quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Inovação brasileira, candidaturas coletivas

CAMPANHA COLETIVA DE MULHERES DO MTST FAZ PANFLETAÇO NA RUA (FOTO: DIVULGAÇÃO)



 Por Giovanna Galvini - Carta Capital

"Modelo tenta driblar a crise de representatividade do País, diz Jussara Basso, cabeça de chapa de 'Juntas - Mulheres Sem Teto'"


"O momento de encarar a urna para escolher os próximos prefeitos e vereadores está próximo. Apesar dos candidatos aparecerem com foto e nome únicos neste domingo 15, a possibilidade de votar em um grupo de pessoas e em um conjunto de ideias partilhadas tem sido cada vez mais normalizada no processo eleitoral.

As candidaturas coletivas vieram para ficar mesmo sem previsão legal de divisão de recursos e presença conjunta nos plenários. Inauguradas nas eleições municipais de 2016 com a Gabinetona, coletivo do PSOL eleito em Belo Horizonte formado por Áurea Carolina e Cida Falabella, o modelo “vote em uma, leve todas” expandiu-se ao Legislativo estadual em 2018 com as experiências da Bancada Ativista (SP) e das Juntas (PE), ambas também do PSOL.


O uso de “todas” e a recorrência de partidos progressistas nesse tipo de candidatura são duas características marcantes do projeto brasileiro. Quem faz a análise é Beatriz Pedreira, cofundadora do Instituto Update, que mapeia inovações políticas na América Latina. Para a pesquisadora, as candidaturas coletivas “hackeiam” um sistema difícil de ser alterado pelas vias legais em nome da representação popular.


“Tem uma tendência a ser liderado por mulheres, e o Brasil é vanguarda nesta estratégia política. Já serviu até de inspiração na Colômbia, com a campanha do ‘Estamos Listas’. As candidaturas representam uma oxigenação e inovação na prática política, um ‘hackeamento’ do sistema. É usar a lei, um mecanismo tão difícil, para criar novas formas institucionais, para se eleger e inovar a partir dele”, afirma.


A pesquisadora analisa que entender um cargo político nem sempre é uma tarefa simples para os eleitores – mesmo quando falamos em candidaturas individuais. Para os coletivos, essa dificuldade é ainda maior. No entanto, a origem de movimentos sociais da maioria dos grupos facilita o convencimento dos cidadãos de que um projeto popular é possível.


“O eleitor entender o que faz um vereador já é um grande desafio, mas já que isso está ligado a um setor político mais progressista, que dialoga mais com as inovações, a gente pode dizer que é uma estratégia de nicho”, analisa.


“As pessoas entendem mais a coletividade do que a gente imagina. O cidadão brasileiro que precisa de uma rede para sobreviver entende o que é uma colaboração. Talvez seja mais difícil para uma elite econômica entender o funcionamento colaborativo do que para as pessoas que vivem nas periferias, ou as que têm uma outra relação sem privilégios, em que essa rede de contato funciona de uma forma mais presente”.


Até o momento, não há uma contabilidade oficial de quantos projetos coletivos concorrem nas eleições 2020. Em nota, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) afirmou que não dispõe dos dados “porque, sob o aspecto jurídico-legal, não existem candidaturas coletivas.”


Busca por representatividade é central 

A origem no movimento sem-teto e a busca por representatividade desta pauta levaram Jussara Basso, Valdirene Cardoso e Débora Pereira a lançarem uma candidatura coletiva do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) na capital paulista nomeada de “Juntas – Mulheres Sem Teto”.


Apontadas como as candidatas de Guilherme Boulos, que concorre à Prefeitura de São Paulo pelo PSOL, as três cravaram a vontade de concorrer em 2019 após o 1º encontro estadual das mulheres do movimento.


“A crise de representatividade do País diz respeito a uma crise de participação da população mais pobre. Por isso, pensamos em uma chapa coletiva para trazer esta representação caso eleitas”, afirma Jussara Basso, que é a cabeça de chapa e a representante legal nas urnas.


DÉBORA, JUSSARA E VALDIRENE (TUCA), DA CHAPA COLETIVA DO MTST PARA A VEREANÇA DE SÃO PAULO. (FOTO: RAVI SANTANA/CARTACAPITAL)

Questionada sobre as dúvidas mais comuns em relação à candidatura, Jussara elenca a divisão de recursos e o funcionamento do gabinete como exemplos. Para tal, elas também se espelham nas experiências consolidadas no País: divisão igualitária de salários e colegiado sobre votos em projetos de lei e destinação de emendas parlamentares.


“Mesmo sendo diferente e não sendo [um projeto] pioneiro, percebemos que as pessoas se identificam com o formato também por questionarem o personalismo político”, afirma Jussara Basso.


Até quem já vivenciou a experiência de um mandato padrão tem se interessado pelo formato. É o caso do professor universitário Nabil Bonduki, eleito vereador pelo PT em 2001 e 2013, e que volta a concorrer à Câmara dos Vereadores de São Paulo no Mandato Coletivo + Direito à Cidade.


“Eu não estava muito entusiasmado em ter uma campanha individual e, dentro do grupo que vinha atuando comigo, começou a se discutir quem seriam pessoas representativas para uma candidatura. É importante ter uma inovação deste tipo para garantir maior diversidade etária, de gênero, racial e de pessoas de diferentes regiões da cidade. Isso permite que conversemos com mais gente”, relata.


COLETIVO + DIREITO À CIDADE (FOTO: DIVULGAÇÃO)


Entre os desafios encontrados para convencer o eleitor de que é uma boa ideia apostar em um grupo em vez de em um único candidato, Bonduki aponta a transparência como um primeiro passo. O mandato criou uma carta de compromisso em que elenca a promessa de manter a composição coletiva ao longo dos quatro anos de legislatura caso eleitos, a tomada de decisão em colegiado e os temas prioritários do grupo.

“Como qualquer coletivo de várias áreas, você tem uma pessoa que representa os outros mas não decide nada sozinho. Embora o nosso grupo tenha pessoas diferentes com um histórico específico – alguns de habitação, outros de cultura -, a ideia é que cada tema será tratado de maneira conjunta”, afirma.

Banduki e outros cocandidatos têm em quem se espelhar, situação um pouco diferente do que a codeputada estadual de Pernambuco Jô Cavancanti (PSOL) vivenciou. Integrante do Juntas, ela e outras quatro mulheres ultrapassaram a barreira do convencimento e conquistaram mais de 39 mil votos, mas enfrentaram resistência dentro da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe).

“Tudo que é novo assusta. Quando a gente chegou na Alepe, os parlamentares se sentiram ameaçados de alguma forma. Houve algumas dificuldades no início, mas sempre abrimos o diálogo de respeito ao regimento da Casa, e não fazemos nada que descumpra as regras da assembleia”, relata.

Jô é a representante do coletivo nos votos e falas do plenário, mas ressalta que, para qualquer candidatura conjunta, o importante é não dissolver o projeto original de construção com diálogo.

“Teve casos de preconceitos reais contra a nossa presença lá. Eu venho do movimento de moradia e do movimento popular de ambulante, então eles pensam que só porque a gente é ambulante e sem teto, a gente não tem um conhecimento. Hoje, todas as codeputadas são tratadas como iguais”, relata.


Já é perceptível a expansão da inovação para partidos de centro-direita, como o Democratas e o MDB. CartaCapital questionou os partidos com mais candidaturas homologadas no País sobre os projetos conjuntos, mas não obteve uma conta fechada, o que indica que a prova da popularidade dos mandatos coletivos deve vir à tona após a apuração das urnas.

Para Beatriz Pedreira, toda inovação acontece com acertos e erros. Observar como outros espectros políticos se apropriarão de mandatos essencialmente pautados no coletivo e sem grandes personalismos de chapa, para ela, é um exercício de como a democracia baseada na importância da representatividade e nos movimentos identitários irá se consolidar daqui para a frente.


“Estes movimentos eleitorais nasceram fora dos partidos e vêm da sociedade civil, só que, pra você ser candidato no Brasil, você tem que estar no partido. Uma mudança cultural vem acontecendo. É preciso ter pé no chão – alguns experimentos podem dar certo e outros não. É necessário compromisso e disposição”."

Fonte: Carta Capital  

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