Verso da música “Detalhes”, de Roberto Carlos e Erasmo Carlos
Lila me olhava tão fixamente que minha esposa começou a rir, pois nossa filha canina fazia uma expressão de que ou não comia há dias, ou que poderia chorar a qualquer momento. Quando minha esposa compartilhou a percepção que tinha das expressões de Lila, de imediato minha mente e meu coração me lembraram de uma cena ocorrida há muitos anos atrás.
A cena ocorreu em uma churrascaria em Petrópolis, chamada de “Maloca”. Eu e um grande amigo (praticamente um irmão) fomos à cidade imperial para desfrutar um clima mais ameno que o do Rio de Janeiro, e desfrutar de cervejas que eram comercializadas apenas naquela cidade. E naquele dia almoçamos num restaurante famoso em todo o Rio de Janeiro não apenas por causa da comida excelente, mas também por causa do seu pitoresco telhado de palha.
Eu e ele nos sentamos em uma mesa próxima a uma das janelas que se abriam para o exterior do restaurante. Saboreávamos as carnes que o excelente atendimento da casa não permitia que acabassem de nosso prato. Em um determinado momento da conversa, em uma pausa para lubrificar a garganta com a cerveja gelada e que era apenas vendida na cidade, vimos um cachorro nos mirando fixamente, com o olhar triste e abatido. Observamos o animal por alguns segundos, que continuou a nos olhar, entristecido.
“Ele parece estar com fome.” – disse meu amigo, que gostava tanto de animais quanto eu. “Sim” – concordei – “vamos dar um pedaço de carne a ele.”. Eu nem terminei a frase, e meu amigo catou um pedaço de picanha do próprio prato, e atirou ao cachorro pela janela. O animal se moveu lentamente para próximo do local onde o alimento havia caído, e o comeu lentamente, apesar de ser um pedaço pequeno. E nos olhou novamente, entre agradecido e esperançoso de que outro brinde fosse atirado a ele.
As esperanças do animal não se realizaram. Pois antes que eu e meu amigo sequer pensássemos nisto, um educadíssimo garçom se aproximou e pediu licença para conversar conosco.
“Eu entendo perfeitamente o gesto dos senhores, mas a direção do restaurante pede para não alimentar o cachorro.” – ele disse, firme e polidamente.
“Mas o cachorro parece estar faminto” – replicou meu amigo – “Ele é do restaurante? Vocês o alimentam?”
“Isso não é necessário” – respondeu o garçom. E suspirando, completou: “Ele aprendeu a fazer este olhar de triste e essa pose de que está com fome, e não são poucos os que atiram pedaços de comida para ele.” – Sentindo-se mais à vontade, completou baixinho, pedindo a nossa cumplicidade para a frase que viria a seguir: “Esse filho da puta deve comer melhor do que a minha família.”.
Eu e meu amigo nos olhamos e gargalhamos sem parar por vários minutos. O garçom disfarçou, pegou alguma coisa na mesa, e se afastou sorrindo. E o esperto cachorro, percebendo que dali não sairia mais petiscos, afastou-se para outro lado do restaurante, em busca de novos desavisados que resolvessem acabar com a fome do “desolado” animal.
O restaurante onde esta cena aconteceu fechou após um incêndio. Meu amigo faleceu há alguns anos, deixando aquele vazio que somente o amor e as boas lembranças podem ocupar. Jamais soube do destino do cachorro ou do garçom. Entretanto, foi um momento tão marcante, tão delicioso, que voltou instantaneamente quando um pequeno gatilho foi acionado.
Nesta vida, eu conheci muitas pessoas. Muitas delas se perderam no tempo ou no espaço. Mas quantas vezes não me retornam à memória e ao coração, em situações ditas corriqueiras? Estas pessoas estão gravadas de uma forma que nada poderá apagar. Inseriram-se nos detalhes da vida diária, fazendo com que momentos que seriam percebidos como normais ou corriqueiros se tornassem únicos, emocionantes, inesquecíveis.
Encher a vida alheia de detalhes positivos, de maneira que estes momentos preenchem a vida de boas lembranças e positividade. Situações corriqueiras, que deixam de ser corriqueiras por estarem revestidas do brilho de situações amorosas, alegres e inspiradoras. Detalhes tão pequenos de nós dois, ou três, ou mil – mas que sejam muito grandes para esquecer.
Ainda estamos muito focados em gerar e acumular bens, muitas vezes em um volume que não conseguiremos usufruir em toda a nossa vida. Apesar da abundância material à nossa volta, ainda estamos conectados a um instinto de sobrevivência que não precisaria mais ter a força que possui em nossas ações.
E, perdidos em prioritariamente acumular bens, desperdiçamos o tempo, nosso recurso mais precioso. Os segundos que se vão não mais retornarão. E cada segundo é um momento único. Estes momentos são os tijolos que formam a estrada para a eternidade, algo que buscamos tão longe, mas que está tão próximo de nós.
E os detalhes são as flores e as sequoias que plantamos no caminho daqueles que cruzam conosco.
Portanto, dividir nosso tempo - nossos momentos - de forma positiva com outras pessoas, de maneira a torná-lo inspirador, positivo, pleno de esperança, talvez seja forma mais sublime da característica que transforma seres humanos em humanos: a Generosidade.
Maurício Luz |
1º Belmiro Siqueira de Administração – em 1996, na categoria monografia, com o tema “O Cliente em Primeiro Lugar”.
E o 2ºBelmiro Siqueira em 2008, com o tema “Desenvolvimento Sustentável: Desafios e Oportunidades Para a Ciência da Administração”..
Ex-integrante da Comissão de Desenvolvimento Sustentável do Conselho de Administração RJ.
Com experiência em empresas como SmithKline Beecham (atual Glaxo SmithKline), Lojas Americanas e Petrobras Distribuidora, ocupando cargos de liderança de equipes voltadas ao atendimento ao cliente.
Maurício Luz é empresário, palestrante e Professor. Graduado em Administração de Empresas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1997).
Mestre em Administração de Empresas pelo Ibmec (2005). Formação em Liderança por Condor Blanco Internacional (2012).
Formação em Coach pela IFICCoach (2018). Certificado como Conscious Business Change Agent pelo Conscious Business Innerprise (2019).
Atualmente em processo de certificação em consultor de Negócios Conscientes por Conscious Business Journey.
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