terça-feira, 4 de janeiro de 2022

"Igreja e Função Social da Propriedade"

 

    Por Gilvander Moreira

“O filósofo francês Alain Badiou, no livro São Paulo: A fundação do universalismo, alerta: “O capital exige, para que seu princípio de movimento torne homogêneo seu espaço de exercício, o permanente ressurgimento de identidades subjetivas e territoriais, as quais, aliás, reivindicam apenas o direito de serem expostas, da mesma maneira que as outras, às prerrogativas uniformes do mercado” (BADIOU, 2009, p. 18).


A luta do MST[2], da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e de todos os movimentos sociais camponeses busca pressionar para fazer cumprir a Constituição Federal de 1988 (CF/88) que prescreve como um de seus princípios fundamentais o cumprimento da função social da propriedade da terra. Isto é, os latifúndios que não cumprem sua função social devem ser desapropriados (CF/88, art. 185). Carlos Frederico Marés afirma que o conceito de produtividade está contido no conceito de função social, que é mais abrangente. Diz ele: “No conceito de produtividade está embutido o conceito de função social, isto é, só pode ser produtiva uma gleba que cumpra todos os requisitos da função social e, portanto, merece um prêmio, isto é, produtividade para a Constituição é sempre sustentável e não se confunde com rentabilidade ou lucratividade” (MARÉS, 2003, p. 129).

Socorro! Demolir 27 casas de até 3 andares n Comunidade Beco Fagundes Teresópolis, Betim/MG

E, qual o posicionamento da Igreja com relação à função social da propriedade da terra? Em contexto de desrespeito à dignidade humana e de superexploração da classe trabalhadora e da classe camponesa e diante da luta dos socialistas que defendiam a abolição da propriedade privada, reforçando a luta pelos direitos humanos fundamentais, a dignidade humana tem sido defendida pelo ensinamento social da Igreja Católica, expressa em várias encíclicas papais. Nessa perspectiva, rejeitando a tese socialista da abolição da propriedade, a Encíclica Rerum Novarum, de Leão XIII, de 1891, afirma que a propriedade, inclusive a dos bens de produção, é um direito natural. Porém, a propriedade tem uma função social e não se destina apenas a satisfazer os interesses do proprietário, significa, também, uma maneira de atender às necessidades de toda a sociedade. Desde 1891, os papas (re)afirmam ensinamento social semelhante em várias encíclicas: a Quadragesimo Anno, do papa Pio XI, de 1931; a Mater et Magistra, do papa João XXIII, de 1961; a Gaudium e Spes, documento do Concílio Vaticano II, de 1965, e a Populorum Progressio, do papa Paulo VI, de 1967, as quais afirmam que o conjunto de bens da terra destina-se, antes de mais nada, a garantir a todas as pessoas um decente teor de vida pelo conjunto de condições sociais que permitam e favoreçam o envolvimento integral de sua personalidade. A propriedade é um direito que comporta obrigações sociais.[3]

"Despejo em Betim/MG é absurdo sobre todos os aspectos: ilegal, sem risco" (Dr. Ailton).

O papa Francisco na carta Encíclica Laudato Si’ (Louvado Seja),  de 24 de maio de 2015, reafirma o destino comum dos bens como um princípio inarredável do ensinamento social da Igreja. Diz Francisco: “A tradição cristã nunca reconheceu como absoluto ou intocável o direito à propriedade privada, e salientou a função social de qualquer forma de propriedade privada. [...] Sobre toda a propriedade particular pesa sempre uma hipoteca social, para que os bens sirvam ao destino geral que Deus lhes deu” (PAPA FRANCISCO, 2015,  n. 93).

“Não há risco geológico nas 27 casas EM ÁREA PLANA, Beco Fagundes, Betim, MG.” (Dr. Edson).

O papa Francisco transcreve na Encíclica Laudato Si’ o que disse os bispos do Paraguai na Carta Pastoral El campesino paraguayo y la tierra, de 1983: “Cada camponês tem direito natural de possuir um lote razoável de terra, onde possa gozar de segurança existencial. Este direito deve ser de tal forma garantido que o seu exercício não seja ilusório, mas real. Isto significa que, além do título de propriedade, o camponês deve contar com meios de formação técnica, empréstimos, seguros e acesso ao mercado” (PAPA FRANCISCO, 2015, n. 94).

“Que sabedoria é esta?! Que aula magna! Rei nu.” “É desumano nos despejar!” Betim, MG.”

Está na Constituição de 1988 a exigência de cumprimento da função social da propriedade fundiária, mas o Estado não cumpre a Constituição neste e em nenhum dos direitos sociais prescritos. Pior, dribla o tempo todo as leis que garantem os direitos sociais.”

Vídeos que descrevem os assuntos abordados:

“Se derrubarem nossas 27 casas, nossa mãe morrerá, pois é acamada e hipertensa.” Betim/MG.”

“Estou nesta casa há 14 anos, 3 andares, sem nenhuma rachadura. Por que despejo? Betim/MG.”

“Suspendam o despejo em Betim, MG. Absurdo brutal. MESA DE NEGOCIAÇÃO, JÁ!” (Frei Gilvander)

Referências

BADIOU, Alain. São Paulo: a fundação do universalismo. São Paulo: Boitempo Editorial, 2009.

MARÉS, Carlos Frederico. A função social da terra. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2003.

PAPA FRANCISCO. Discurso do Papa aos Movimentos Populares. In: II Encontro Mundial dos Movimentos Populares com o Papa Francisco (Documento). Santa Cruz de la Sierra, Bolívia: Ed. Delegação dos Movimentos Populares brasileiros, p. 17-35, 2015.


Fonte: Frei Gilvander Moreira


Frei Gilvander Moreira


Gilvander Moreira é colunista às terças-feiras para O Guardião da Montanha - Jornal online. Ele é  Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG.


 


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