quinta-feira, 19 de novembro de 2020

"Brasil está preparado para uma segunda onda da covid-19? Especialistas preveem dificuldades"


Por Pablo Pereira - O Estado de S.Paulo

Desativação de leitos abertos durante a pandemia e relaxamento das medidas de controle preocupam médicos

"O Brasil não está preparado para uma eventual segunda onda ou um agravamento da covid-19, as pessoas estão cansadas da epidemia e relaxando nas medidas de prevenção, o que está provocando um aumento nos casos de contaminação por coronavírus, e festas natalinas exigem atenção. A opinião é de especialistas em saúde que acompanham a evolução da doença no País, preocupados com um novo pico de contaminação da doença.

 Pedestres usam máscara devido ao surto do coronavirus, no centro da capital paulista 

Foto: Alex Silva/Estadão

Para o médico epidemiologista Paulo Lotufo, da USP, é preciso que haja medidas mais rigorosas para o controle do coronavírus. Para Lotufo, o País vive uma situação de retomada dos casos, que, segundo ele, não significa uma segunda onda da covid-19, mas de um retorno do aumento de casos por falta de cuidados e relaxamento das medidas de controle.

“O que vemos é como se um avião, que estava aterrissando, arremetesse”, comparou Lotufo, comentando o número de casos de internação pela doença nos hospitais. Para o médico, há erros graves que estão sendo cometidos no controle da pandemia do coronavírus. Como a administração da crise com a suspensão de aulas das crianças, que são mantidas em casa, sem escola, enquanto pais e mães continuam frequentando o comércio, academias e salões de beleza. “Não faz sentido isso. Educação das crianças deveria ser prioridade. Precisamos encontrar um jeito. Mas o que fazemos é manter a escola fechada, o filho tendo aulas pelo Zoom, enquanto o pai sai para a academia, a mãe vai ao cabeleireiro”, criticou o epidemiologista. 

O médico disse ainda que considera o poder público é muito dependente do poder econômico. “Isso não é só aqui em São Paulo, não, está acontece isso pelo País.”, afirmou. “No Paraná, em Santa Catarina, em outros estados também”, argumentou. De acordo com Lotufo, houve ainda, neste período de campanha eleitoral, a pressão dos prefeitos, que tiveram os cargos em disputa, contra as medidas de controle da doença. “Os prefeitos pressionaram para haver relaxamento”, disse. Precisamos de mais rigor por talvez um mês para baixar o contágio”, afirmou o médico.

Lotufo lembrou também que deve haver outro aumento de aglomerações nas reuniões durante as festas natalinas e de fim de ano. “Devemos ter mais cuidado também com as reuniões de famílias neste período de festas que temos pela frente, como o Natal, por exemplo”, disse o epidemiologista. Para ele, há erros ocorridos nas políticas de controle da pandemia durante os últimos meses que continuam acontecendo. Para o médico, o País precisaria apertar o controle nos serviços e espaços públicos que provocam aglomerações de pessoas, como academias, bares, cultos religiosos. 

  Natália Pasternak, doutora em microbiologia pela USP, especialista em genética molecular e presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC) Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Natália Pasternak, doutora em microbiologia pela USP, especialista em genética molecular e presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC).

O Brasil está melhor preparado para uma segunda onda da covid 19?

Em alguns pontos, sim. Os médicos e os profissionais de saúde, sim, esses estão mais preparados, sem dúvida. Mas como País, não. É isso que me preocupa mais. Estamos vivendo uma fadiga psicológica da quarentena da doença. As pessoas estão cansadas de medidas de restrição. A população está cansada da pandemia, o que leva a um risco maior pela redução dos controles. 

O que poderíamos ter feito que não fizemos e que pode agravar o quadro?

O que poderíamos ter feito era ter treinado mais os agentes comunitários de saúde, por exemplo. Para que eles acompanhassem as famílias e as medidas de controle nas comunidades. Não se investiu nisso. A vantagem seria usá-los para poder fazer um acompanhamento mais de perto, orientando pessoas com sintomas e seus contatos. Telefonar, acompanhar, instruir as pessoas que têm sintomas ou diagnóstico confirmado. E isso não foi feito.

Quando haverá dados suficientes para que novas medidas restritivas ocorram?

Hoje, o que temos são dados de hospitalização e morte, que são suficientes para dar um alerta para que a população não se descuide das medidas de segurança.  Mas temos também outro perfil de afetados neste, digamos, segundo pico da doença. Com menos óbitos, é verdade, mas é porque quem está se contaminando são os mais jovens. São pessoas que resistem mais às medidas de isolamento, gente que está saindo mais de casa e se protegendo menos. E teremos agora ainda um período de festas de fim de ano. Precisamos reforçar as campanhas de medidas de restrição, mas também precisamos de uma campanha com medidas específicas para as festas, como reunir poucos membros da família (menos de dez), servir o almoço no jardim, manter espaço físico entre as pessoas.

José Gomes Temporão, médico e ex-ministro da Saúde Foto: Carlos Moura/SCO/STF

José Gomes Temporão, médico e ex-ministro da Saúde

O Brasil está preparado para uma segunda onda da covid 19?

Definitivamente não! Não temos comando nem coordenação federal, cada estado e município toma decisões por conta própria sem qualquer tipo de apoio técnico-científico do Ministério da Saúde. As cenas de aglomerações vistas recentemente no Rio de Janeiro e outros locais mostram um lado preocupante de total falta de visão solidária e coletiva em defesa da vida.

O que foi feito no País nestes 8 meses que ajuda em caso de nova onda de internações?

A medicina sabe lidar melhor com a doença, foram ampliados leitos em UTIs, o SUS mostrou sua capacidade de resiliência. Mas considero isso insuficiente para obtermos um bom resultado em caso de uma segunda onda. 

O que poderíamos ter feito que não fizemos e que pode agravar o quadro?

Poderíamos ter respeitado a ciência e não o fizemos. O governo federal continua enganando de modo irresponsável a população com protocolos de tratamento da doença, sem qualquer base científica. Continuamos testando pouco e sem um trabalho de fortalecimento do papel da atenção básica em detectar os sintomáticos, rastrear seus contatos e isolá-los. 

Quando haverá dados suficientes para que novas medidas restritivas ocorram?

Não saberia responder.

Gonzalo Vecina, colunista do 'Estadão' Foto: Felipe Raul/Estadão

Gonzalo Vecina

O Brasil está preparado para uma segunda onda da covid-19?

Estava, pois ampliou o número de leitos, mas desativou 65% do que cresceu e isso poderá, dependendo do calor da próxima onda, ser grave. Por outro lado, melhorou muito a sua capacidade de testagem – saímos de algo em torno de 5 mil testes / dia para 60 mil no SUS. Mas ainda falta liderança do MS para distribui-lo e o sistema de gerenciamento de laboratórios  (GAL), é muito ruim e não se investiu nada nele por falta de capacidade de identificar problemas e agir no Ministério da Saúde (MS). De resto, continuamos a ter problemas nas consolidações das bases de dados como é público e notório. O que espero que tenha melhorado é a capacidade de tratar casos graves – no início a mortalidade em UTIs públicas chegou a ser de 90%! Espero que os protocolos estejam distribuídos sobre como tratar da maneira mais eficaz e de como acessar a consultoria DISPONÍVEL por telemedicina dos grandes hospitais do PROADI, HSL, HIAE, HCOR, HAOC e HMV. Por fim, que a atenção básica e a estratégia da Saúde da Família não deixem de funcionar e que atendam os casos da covid-19 e os casos crônicos com fluxos individualizados e  melhor preparados.

O que poderíamos ter feito e não fizemos e que pode agravar o quadro?

Não ter exagerado na flexibilização como fizemos e inverter a prioridade – primeiro escolas e depois bares e restaurantes. Demos uma atenção especial a economia e relegamos a educação a um plano secundário. Nossas crianças estão sofrendo pela falta de socialização e de ensino e de novo serão os pobres que irão pagar a maior parte dessa conta. Os planos sofisticados demonstraram ser aparatos enganatórios, algo como o que faz o encantador de serpentes e nós todos caímos nessa armadilha. Agora vamos pagar o preço do aumento da exposição e dos consequentes encontros com o vírus – mais casos, mais mortes, mais sofrimento.

Quando haverá dados suficientes para que novas medidas restritivas ocorram?

Espero que nos próximos dias tenhamos mais clareza disso tudo. Sinto que temos a capacidade de fazer algo mais planejado e as eleições, a meu juízo, foram uma demonstração disso. Não teremos mais medidas restritivas, não existe espaço social para isso. Mas teremos que ser mais responsáveis, acabar com eventos de massa e melhorar nossa capacidade de manter o distanciamento e usar máscaras e higiene."

Fonte: Estadão

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