sábado, 20 de novembro de 2021

"Ecologia Profunda para Aspirantes a Jardineiros"


  A Terra está viva. 
James Lovelock

Recentemente, entre os dias 1º e 12 de novembro, aconteceu a 26ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas. Em pauta, mais uma vez, deliberações sobre como o ser humano lidará com os desafios que suas próprias ações têm provocado no meio ambiente. É crescente a preocupação sobre as consequências destas ações, e os custos que isto acarretará tanto em vidas e dinheiro – infelizmente, não necessariamente nesta ordem.

Os aspectos que envolvem as mudanças no clima tem chamado bastante a atenção, devido a eventos cada vez mais extremos (como secas mais longas e severas, enchentes recordistas em volume de água, furacões mais violentos) e porque seus impactos no planeta e suas causas tornaram-se cavalo de batalha entre aqueles que defendem formas mais sustentáveis de geração de riqueza com aqueles que defendem que “tudo está bem do jeito que está”, porque o ser humano não seria o causador das mudanças climáticas. Mas há outras questões das atividades humanas que merecem tanta ou mais atenção quanto o aquecimento global, e que podem transformar nosso planeta em uma sucursal de Vênus.

A poluição dos oceanos por plástico, por exemplo, é um fato que em breve não poderá ser mais colocado em segundo plano. Para a agricultura, o esgotamento da capacidade produtiva das áreas cultiváveis tornará a produção de alimentos mais cara e difícil, principalmente com a redução da quantidade de água potável disponível para as plantações, carência hídrica agravada pelo aumento da temperatura média do planeta e pelo desmatamento, por estarmos literalmente queimando as bombas naturais que sugam a água do subsolo para a atmosfera.

A própria ONU tem alertado que o comportamento humano e a destruição que tem provocado no planeta é suicida. A questão é que grande parte da humanidade não percebe nossos atos desta forma. 

Há aqueles que estão entregues à própria ganância. Há aqueles que, movidos pelas necessidades mais básicas, agem pensando em garantir a sobrevivência diária. Há também os que percebem que precisam mudar, mas estão presos demais a um modelo social que valoriza aqueles que “tem”, não os que “são”. Há também os que acreditam que a humanidade encontrará algum tipo de solução, e que ela virá, seja pela ciência (com o surgimento de tecnologias novas) ou pela religião, com a chegada de algum messias salvador.

Todas estas formas de lidar com a questão ambiental são consequências de uma questão mais profunda. Em algum momento, por algum motivo, o ser humano se desconectou da Natureza. Não mais nos vemos como parte inerente de uma rede que se sustenta, e cujos limites precisamos respeitar para garantir a existência desta rede, e consequentemente, de nossa própria sobrevivência. De alguma maneira, começamos a nos sentir tão especiais, tão diferenciados, que poderíamos sobreviver fora da teia da vida.

E como uma das características mais interessantes do ser humano é encontrar justificativa para seus atos, começamos a encontrar motivos para tornar plausível e justificável os atos de vandalismo que provocamos no pedregulho azul que habitamos.

No Gênesis, habilmente retiramos um versículo de contexto e, interpretando conforme nosso ego e a nossa conveniência, buscamos chancela divina para o que fazemos: “E Deus os abençoou, e Deus lhes disse: Frutificai e multiplicai-vos, e enchei a terra, e sujeitai-a; e dominai sobre os peixes do mar e sobre as aves dos céus, e sobre todo o animal que se move sobre a terra”. Poucas expressões passaram a justificar comportamentos tipicamente humanos de devastar as áreas nas quais vive em nome da ganância e da sede de poder. Como se, havendo um Criador, com todo o trabalho que teve para criar um belo jardim, seus filhos mimados teriam carta branca para destruir, sem consequências, o que Ele criou.

Durante milênios, a capacidade de devastação que conseguimos gerar no entorno era bastante limitada por diversos aspectos: as técnicas e sistemas produtivos eram mais rudimentares, os padrões de vida de grande parte da população estavam na linha da sobrevivência, a expectativa de vida era bem menor e não existia uma ideologia de consumo que valoriza o ser humano pelo que ele “tem”. 

Eis que entramos na era da Máquina. No Ocidente, o advento da Ciência e da industrialização acelerou a desconexão do ser humano com a Natureza. O Universo passou a ser visto como um grande relógio, um mecanismo a ser entendido e cujo entendimento destas regras permitiria, finalmente, a dominação da natureza. Francis Bacon, filósofo inglês e cujas reflexões sobre o estudo dos fenômenos naturais se tornaram uma das bases do pensamento e do método científico, é frequentemente citado pelo seu raciocínio de que dominar a Natureza é um dever do homem, um dever chancelado por Deus, reforçando a premissa de que somos os senhores do planeta e que a Ciência é o instrumento para garantir esta dominação e supremacia.

Aqueles que interpretam os conceitos bíblicos ou científicos como salvo-conduto para fazerem o que quiserem da Natureza, na verdade apenas enxergam o universo como aprenderam a enxergar. A questão, portanto, passa pela ressignificação de nossa relação com o meio ambiente. Apenas um novo olhar poderá dar novas interpretações para as justificativas que temos para nossos atos.

Essa ressignificação passa pelo conceito de “Ecologia Profunda”. O termo foi criado pelo filósofo norueguês Arne Næss, após a publicação de um artigo em 1972. Fazendo um contraponto à visão utilitarista da Natureza, Arne defendeu o valor intrínseco da Natureza e da vida, independente da sua possibilidade de uso do ser humano. Colocou que os recursos da Terra são limitados e que precisamos rever a forma de como satisfazemos as nossas necessidades. Arne também colocou em xeque a dita supremacia do ser humano, ao defender a igualdade das espécies, e defendendo a harmonia com a natureza em detrimento do seu domínio.

Em 1984, Arne e o ambientalista norte-americano George Sessions publicaram “Princípios Básicos da Ecologia Profunda”, nos quais reforçam a importância do valor intrínseco da vida, e não o valor utilitário; que a riqueza e a diversidade da vida contribuem para a realização destes valores; que os seres humanos não tem o direito de reduzir esta riqueza e diversidade exceto para a satisfação de necessidades vitais; que o florescimento da vida humana e sua cultura é compatível com a redução da população humana; que interferência humana no mundo é excessiva e está piorando rapidamente; que as políticas humanas na política, na economia, na ideologia e na tecnologia precisam ser alteradas, resultando em alterações profundas na forma de relacionamentos; que a principal forma de mudança na ideologia está na apreciação e valorização da qualidade de vida do que no incremento de padrões de vida; e que aqueles que subscrevem e concordam com os princípios tem a obrigação (direta ou indireta) de tentar a implementação das mudanças necessárias.

A Ecologia Profunda é um chamado para que o ser humano se reconecte à teia da vida da qual faz parte, ressignificando as relações que tem consigo mesmo, com seus semelhantes e com a Natureza. Somente esta mudança interna permitirá então interpretarmos que o domínio sobre todos os animais que se movem sobre a terra é o domínio que um cuidadoso e apaixonado jardineiro tem ao cuidar do jardim pelo qual é responsável, um contratado divino para cuidar de Sua obra. Lembraremos que Francis Bacon disse que se pode vencer a natureza quando a obedecemos. E que fazemos parte de algo muito maior que nós mesmos, tão grande que não podemos enxergar o seu Todo, mas que podemos admirar e preservar para as gerações futuras.

Somente assim alcançaremos a característica que permitirá nossa reintegração à teia da vida e aos seres que dela fazem parte: a Integridade.



Maurício Luz
Maurício Luz escreve a Coluna "Frases em Nosso Tempo", aos sábados para O Guardião da Montanha.

Ele é carioca e ganhou prêmios:

1º Belmiro Siqueira de Administração – em 1996, na categoria monografia, com o tema “O Cliente em Primeiro Lugar”. 

E o 2ºBelmiro Siqueira em 2008, com o tema “Desenvolvimento Sustentável: Desafios e Oportunidades Para a Ciência da Administração”..

Ex-integrante da Comissão de Desenvolvimento Sustentável do Conselho de Administração RJ. 

Com experiência em empresas como SmithKline Beecham (atual Glaxo SmithKline), Lojas Americanas e Petrobras Distribuidora, ocupando cargos de liderança de equipes voltadas ao atendimento ao cliente.

Maurício Luz é empresário, palestrante e Professor. Graduado em Administração de Empresas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1997). 

Mestre em Administração de Empresas pelo Ibmec (2005). Formação em Liderança por Condor Blanco Internacional (2012). 

Formação em Coach pela IFICCoach (2018). Certificado como Conscious Business Change Agent pelo Conscious Business Innerprise (2019). 

Atualmente em processo de certificação em consultor de Negócios Conscientes por Conscious Business Journey.

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