sábado, 16 de outubro de 2021

"Vida em Abundância"

      

“A vida em abundância não é a vida do excesso, do desperdício, da perda. A vida em abundância é a vida da suficiência.”

                                                                              Mario Sergio Cortella


Eu resido em casa com quintal e árvores. Vivendo em uma grande cidade, reconheço o quanto isto é uma dádiva. E a área é grande o suficiente para que convivam uma pitangueira, um pé de acerola, uma caramboleira, um mamoeiro e um abacateiro. Estas são as árvores frutíferas, pois também convive conosco um jovem pau-brasil, que em seu momento nos brindará com suas flores amarelas. Também já morou conosco uma linda e enorme mangueira, que nos deixou após ser atacada pela chamada “seca da mangueira”, em uma praga que atacou e matou grande parte das mangueiras-espada em minha cidade, entre 2005 e 2010.

Gosto muito de nosso jardim. É um recanto, um refúgio da correria da roda de hamster ao qual nos submetemos em nosso cotidiano. Passei muitas e muitas horas no espaço, buscando não o melhorar, mas talvez melhorar a mim mesmo. E uma das formas de alcançar esta melhoria pessoal é contemplar as árvores e a vida que floresce em qualquer canto que se permita.

As árvores que vivem no jardim me trouxeram valiosas lições. O pau brasil me ensina paciência e desapego, pois um exemplar leva anos para dar a primeira florada, o que faz me perguntar se algum dia eu conseguirei vê-lo enfeitado e cercado de abelhas. A pitangueira é antiga (já morava na casa antes de nossa chegada) e possui uma copa enorme, e que me mostrou a importância da sabedoria de se podar algo para que possa continuar crescendo e dando frutos. A caramboleira me mostrou, além da delícia do suco de carambola, que constelações também crescem em árvores – uma visão que tive ao vislumbrar, em um dia de colheita, os galhos repletos de seus frutos em forma de estrela.

O abacateiro me ensinou resiliência. Também um antigo morador, ele sofreu bastante durante o período de obras necessárias para que pudéssemos morar na Casa. Chegou a ficar sem folhas e sem galhos, e tomamos a decisão de cortá-lo. E como uma fênix verde, ele literalmente renasceu, ostentando sua força revigorada em um tronco duplo, formando um “v” de vitória como que me lembrando do poder da resiliência e que o fato ruim que nos acontece pode ser, na verdade, o gatilho para um renascimento em grande estilo.

E todas elas me ensinam o poder da abundância. Quando permitimos às árvores crescerem e alcançarem o mínimo de seu potencial, elas retribuem de uma forma que mal podemos mensurar. Sugam a água que corre no solo e as lançam na atmosfera, possibilitando que retornem a nós como abençoada chuva. Concede-nos o oxigênio absolutamente essencial para nossa vida. Protegem-nos nas horas que o sol está mais inclemente, e impedem que as águas das chuvas causem mais estragos. Embelezam nossa vida com flores, tornando-se cada uma um pequeno ecossistema, berços da vida.

E nos concedem frutos em profusão. Incessantemente, elas concedem a todos à sua volta o resultado da incrível alquimia que fazem ao transformar os elementos em alimentos. Não foram poucas as vezes em que minha esposa, muito mais cuidadosa do que eu quanto ao jardim, entrou sorridente em casa com uma bolsa cheia dos presentes que as integrantes clorofiladas da família nos deram. 

Tudo isto me passa pela cabeça rapidamente, ao contemplar os galhos do abacateiro repleto de flores e pequenas bolinhas verdes que se tornarão frutos em breve. Há muita abundância aqui, e não há mais porque não fui disciplinado o suficiente a ponto de cuidar de uma horta. 

Há abundância de vida e vida em abundância em nosso redor, em todo o planeta. O que nos impede de enxergar isto?

O filme “Apocalypto” (2006), de Mel Gibson, conta a história sobre a decadência do Império Maia. Logo no início do filme somos brindados com uma interessante fábula, contada em uma roda de conversa dos habitantes de uma aldeia que vivia próxima a uma grande cidade maia:

E um homem estava sentado sozinho.

Profundamente mergulhado na tristeza.

E todos os animais se aproximaram dele e disseram:

“Não gostamos de vê-lo tão triste ... Peça-nos o que quiser e você terá.”

O homem disse: “Quero ter uma boa visão”.

O abutre respondeu: “você terá a minha”.

O homem disse: “Eu quero ser forte”.

A onça disse: “você será forte como eu”.

Então o homem disse: “Anseio por conhecer os segredos da Terra”.

A serpente respondeu: “Eu os mostrarei a você”.

E assim foi com todos os animais.

E quando o homem tinha todos os presentes que eles podiam dar ... ele foi embora.

Então a coruja disse aos outros animais:

“Agora o homem sabe muito e é capaz de fazer muitas coisas ... De repente, fico com medo.”

O veado disse: “O homem tem tudo o que precisa. Agora sua tristeza vai parar.”

Mas a coruja respondeu: “Não. Eu vi um buraco no homem ... Profundo como uma fome que ele nunca vai saciar ... É o que o deixa triste e o que o faz querer. Ele irá tomar e tomar ... Até que um dia o Mundo dirá: Eu não sou mais e não tenho mais nada para dar.”


Lembro-me, como se fosse ontem, do impacto que esta fábula me causou quando assisti a este belo filme. Todos nós temos este “buraco” dentro de nós mesmos, que nos faz querer alcançar algo mais, uma busca para preencher este vazio que nos incomoda tanto. Quando esta busca é voltada apenas para a materialidade, a superficialidade das relações, a obtenção mesquinha do poder ou apenas para a mera sobrevivência, somos apenas capazes de tomar – e tomar indefinidamente, até que o Mundo dirá que nada mais tem para nos dar.

As árvores nos mostram que podemos conceder de forma multiplicada aquilo que tomamos para nos constituir. Elas fazem isto naturalmente. Em nosso caso, Abundância é uma perspectiva. E também uma escolha. Uma decisão que fica facilitada quando entendemos que o buraco dentro de nós jamais poderá ser preenchido pela matéria ou pela aceitação alheia.

Neste momento, somos então capazes de perceber o verdadeiro significado de Abundância. E paradoxalmente, alcançamos a característica daqueles que preencheram plenamente o vazio dentro de si: a Simplicidade.

Maurício Luz

Maurício Luz escreve a Coluna "Frases em Nosso Tempo", aos sábados para O Guardião da Montanha.

Ele é carioca e ganhou prêmios:

1º Belmiro Siqueira de Administração – em 1996, na categoria monografia, com o tema “O Cliente em Primeiro Lugar”. 

E o 2ºBelmiro Siqueira em 2008, com o tema “Desenvolvimento Sustentável: Desafios e Oportunidades Para a Ciência da Administração”..

Ex-integrante da Comissão de Desenvolvimento Sustentável do Conselho de Administração RJ. 

Com experiência em empresas como SmithKline Beecham (atual Glaxo SmithKline), Lojas Americanas e Petrobras Distribuidora, ocupando cargos de liderança de equipes voltadas ao atendimento ao cliente.

Maurício Luz é empresário, palestrante e Professor. Graduado em Administração de Empresas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1997). 

Mestre em Administração de Empresas pelo Ibmec (2005). Formação em Liderança por Condor Blanco Internacional (2012). 

Formação em Coach pela IFICCoach (2018). Certificado como Conscious Business Change Agent pelo Conscious Business Innerprise (2019). 

Atualmente em processo de certificação em consultor de Negócios Conscientes por Conscious Business Journey.

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