Por Rafael BarifouseDa BBC Brasil em São Paulo
“No
mundo, ele é chamado de mosquito da febre amarela. No Brasil, é
conhecido como mosquito da dengue – e, mais recentemente, também
da zika e da chikungunya.
Considerado
uma das espécies de mosquito mais difundidas no planeta pela Agência
Europeia para Prevenção e Controle de Doenças (ECDC, na sigla em
inglês), o Aedes aegypti – nome
que significa "odioso do Egito" – é combatido no país
desde o início do século passado.
A
partir de meados dos anos 1990, com a classificação da dengue como
doença endêmica, passou a estar anualmente em evidência. Isso
ocorre principalmente com a chegada do verão, quando a maior
intensidade de chuvas favorece sua reprodução.
Agora,
um novo sinal de alerta vem da epidemia de zika, uma doença com
sintomas semelhantes aos da dengue, em curso desde o meio do ano.
Foi
confirmado pelo governo federal que o zika vírus está ligado a uma
má-formação no cérebro de bebês, a microcefalia, que já teve
neste ano ao menos 1.248 casos registrados em 311 municípios em 14
Estados, a maioria deles no Nordeste.
O
Aedes
aegypti também
esteve no centro de um surto de febre chikungunya ocorrido no país
no ano passado, quando este vírus chegou ao Brasil e se espalhou com
a ajuda do mosquito.
E,
apesar de a febre amarela ter sido considerada erradicada de áreas
urbanas brasileiras em 1942, casos de contaminação foram
confirmados em cidades de Goiás e no Amapá em 2014.
"O
Aedes aegypti está ligado
ainda a males mais raros, do grupo flavivírus", afirma Felipe
Piza, infectologista do hospital Albert Einstein.
"Entre
os agentes de contaminação, esse mosquito é o que tem a capacidade
de transmitir a maior variedade de doenças."
Eficiência
Alguns
fatores contribuem para tornar o Aedes
aegypti um agente tão eficiente para a transmissão
desses vírus. Entre eles estão, segundo especialistas ouvidos pela
BBC Brasil, sua capacidade de se adaptar e sua proximidade do homem.
Surgido
na África em locais silvestres, o mosquito chegou às Américas em
navios ainda na época da colonização. Ao longo dos anos, encontrou
no ambiente urbano um espaço ideal para sua proliferação.
"Ele
se especializou em dividir o espaço com o homem", afirma
Fabiano Carvalho, entomologista e pesquisador da Fiocruz Minas.
"O
mosquito prefere água limpa para colocar seus ovos, e qualquer
objeto ou local serve de criadouro. Mesmo numa casca de laranja ou
numa tampinha de garrafa, se houver um mínimo de água parada, seus
ovos se desenvolvem."
Mas
a falta de água limpa não impede que o Aedes
aegypti se reproduza. Estudos científicos já
mostraram que, nesse caso, a fêmea pode depositar seus ovos em água
com maior presença de matéria orgânica.
Os
ovos também podem permanecer inertes em locais secos por até um
ano, e, ao entrar em contato com a água, desenvolvem-se rapidamente
– num período de sete dias, em média.
"Outros
vetores não têm essa capacidade de resistir ao ambiente",
afirma Pizza, do Albert Einstein. "Por isso ele está presente
quase no mundo todo, a não ser em lugares onde é muito frio."
vos resistem por até um ano em locais secos e, uma vez em contato com água, desenvolvem-se rapidamente |
Flexibilidade
Um
aspecto que também favorece a reprodução é o fato de a fêmea
colocar em média cem ovos de cada vez, mas não fazer isso em um
único local. Em vez disso, ela os distribui por diferentes pontos.
"Quando
tentamos exterminá-lo, é muito grande a chance de um destes locais
passar despercebido", diz Carvalho.
Também
se trata de um mosquito flexível em seus hábitos de alimentação.
O Aedes
aegypti é, geralmente, diurno: prefere sair
em busca de sangue pela manhã ou no fim da tarde, evitando os
momentos mais quentes do dia.
"Mas
ele é oportunista. Se não tiver conseguido se alimentar de dia, vai
picar de noite. Isso não ocorre com o pernilongo, por exemplo, que é
noturno e só vai aparecer quando o sol começa a se pôr",
afirma a bióloga Denise Valle, pesquisadora do laboratório de
biologia molecular de flavivírus do Instituto Oswaldo Cruz
(IOC/Fiocruz).
Além
disso, o mosquito costuma ter como alvos mamíferos, especialmente
humanos. Como explica o agência europeia, mesmo na presença de
outros animais ele "se alimenta preferencialmente de pessoas".
Simbiose
Por
ser um mosquito urbano que fica em contato constante com o homem, ser
muito adaptável e ter um apetite especial por sangue humano, o
inseto se tornou um eficiente vetor para a transmissão de doenças.
"Todo
ser vivo busca uma forma de se proliferar, e com os vírus não é
diferente. Nestes casos, eles podem ser transmitidos por outros
vetores, mas que não são tão efetivos", afirma Erico Arruda,
presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia. "Eles
(vírus) conseguiram no Aedes
aegypti e na forma como este mosquito evoluiu
uma relação de simbiose muito boa."
Para
ser capaz de infectar uma pessoa, o vírus precisa estar presente na
saliva do inseto.
Valle,
do IOC/FioCruz, explica que, no caso da dengue, por exemplo, após
oAedes aegypti picar
alguém que esteja infectado, o vírus leva cerca de dez dias para
estar presente em sua saliva.
"São
poucos os mosquitos que vivem mais de dez dias. Mas, quanto menos
energia ele precisa gastar para se alimentar e colocar ovos, mais
tempo ele vive", diz Valle.
"Assim,
o aglomerado urbano, com muitos locais de criadouro e muitos alvos
para picar, faz com que o mosquito viva mais, favorecendo o processo
de infecção."
A
bióloga destaca ainda que se trata de um mosquito especialmente
arisco: "Quando vai picar, se a pessoa se mexe, ele tenta
escapar e picar outra pessoa. Se estiver infectado com algum vírus,
vai transmiti-lo para várias pessoas".
Mosquito chegou a ser erradicado duas vezes no Brasil no século passado |
Exterminá-lo
também é difícil. Segundo o Centro de Prevenção e Controle de
Doenças dos Estados Unidos, o Aedes
aegypti é "muito resistente",
o que faz com que "sua população volte ao seu estado original
rapidamente após intervenções naturais ou humanas".
No
Brasil, ele chegou a ser erradicado duas vezes no século passado. Na
década de 1950, o epidemiologista brasileiro Oswaldo Cruz comandou
uma campanha intensa contra ele no combate à febre amarela. Em 1958,
a Organização Mundial da Saúde declarou o país livre do Aedes
aegypti.
Mas,
como o mesmo não havia ocorrido em países vizinhos, o mosquito
voltou a ser detectado no fim dos anos 1960. Foi erradicado novamente
em 1973 – e retornou mais uma vez três anos mais tarde. "Hoje
não falamos mais em erradicação. Sabemos que isso não é
possível", diz Valle, do IOC/Fiocruz.
"O
país é muito grande e tem muitas entradas para o mosquito. Também
há muito mais gente vivendo em cidades, e a circulação de pessoas
pelo mundo com a globalização aumentou muito. Os recursos humanos e
financeiros para exterminá-lo seriam enormes."
Uma
forma comum de combater o mosquito, a de dispersar uma nuvem de
inseticida – técnica popularmente conhecida como "fumacê"
–, não é muito eficiente, pois o componente químico tem de
entrar em um espiráculo localizado embaixo da asa. Portanto, o
inseto precisa estar voando, algo difícil tratando-se de uma espécie
que fica na maior parte do tempo em repouso.
"Na
maior parte das vezes, isso é jogar dinheiro fora e gera mosquitos
mais resistentes. Hoje, levamos de 20 a 30 anos para desenvolver um
inseticida e, em dois anos, ele perde sua eficácia por causa do uso
abusivo", afirma Valle. "E os químicos usados no controle
de larvas não estão disponíveis para a população."
Carvalho,
da Fiocruz Minas, ressalta ainda que 80% dos criadouros são
encontrados em residências, e que realizar a prevenção e
exterminar focos doAedes aegypti não é fácil.
"Quando
temos uma epidemia, é mais simples conseguir o apoio da população,
mas, fora deste período, é mais complexo sensibilizar as pessoas
para a questão", afirma o entomologista. "Por tudo isso,
acho muito complicado falar em erradicação. Talvez a melhor palavra
seja controle."
Uma
abordagem nova vem sendo testada na Bahia e em São Paulo. Machos
transgênicos do Aedes aegypti são liberados na
natureza e, no cruzamento com fêmeas comuns, geram larvas que morrem
antes de atingir a fase adulta, o que, com o tempo, reduz a população
do mosquito numa determinada área.
Responsável
por testes realizados desde maio em Piracicaba, no interior paulista,
a empresa Oxitec informou que os resultados estão sendo analisados
por sua equipe técnica e que ainda não há uma previsão de quando
serão divulgados."
Fonte:
BBC - Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sua opinião é sempre bem-vinda!