O embaixador americano Charles Burke Elbrick, com curativo na testa, após ser libertado pelos guerrilheiros |
Por Manoel Cyrillo de Oliveira Netto
"Há décadas atrás, nós vencemos e humilhamos o Império norte-americano e aos seus fantochezinhos brasileiros, os ditadores militares do Brasil.
Como assim? Há exatos 53 anos, precisamente no dia 4 de setembro de 1969, como parte da luta contra a ditadura, um grupo guerrilheiro brasileiro, capturou o embaixador norte-americano junto à ditadura, o Sr. Charles Burke Elbrick.
E eu tenho a honra de haver participado daquela ação. Fui o seu vice comandante, enquanto o companheiro Virgílio Gomes da Silva (posteriormente assassinado sob tortura pelos ditadores), foi o Comandante de todos nós.
Vocês notaram que eu usei o termo “captura” para me referir à ação? A história oficial, aquela das elites, registra o ocorrido como “sequestro”. Porém sequestro é coisa de bandido, é crime! E, não cometi crime algum! Nós capturamos o embaixador dos nossos inimigos para trocá-lo por companheiros presos pela ditadura. Uma clássica e frequente Troca de Prisioneiros entre países em guerra. Mas, se a Troca de Prisioneiros é frequente, onde está a humilhação dos norte-americanos?
Países em guerra Trocam Prisioneiros, exércitos em guerra Trocam Prisioneiros… naquele caso, um simples comando guerrilheiro estava Trocando Prisioneiros com o mais poderoso país do mundo – algo praticamente inédito, inusitado. E humilhante para o Império. Um vexame para o golpe de 64.
E a proposta de negociação foi imediatamente aceita pelos norte-americanos. Na mesma tarde da captura, ouvimos pelas emissoras de rádio e de televisão, todas elas, a leitura do Manifesto da ação. Comemoramos a vitória, muito! Quem cumpriu uma das exigências, mostrava que estava entrando no jogo, estava negociando. Às partes, bastaria seguir as demais etapas da negociação para que a vitória se concretizasse. Dito e feito, após dois ou três dias, saímos vencedores da ação.
A captura obrigou ao Império a que coagisse os seus títeres brasileiros para que, também eles, aceitassem a proposta da guerrilha. E foi assim que a ditadura liberou todos os companheiros presos por nós exigidos. Todos, os 15.
Os ditadores diziam que no Brasil não havia presos políticos… Fotos e entrevistas com os 15 libertos, veiculadas pelas principais agências noticiosas do mundo, contrariavam aquela história. Pior, todos relatavam torturas sofridas… e a tortura também era negada pela ditadura. Um vexame total, uma vergonha, tanto para o Império, como para a ditadura.
Bem, manifesto lido e companheiros libertados, em segurança, já no exterior, poderíamos soltar o nosso prisioneiro.
Aliás, ao longo de seu cativeiro, na medida do possível ele foi muito bem tratado. Providenciamos, por exemplo, uma medicação diária que ele tomava e que carregava em sua pasta poucas doses – ele nos agradeceu muito pelo gesto. Porém, ao ser libertado, sua foto mostra um “bandeide” em sua testa. O que teria ocorrido?
Imediatamente após tomarmos de assalto o veículo da embaixada, dominando o embaixador e o seu motorista, subimos a encosta do morro por trás da Rua Humaitá, na cidade do Rio. Lá no alto, abandonaríamos o carro oficial, um Cadillac preto, cheio de bandeirinhas, com o nosso manifesto em seu interior e seguiríamos para o nosso aparelho em uma Kombi.
Naquela época, o número de casas naquela região da Zona Sul era mínimo, muito da vegetação nativa do morro ainda estava preservada, havia muita mata. Amedrontado pelo cenário, desesperado, o embaixador agarrou-se às mãos do companheiro Virgílio que, por sua vez, empunhava um revólver. Imaginem, uma situação de extrema emergência! A qualquer momento a arma poderia disparar, atingindo qualquer um.
Para chamar o embaixador à realidade, com a minha arma de mão, dei uma coronhada em sua testa. Funcionou, ele se acalmou, ficou sereno e aceitou a troca de carro. Um ou dois dias depois, acreditem, ele nos pediu desculpas por ter tido aquele comportamento.
No início deste artigo disse que o Sr. Elbrick era o embaixador de um país inimigo. Citarei três ou quatro investidas norte-americanas contra o nosso povo para justificar aquela afirmação.
O golpe de 64 veio sendo gestado por longos e longos anos. Um dos primeiros movimentos que executaram, foi o de incutir na cabeça de nossos oficiais superiores a doutrina gringa de “Segurança Nacional”. Nela, estão preciosidades como o conceito de “inimigo interno” – e quem seria esse inimigo, meu deus do céu?
Ora, o inimigo externo do Brasil era a União Soviética, comunista, xô! E este inimigo seria contido pelas forças armadas norte-americanas. Caberia ao exército brasileiro, combater –no território nacional- agentes do comunismo internacional infiltrados entre o nosso povo, o tal do inimigo interno. Eram traidores da pátria, falsos brasileiros que, sorrateiramente, ingressavam em nossos sindicatos, nas universidades e, inclusive, em nossas instituições políticas para fazer o jogo do Comunismo Internacional, criar confusão, baderna. Chumbo grosso naquela gente!
Com a criação do IPES – Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais, dirigido pelo General Golbery, a administração norte-americana injetou aqui milhões e milhões de dólares em “atividades educacionais” ou, em português claro, promovendo o golpe de estado. Era um grande centro gerador de propaganda, de filmes e de programas de TV anticomunistas. O General Golbery teve que sair do Exército para comandar essa tropa.
Em 64, nas vésperas do golpe, a Quarta Frota da marinha norte-americana foi deslocada para a costa brasileira para dar suporte aos golpistas, caso houvesse resistência ao golpe. Eram muitos navios, muito armamento, muito combustível para os golpistas. Os norte-americanos já liberaram para o público os seus documentos oficiais sobre essa manobra.
Outra grande ajuda que os norte-americanos prestaram aos golpistas do Brasil, foi o treinamento em técnicas de tortura para os militares nos torturarem – lindo!
Foi o embaixador dessa gente que capturamos em 4 de setembro de 1969, há 53 anos…"
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