sábado, 28 de novembro de 2020

"De que planeta Vinieste?"

 

Por Lucas Rafael Chianello

"Após o polêmico gol com “la mano de Díos” contra a Inglaterra, em 1986, Maradona driblou meio time adversário atravessando pouco mais de meio campo e marcou aquele que ficou conhecido como “o gol do século”.


Emocionado, o narrador Victor Hugo Morales pergunta: “Maradona, de que planeta viniste?” (De qual planeta você veio?)

E de fato Maradona não foi um qualquer.

Da infância pobre ao estrelato nos gramados, enquanto latino americano conquistou Napoli da mesma maneira que os colonizadores de outrora, a ponto de muitos napolitanos terem torcido pela Argentina e por ele na semifinal contra a Itália, na Copa de 1990, no estádio San Paolo, que agora levará seu nome.

Não se conta a história de Nápoles sem se falar nas ruínas romanas, no Vesúvio e claro, na passagem de Maradona pela cidade para que o clube local, na década de 1980, freasse a tri hegemonia de Juventus, Milan e Internazionale.

Era através de Maradona que o sul italiano pobre fazia frente ao norte industrializado, como se o Messi, por exemplo, liderasse o Fortaleza ou o Ceará na conquista de um campeonato brasileiro com golaços atrás de golaços.

Em tempos nos quais o pós-modernismo relativiza também o conceito de privacidade, na série Maradona no México, hospedada na Netflix, é possível conhecer um Maradona que as câmeras nunca mostraram antes.

Treinou o Dorados de Sinaloa sob imensa desconfiança, pois a cidade é conhecida como rota do tráfico de drogas, as maiores adversárias de sua vida.

Num dos episódios, reconhece a máxima culpa de não ter sido um atleta melhor em função do uso de entorpecentes e demonstra profundo arrependimento, ao mesmo tempo em que exigia estrutura decente para dar os treinamentos e amparava os jogadores.

E como muitos procuram uma segunda chance, Maradona fez questão de tatuar Fidel Castro em sua panturrilha esquerda após passar por um tratamento de desintoxicação em Cuba, ocasião na qual se revelou o cidadão que se posicionava diante de injustiças sociais e declarava escancaradamente seu apoio aos governos de esquerda sul-americanos (Chávez, Lula, Dilma, Evo Morales, Nestor e Cristina Kirchner) eleitos na década de 2000.

Ao vestir uma camiseta preta com uma estampa de placa de fundo vermelho escrito em branco “Stop Bush”, o S do nome do presidente estadunidense vinha escrito em forma de suástica.

E do alto de suas confissões públicas de utilização de entorpecentes, um desagravo: como bem relata o jornalista Silvio Lancellotti, a narrativa de que Maradona jogou a Copa de 1994 dopado nada mais foi do que uma manipulação sórdida de todos os dirigentes sujos que se tornaram inimigo de um sujeito que desde sempre lutou contra a superexploração dos atletas de futebol, escravos de salários astronômicos como bem definiu Eduardo Galeano em Futebol Ao Sol E À Sombra.

Maradona é um desses personagens da história humana que recorda a célebre frase de Fernando Pessoa:

"O valor das coisas não está no tempo em que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis."

À sua maneira, Maradona viveu intensamente.

Craque, dependente químico, homem de temperamento explosivo e cidadão que se posicionava, o ponteiro de seu velocímetro emocional sempre estava em nível máximo.

Morreu na mesma data que Fidel, a quem considerava um segundo pai após se tratar em Cuba.

Hora de encomendar uma camisa 10 da Argentina para a minha coleção como forma de homenagem.

Maradona, por siempre, es más grande que Pelé.”

Lucas Rafael Chianello




Lucas Rafael Chianello Advogado, jornalista, filiado ao PT de Poços de Caldas. 
Organizado na tendência da Articulação de Esquerda.

 

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