajuste. O ajuste, porém, é
necessário. E segundo o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, após ser
implementado, a recuperação é rápida. Você concorda?
R.
Há
ajustes e ajustes. O do ministro Levy está sendo muito intenso e tem
ajudado pouco a melhorar as contas públicas do país. Enquanto a
taxa de juros permanecer no nível em que se encontra atualmente não
haverá superávit primário que consiga estabilizar a dívida
pública. Creio que os cortes de gastos já estão no limite. O
investimento público está desaparecendo. Não há qualquer garantia
de que a economia vai se recuperar em breve como afirma o ministro.
P.
Há saídas para este desemprego atual ou é um preço caro que não
há como deixar de pagar?
R.
Claro
que há saídas, mas para isso o ajuste teria que ser modificado
rapidamente e não vejo como isso possa ser feito nas atuais
condições políticas do país.
P.
Chegamos ao fundo do poço com a perda de emprego ou nem encontramos
o fundo dele ainda?
R.
O fundo do poço ainda está longe. O mercado de trabalho deve
continuar piorando em 2016.
P.
Em
uma conversa prévia, você comentou que se impressionava com a
rapidez com que o mercado de trabalho brasileiro estava se
deteriorando. Essa velocidade continua?
R.
A
velocidade continua muito grande. Basta olhar os dados da Pesquisa
Mensal – desemprego disparando, renda média caindo 4% nos últimos
12 meses e o emprego formal caindo 4%.
P.
Quais
setores podem dar um refresco neste final do ano?
R.
A única esperança seria o comércio por conta do Natal. Mas não
creio pois as vendas estão muito baixas. Não acredito em refresco
neste final de ano. A economia deve cair 3% neste ano e mais 2% em
2016. Minhas expectativas são bem desfavoráveis para o ano que vem.
P.
O Governo conseguiu aprovar algumas medidas no Congresso, mas agora
outro escândalo da Lava Jato, com o senador Delcídio do Amaral
volta a enfraquecê-lo. Isso piora a perspectiva da economia?
R.
Esses
fatos dificultam ainda mais o governo em termos políticos, mas não
vejo maiores desdobramentos econômicos. Ele estava aprovando aos
poucos [projetos na Câmara], mas as dificuldades continuam imensas.
Não dá para ter confiança neste Congresso e a base aliada está
esfacelada. As expectativas não poderiam ser piores.
P.
Qual
o lado mais perverso desta crise atual?
R.
O
lado mais perverso é a possibilidade de se perder muito do que se
avançou na última década em termos de ganhos sociais e econômicos.
O processo de melhora foi longo e a piora está sendo muito rápida.”
Fonte: El País
Fonte: El País
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